6 de setembro de 2013

PRESENÇA ESPIRITANA EM MOÇAMBIQUE - Parte III

PRESENÇA ESPIRITANA
EM MOÇAMBIQUE
(3ª Parte)

Alberto Tchindemba
(em França)

5. Reflexão sobre o redimensionamento da presença espiritana

A reflexão sobre uma eventual solução no que diz respeito à questão da coesão e da falta de comunicação entre as duas comunidades foi colocada ao Conselho Geral dois anos depois da nossa chegada a Moçambique. A comunidade de Netia, refletindo sobre o assunto dirigiu-se ao Conselho Geral dizendo: «Constatamos, ao analisarmos a nossa situação nesta diocese de Nacala, que nos encontramos numa das Paróquias mais desenvolvidas e amadurecidas da diocese, que agora começa a poder contar com os seus primeiros padres diocesanos. O critério aqui é atribuir aos padres diocesanos as paróquias “mais fáceis”, melhor preparadas para a autossuficiência. Por essa razão, vários foram os missionários a quem desagradou que a paróquia atribuída aos espiritanos fosse justamente a de Netia. Aliás, a paróquia de Nacarôa (vizinha de Netia e em situação semelhante), fundada e conduzida por combonianos, foi a estes pedida pelo bispo, que agora pretende, num futuro próximo, vir a entregá-la aos padres diocesanos. Tudo isto nos faz pensar que a nossa presença em Netia não deverá ser superior a mais cinco ou seis anos. Nessa altura, prestaremos melhor serviço à diocese se entregarmos a paróquia aos cuidados dos padres locais. Ora, nessa altura, tudo se poderá repensar, já que nada obriga a que os espiritanos assumam outra paróquia nesta diocese. Se a presença espiritana em Moçambique não é para ser muito numerosa, não seria melhor concentrar, nessa altura, as nossas comunidades no centro e sul do país, onde as visitas e contatos entre nós seriam facilitadas?» (Carta da comunidade espiritana de Netia dirigida ao Superior Geral e seu Conselho, 16.04.1998). Salientamos que esta proposta não teve resposta imediata, pois na ótica do Conselho Geral era preciso dar um pouco mais de tempo para amadurecer a ideia do redimensionamento da nossa presença em Moçambique.

Três anos depois da primeira correspondência com o Conselho Geral sobre a possibilidade de deixar a Paróquia de Netia para os padres diocesanos, a comunidade espiritana de Netia dirigia-se ao Superior Geral e seu Conselho dizendo: «Conforme conversámos com o P. Jerónimo Cahinga, a comunidade espiritana de Netia, a partir de diálogo com o D. Germano Grachane (nosso bispo) e o P. John Kingston, está em processo de transferência para Itoculo, uma área missionária vizinha, que aliás já assistimos pastoralmente. Iniciámos já o longo caminho para aí criarmos condições de residência (…)» (Carta da comunidade espiritana de Netia dirigida ao Superior Geral e seu Conselho, 21.09.2001). O Conselho Geral viria aprovar o projeto de Itoculo através do relatório do P. Jerónimo Cahinga depois da visita canónica efetuada ao Grupo Espiritano de Moçambique em 2001: «O Conselho Geral felicita-vos pelo entusiasmo que revelais em relação a esta nova paróquia de Itoculo e encoraja-vos a prosseguir com as obras já iniciadas. O subsídio para a compra do mobiliário está a ser considerado positivamente pelo Ecónomo Geral» (Relatório do P. Jerónimo Cahinga, 30.10.2001).

Depois da aprovação do projeto da abertura de Itoculo, uma nova fase rumo à solução do problema da distância entre as comunidades põe-se em marcha. Partindo das reflexões anteriores sobre a abertura da terceira comunidade espiritana, o Conselho Geral escrevia o seguinte: «O Conselho Geral gostaria de saber um pouco mais concretamente as razões e os objetivos dessa comunidade e onde vos parece (a todos) prioritário colocá-la. O próprio Conselho Geral seria favorável ao estabelecimento de uma tal comunidade na Beira, por ser central em relação a Inhazónia e a Nampula. Essa mesma comunidade poderia assumir a responsabilidade dos candidatos à Congregação ou mesmo dum Postulantado (Carta do P. Jerónimo Cahinga às comunidades de Inyazónia e Netia, 20.05.2003). Esta carta via correio eletrónico do P. Jerónimo Cahinga tinha como objetivo saber o que cada comunidade pensava acerca da abertura de uma terceira comunidade que servia para os interesses do Grupo.

6. Decisão do Conselho Geral para a abertura de uma terceira comunidade

A decisão do Conselho Geral para a abertura da terceira comunidade espiritana seguiu às propostas apresentadas por cada comunidade. Inyazónia defendia que se devia abrir a terceira comunidade na Beira (infelizmente não temos o texto), ao passo que Netia, numa das suas reflexões dizia «Em suma, Nampula poderia ser um excelente compromisso entre os vários desafios e solicitações que nos são colocados: seria uma resposta algo positiva à necessidade de formação no seminário e ao pedido dos bispos; seria uma comunidade espiritana em boa concertação com a comunidade já existente na vizinha diocese de Nacala; seria uma comunidade missionária em consonância com o nosso carisma; ofereceria, em acréscimo, condições ótimas para o acolhimento de Postulantes» (Reflexões da Comunidade Espiritana de Netia sobre a terceira comunidade, 12.06.2003).

Ouvidas as propostas das duas comunidades, o Conselho Geral respondeu: «Sobre a terceira comunidade o Conselho Geral está de acordo que se instale em Nampula, comunidade esta que se dedicaria à pastoral urbana e à formação dos nossos candidatos. Ao mesmo tempo um ou outro membro dessa comunidade poderia eventualmente estar disponível para colaborar com os combonianos no Seminário interdiocesano, a nível de aulas ou outra tarefa que fosse necessário. Aliás esta tinha sido a proposta que o P. Schouver tinha feito ao arcebispo de Nampula, quando este pediu a colaboração da Congregação. Logo em seguida, quando essa comunidade fosse instalada se poderia pensar numa 4ª comunidade mais ou menos próxima da de Inhazónia. Em todo este projeto, porém, procure-se manter a unidade física e psicológica do Grupo» (Carta do Conselho Geral às Comunidades Espiritanas de Inyazónia e Netia, 30.10.2001). Portanto, foi na sequência desta carta que a 18 de Outubro de 2004 deu-se a abertura da comunidade espiritana de Nampula, ficando por abrir a quarta comunidade para servir de apoio à comunidade espiritana de Inyazónia.

Conclusão

À guisa de conclusão queremos dizer que apesar de tudo a missão espiritana em Moçambique vai dando os seus passos, respondendo aos apelos de um povo sedento de Deus. Vários foram os confrades que passaram por Moçambique e que de uma ou de outra maneira deixaram a marca do seu trabalho generoso para o anúncio da Boa Nova.

O Grupo espiritano tem pela frente alguns desafios próprios de um Grupo novo que, cheio de entusiasmo vai dando resposta certa no momento certo. O importante é esperar pelo momento de Deus. Olhando para a nossa dedicação e serviço missionários, estamos certos de que o Senhor nos chama a ficar em Moçambique para partilhar com o povo a alegria de sermos todos irmãos.

18 de julho de 2013

PRESENÇA ESPIRITANA EM MOÇAMBIQUE - parte II

PRESENÇA ESPIRITANA
EM MOÇAMBIQUE
(2ª Parte)

Alberto Tchindemba
França

3. Chegada dos espiritanos a Moçambique

O dia 28 de Novembro de 1996 ficou gravado nos anais da história do Grupo Internacional Espiritano de Moçambique, pois marca o início de uma missão ao serviço de uma Igreja jovem e cheia de dinamismo, num país que acabava de sair de uma longa guerra civil que durou 16 anos e que ceifou vidas de muitas pessoas.

Os confrades Benedito Cangeno, Domingos Matos Vitorino e Anthony Ahamba, partem para a paróquia de S. Paulo do Bàrué, Inyazónia, ocupando-se da cura pastoral de quatro grandes distritos, nomeadamente, Bàrué, Guru, Macossa e Tambara, que correspondia a metade da diocese do Chimoio. Trata-se de uma missão de primeira evangelização, onde há 20 anos a população não tinha missionários residentes. As grandes viagens ao encontro do povo para a animação espiritual das comunidades e a formação dos responsáveis das pequenas comunidades cristãs marcaram o dia-a-dia missionário dos confrades. Por seu lado, os confrades Pedro Fernandes, Lawrence N. Nwaneri e Alberto Tchindemba, embarcaram para a paróquia de Nossa Senhora de Assunção, Netia, dedicando-se também na assistência espiritual das comunidades cristãs de Netia e setor de Djipui e Xihire da futura paróquia de Itoculo.

Portanto, é nesta Igreja ministerial que os espiritanos se lançam para mais uma aventura missionária. No seu trabalho missionário, os espiritanos vão contar com o apoio das Congregações Religiosas já com uma vasta experiência de missão em terras de Moçambique para a consolidação da Igreja local. O objetivo da missão passa pelo anúncio de Jesus Cristo, ajudando o povo a «andar com os seus próprios pés», como dizia um dos bispos moçambicanos. Os primeiros anos de missão são inteiramente dedicados à descoberta e aprendizagem da cultura e da língua povo. Os espiritanos, entram na pastoral de conjunto das dioceses onde trabalham. Prestam serviços pastorais a vários níveis: animação das comunidades cristãs, coordenação de comissões diocesanas, animação de encontros, pregações de retiros, etc. Trata-se de um momento de grande trabalho e de espírito de entrega, onde a preocupação era de trabalhar para o desenvolvimento integral da pessoa humana.

4. Dificuldades da primeira hora

A primeira dificuldade que saltou à vista de todos foi a distância que separa as duas comunidades espiritanas e consequentemente a falta de comunicação entre os membros das duas comunidades. Nesta altura, as estradas que ligavam o sul e o norte de Moçambique eram impraticáveis, e a falta de uma ponte sobre o rio Zambeze tornava a ligação norte-sul ainda mais difícil. A travessia do rio Zambeze fazia-se por batelão, ou então devia-se passar via Malawi para chegar a uma das comunidades. Em pleno tempo chuvoso era praticamente impossível pôr-se a caminho! Diríamos que a viagem de Inyazónia a Netia levava pelo menos 3 dias, viajando em péssimas condições e correndo o risco de danificar a saúde, e também o carro. As viagens de avião eram extremamente caras e obrigavam-nos a passar pela cidade da Beira e depois de ‘chapa’ (transporte público) seguia-se para Inyazónia, e vice-versa até Netia. Este isolamento fez com que cada comunidade vivesse as suas dificuldades sem as poder partilhar com os outros. De facto, as duas comunidades comunicavam mais facilmente com o Conselho Geral do que entre si. Para solucionar a questão deste isolamento e falta de comunicação entre as comunidades, o Conselho Geral pôs à disposição de cada comunidade um telefone satélite que apenas servia para uma comunicação urgente, pois era bastante caro.

A par da longa distância entre as duas comunidades (acima de 1.000km) junta-se uma outra dificuldade: a falta de entrosamento entre os membros das comunidades que, a dada altura, levou à reestruturação das mesmas comunidades. Foi a partir deste momento que se verificou o regresso de alguns confrades para as suas Províncias de origem e a chegada de novos confrades para dar continuidade ao trabalho ora começado. Esta situação de chegadas e saídas de confrades provocou uma certa instabilidade que se faz sentir ainda hoje na vida do Grupo Espiritano de Moçambique.

14 de julho de 2013

PRESENÇA ESPIRITANA EM MOÇAMBIQUE - Parte I

PRESENÇA ESPIRITANA 
EM MOÇAMBIQUE
ontem e hoje
(1ª Parte)

Alberto Tchindemba
França

Introdução

Falar da história dos Missionários do Espírito Santo em Moçambique, hoje, é recordar-se de um passado recente (apenas 16 anos de missão) que contou com a dedicação, participação ativa e generosa de muitos confrades que marcaram a história de um Grupo que sempre apostou em fazer conhecer e amar Jesus Cristo, num país conhecido como a pérola do Índico. O objetivo desta resenha histórica da nossa inserção em Moçambique é, antes de mais, uma partilha narrada em primeira pessoa daquilo que foi o tempo de missão espiritana desde as suas origens. Portanto, longe de fazer juízos, críticas ou avaliações, queremos simplesmente narrar o início e o desenvolvimento da nossa missão, olhando para os antecedentes históricos e a nossa inserção na Igreja moçambicana. Evidentemente que este olhar histórico missionário comporta algumas luzes e sombras próprias de uma implantação missionária.

Nesta resenha histórica focaremos a nossa atenção nos preliminares históricos e na preparação próxima da implantação da missão espiritana; da chegada dos primeiros espiritanos; das dificuldades da primeira hora; do projeto Itoculo; a reflexão sobre o redimensionamento da nossa presença nas dioceses de Chimoio e de Nacala; da decisão do Conselho Geral face à questão da distância entre as duas comunidades.

Preliminares históricos
Olhando para a nossa inserção na Igreja de Moçambique, damo-nos conta de alguns antecedentes históricos que, ao longo do tempo, foram preparando a chegada dos espiritanos em terras de Moçambique. Percorrendo o dossier dos espiritanos na secretaria da Arquidiocese de Nampula, deparamo-nos com uma correspondência epistolar de D. Manuel Vieira Pinto, então bispo de Nampula, a pedir missionários espiritanos para a sua diocese. Foi em 1969, poucos anos depois de ter chegado à diocese e confrontado com a imensidão do território sem assistência pastoral, que aquele prelado redigiu, de imediato, uma carta ao Superior Provincial português, P. Amadeu Martins, dizendo: «Venho confiadamente pedir a colaboração missionária dos Padres do Espírito Santo. Desde a minha nomeação para esta Diocese que penso em vós, e no retiro dos Superiores em Lisboa, na primeira semana de 68, falámos da possibilidade de um dia chegar a Nampula a primeira equipa dos Missionários do Espírito Santo. Depois de um ano e meio de trabalho na Diocese, vejo que é urgente aumentar não só os Missionários, mas também o número das Congregações em exercício na Diocese. (…) Sei que a hora é de crise e de penúria; no entanto, estou certo que devemos fazer um milagre para bem da Igreja em Nampula e para bem da Vossa Congregação, pois deve estar presente em Moçambique, para ter no seu dinamismo um pouco de todo o Ultramar. Já bati várias portas e todos me despedem com respeito. Sois uma família numerosa. Espero que esta Diocese entre na Vossa agenda e sobretudo no Vosso Coração». (Carta de D. Manuel Vieira Pinto, Bispo de Nampula, 12.02.1969)

Numa carta bastante fraterna, o padre Amadeu Martins, responde assim: «Recebi a carta de V. Ex.ª Reverendíssima, de 12 do corrente, e confesso com toda a sinceridade da minha alma que desejava corresponder ao apelo angustiante de V. Ex.ª Reverendíssima. Temos, porém, à nossa conta um campo já tão vasto e são também tão veementes os apelos dos Bispos de Angola e Cabo Verde e são tão escassas as nossas possibilidades em pessoal, que não se me afigura possível atender o pedido de V. Ex.ª Reverendíssima. No entanto fi-lo seguir para o Rev.mo Superior Geral da Congregação, pois dele depende a aceitação de um novo campo de apostolado (…)». (Carta do P. Amadeu Martins, Superior da Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, 27.02.1969).

O apelo de espiritanos para Moçambique não parou por aí. Assim no pretérito ano de 1976, justamente um ano depois a Independência, o bispo D. Luis Gonzaga, Bispo de Lichinga, escreve ao Conselho Geral, pedindo missionários para a sua vastíssima diocese desprovida de assistência espiritual. De salientar que nesta altura Moçambique vivia um momento particular da sua história. Era o ano a seguir à Independência e naquela altura muitos missionários e missionárias tinham abandonado o país por causa da ideologia marxista e leninista que se mostrava altamente feroz contra a Igreja. Alguns missionários foram inclusivamente expulsos pelo partido no poder que professava um marxismo puro e duro. Acerca do pedido do D. Luís Gonzaga, não dispomos da carta de pedido de espiritanos, nem da resposta do Conselho Geral. Provavelmente a Casa Geral terá mostrado a dificuldade de falta de pessoal disponível para responder ao apelo do bispo. De qualquer maneira, aqui queremos simplesmente sublinhar o facto de que a chegada dos espiritanos a Moçambique circunscreve-se num longo processo que a seu tempo resultou na chegada efetiva dos Espiritanos em 1996.

Preparação próxima da implantação da missão espiritana em Moçambique

Foi o bispo do Chimoio que conhecendo os espiritanos de Mutare (Zimbabwe) dirigiu-se ao Superior do Distrito, pedindo uma equipa de espiritanos. A ideia era de ter uma comunidade espiritana do outro lado da fronteira, onde se situa a diocese do Chimoio. O Superior do Zimbabwe não podendo dar uma resposta ao pedido do bispo – porque a abertura de novos campos de missão é da responsabilidade do Superior Geral e seu Conselho - aconselhou o bispo a ir falar diretamente ao Superior Geral. Assim, em 1994, D. Francisco Silota vai a Roma para apresentar oficialmente o seu pedido. Nesta mesma altura, estava com ele o D. Germano Grachane que precisando também de missionários para a sua diocese, junta-se a D. Francisco Silota. O Conselho Geral olhando para os pedidos dos bispos que correspondiam a uma necessidade concreta e que estava de acordo com o nosso carisma, põe-se a refletir sobre a possibilidade de abrir um novo campo missionário. Tratando-se de um projeto de toda a Congregação, o Superior Geral, apresenta a questão no Conselho Geral Alargado de Dakar, em 1995. É neste Conselho Geral Alargado que se dá o ‘placet’ para a abertura de duas comunidades espiritanas nas dioceses de Chimoio e Nacala, implicando as Províncias espiritanas de Angola, Nigéria e Portugal no que diz respeito ao recrutamento do pessoal. Sem tardar, cada Província põe à disposição deste grande empreendimento missionário dois dos seus membros (Angola: Benedito Cangeno e Alberto Tchindemba; Nigéria: Lawrence Nwaneri e Anthony Ahamba; Portugal: Pedro Fernandes e Domingos Matos Vitorino) para formar uma equipa internacional.

O Conselho Geral depois de ter aceite o pedido os bispos, pediu aos padres Jerónimo Cahinga, então Superior Provincial de Angola e José Manuel Sabença em representação do então Superior da SCAF James Divine (África do Sul), para uma visita às dioceses do Chimoio e de Nacala. Cada um deles deu o seu ponto de vista em relação às missões visitadas e a pertinência da nossa inserção num novo país. Finalmente foi o padre Benedito Cangeno que, tendo visitado também as duas dioceses e, baseando-se nos relatórios dos padres Jerónimo Cahinga e José Manuel Sabença, acabou por escolher as paróquias de Inyazónia (Chimoio) e de Netia (Nacala). Portanto, uma vez escolhidas as paróquias e com o pessoal já nomeado, o Conselho Geral, na pessoa do P. Bernardo Bongo, organizou, no mês de Setembro de 1996 em Lisboa, um encontro de toda a equipa de Moçambique, exceto o Anthony Ahamba, para uma preparação próxima e formação de comunidades. O padre James Divine, então Superior da SCAF, participa neste encontro, porque doravante o Grupo de Moçambique fará parte desta enorme Fundação juntamente com a África do Sul, Malawi, Zâmbia e Zimbabwe.


7 de junho de 2013

Vida e Missão CSSp 2013

Vida e Missão CSSp 2013


P. Raul Viana
Itoculo

O Grupo Espiritano em Moçambique realiza no mês de Junho o seu Conselho Alargado. Decorridos três anos da realização do seu primeiro Capítulo (Beira 2010), chegou a vez de voltar a congregar todo o Grupo para assim reler e avaliar as orientações assumidas, bem como ajustar e incluir as novidades de Bagamoyo (Capítulo Geral 2012), tendo em conta os desafios do atual contexto missionário espiritano em Moçambique.

Envolvidos pela realidade sociopolítica de Moçambique vemos que a par de uma considerável movimentação económica, marcada pela indústria de extração mineral (carvão, gaz natural, petróleo, etc.), vive-se atualmente alguma agitação política interna. Sinal disso são os incidentes ocorridos no início de Abril deste ano (em Muxungué) entre as forças policiais e os militantes do partido político da Renamo. No dizer destes, uma vez mais a oposição foi humilhada e maltratada pelos militares da polícia de intervenção rápida, sob a direção da Frelimo, partido no poder.

A opinião pública, a voz da Igreja Católica e do Conselho Cristão de Moçambique, bem como a intervenção imediata do Presidente da República, manifestaram o seu desagrado por tal incidente e apelaram ao diálogo fraterno para manter e solidificar a paz. Esta paz conseguida em 1992, com o fim da luta armada, é o caminho do desenvolvimento que permite sonhar e trabalhar por um futuro próspero. Só respeitando e acolhendo as diferenças, e juntos trabalhando pelo bem comum, se pode conseguir um Moçambique melhor para todos.


No final de Abril, a Localidade de Murutho - Posto Administrativo de Itoculo, uma das nossas Regiões Paroquiais, acolheu o Presidente da República na sua «visita presidencial aberta e inclusiva» de 2013. Além do frenesi que estas visitas comportam, foi um momento para a população fazer ouvir a sua voz. Os problemas da má governação e corrupção local, a carência de condições sanitárias, as dificuldades na educação, a falta de água potável e outros bens de primeira necessidade, a inexistência de indústria local, a comercialização injusta dos produtos agrícolas, os inúmeros casos de injustiça pessoal e social, entre outras coisas, foram assuntos de interesse comum apresentados à visita presidencial.

Como missionários nestas terras e com este povo ficamos satisfeitos por serem falados os reais problemas do povo local. É louvável esta oportunidade de expressão concedida àqueles que estão longe e não têm meios de se fazerem ouvir juntos das autoridades competentes. Este é o Moçambique real, muito distante de Maputo, onde as pessoas sofrem e lutam pela sua sobrevivência, face ao qual não podemos passar indiferentes. Faz parte da nossa missão atender a estas situações e trabalhar para minorar as dificuldades deste povo.


Assim, enquanto Grupo Espiritano, a nossa missão está marcada pela evangelização, propriamente dita, e por diferentes projetos de desenvolvimento. A par da assistência pastoral às paróquias que nos são confiadas (Inyazónia, Itoculo e Nampula), procuramos intervir na educação informal com apoio direto às escolas comunitárias, na organização e manutenção de lares estudantis para os mais desfavorecidos, na criação de bibliotecas e centros de estudo. Estamos ainda a possibilitar o acesso às novas tecnologias com cursos de informática, capacitando também homens e mulheres para o mundo laboral de corte e costura, criando incentivos para a prática agrícola, possibilitando um melhor acesso à água potável. Paralelamente, ministramos cursos e encontros de formação humana e cristã, formando líderes nas áreas da saúde, justiça e paz, cáritas, comunicação social, etc… Como resposta mais imediata e urgente, atendemos também a situações de desnutrição, especialmente de crianças.

Enfim, com base nesta realidade local e conscientes do verdadeiro sentido da vida missionária queremos continuar a marcar a nossa presença espiritana nestas terras segundo a inspiração dos nossos Fundadores, Cláudio Poullart des Places e Francisco Libermann, e de acordo com a orientação missionária mundial, que sempre nos convidam a unir o Evangelho com o Desenvolvimento integral «do homem todo e de todos os homens».

27 de maio de 2013

Fundação da Missão

Fundação da Missão 

por Bento Veligi

«Foi no ano 2002, depois de uma Missa na comunidade de S. José de Itoculo que o P. Ambrósio disse-me para esperar receber os Padres que haviam de vir de Natete comprar um terreno para a fundação de uma missão dentro da área da Sede do Posto. Depois de sair o Padre fiquei ainda sem saber qual seria a data da chegada desses Padres.

Mas depois de alguns dias vi três jovens estrangeiros que entraram no meu quintal depois de pedirem licença, e admiti-os a entrar. Admirei quando vi aqueles jovens com cara de pessoas amigas, e lembrei-me da tarefa dada pelo Padre Ambrósio, sorri também para eles para que não me achassem uma pessoa estranha.

Servi lugar de sentar, eles olharam-se e sentaram. Eram três Padres: P. Pedro Fernandes, P. Alberto Tchindemba e P. Damascenos dos Reis. Em menos de 15 minutos saímos para as zonas que por mim haviam sido reconhecidas e reservadas para a fundação da nova missão. Começamos pela área da serração com uma extensão de 100m por 100m. Depois seguimos para a área da velha fontanária que era também como a primeira. Por último, fomos na área que me pertencia juntamente com o sr. Cassimo Mosuade. Foi esta que os novos Padres acharam ser suficiente e pretendida.

Assim, fomos falar com o sr. Cassimo, sentamos numa sombra, negociamos com ele e aceitou vender tudo o que lá existia, e eu também aceitei vender a minha área. (onde está a casa da missão era dosr. Cassimo e onde está o Centro Paroquial era do sr. Bento). Então os Padres encarregaram-me de contar as plantas que mereciam vender, e depois eles viriam pagar. E de facto, no dia seguinte apareceram e pagaram a cada um de nós segundo o número dos seus bens. Os bens foram vendidos a preço amigável, que até não foi preciso consultar a agricultura.




No terceiro dia de trabalho fomos ao chefe do Posto que indicou alguém do seu gabinete para medir a área. No dia da medição estava eu, dois da administração e os três Padres. Eu com a minha catana abria as picadas que limitavam a área. Era no tempo seco, o mato estava cheio de feijão-macaco. Quando acabamos a abertura dos limites, dos Padres recebi outra tarefa que era de escolher pessoas para derrubar todo o mato.

Escolhi, então, essas pessoas fazendo-lhes corresponder 1 hectare a cada um deles. Era no ano que sofríamos de fome, por isso preferi escolher só irmãos da igreja. Eu fui encarregado do grupo. Os 9 hectares foram derrubados mas com grandes dificuldades. Ora se queixam do dinheiro ser pouco, ora se queixam do feijão-macaco. Mais tarde descobri que a grande dificuldade era de fome que assolava a zona. Informei os padres e eles trouxeram 10 sacos de farinha de milho o que correspondia um saco a cada um de nós. Assim o trabalho passou a correr normalmente, já havia poucas lamentações e concluímos a derruba e fomos pagos.

Dos Padres recebi outra tarefa de esperar o pessoal da pesquisa de água. O pessoal chegou na minha casa. Logo fomos pesquisar e a primeira descoberta da existência de água foi na zona da Serração, aí colocamos uma estaca. Depois fomos atrás da atual casa dos e colocamos uma pedra e uma estaca de pau-preto. Por último descobriu-se que também havia no cajueiro junto ao atual Centro Paroquial S. Francisco Xavier, onde colocamos uma estaca.



Quando veio a equipa de abertura de furos, preferiram a nossa última pesquisa. Aí abriu um furo em que a quantidade de água não era suficiente. Eu por minha iniciativa conduzi a equipa para perto de um morro de mochem, que pelas características da zona parecia-me haver água. Quando chegamos, viram que realmente existia uma grande quantidade de água, a qual até hoje nunca faltou.

Assim foi o início da chegada dos Padres e a história da água da missão por mim descoberta».

14 de maio de 2013

Pentecostes 2013

Pentecostes 2013

Raul Viana
Itoculo


Desejamos a todos os amigos e colaboradores uma alegre e animada festa de Pentecostes, vivida ao ritmo do Espírito. Que neste dia, e sempre, haja luz e inspiração para todos, para assim nos mantermos «fervorosos no Espírito».



Protagonista da Missão
Espírito Santo de Deus
Novidade de cada tempo
Testemunha da verdadeira fé
Evangelho de cada dia
Caridade em ação
Ousado defensor
Santidade contagiante
Transformação radical
Espírito de Pentecostes
Sopra sobre nós.



Feliz festa de PENTECOSTES
Feliz festa da CONGREGAÇÃO
do ESPÍRITO SANTO

30 de abril de 2013

São José para o Presidente

São José para o Presidente


Damasceno
Itoculo


Aqui deixo a mensagem que acompanhava a oferta que a paróquia de São José apresentou ao presidente na visita do passado dia 27 de Abril:


EXCELENTÍSSIMO SENHOR
PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

Em nome de todos os cristãos membros desta paróquia de São José – Itoculo, apraz-nos oferecer a Vossa Excelência uma pequena estatueta representando o santo patrono desta paróquia: São José, pai adoptivo de Jesus e esposo da Virgem Maria.

Esta estatueta foi esculpida por um artista desta terra. Por um macua. Este povo não tem tradição nesta arte. Mas, é um povo com um coração enorme e uma extraordinária disposição para a hospitalidade. Foi este atributo que tornou possível o estabelecimento de macondes neste território do Posto Administrativo de Itoculo. E esta convivência permitiu um enriquecimento mútuo, no qual se inclui esta aprendizagem na escultura do ébano por parte de alguns macuas. Significativo é igualmente o facto de o escultor ser muçulmano. Apesar de professar uma religião diferente, tem contribuído de forma regular com trabalhos que lhe são solicitados pela comunidade cristã. Tudo isto revela uma atitude extremamente delicada e cordial do povo macua que muito tem contribuído também para a concórdia da Nação. Damos graças a Deus por isso.

São José inspira em todos os cristãos uma grande ternura pela forma humilde e dedicada, discreta e solícita com que desempenhou o seu papel de chefe da sagrada família de Nazaré. Pela fé, sabemos que ele intercede por nós junto de Jesus para que o nosso país possa continuar a caminhar na prosperidade e na paz, e para que todos aqueles que exercem o serviço da autoridade o façam com um zelo sempre renovado e incessantemente busquem o bem de todo o povo moçambicano.

28 de abril de 2013

visita presidencial a ITOCULO


visita presidencial a ITOCULO

Itoculo
Raul Viana

Sábado, 27 de Abril de 2013, o Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, acompanhado de alguns Ministros do Governo, autoridades governamentais de outras Províncias e secretários dos Comités da Frelimo, aterraram na Localidade de Murutho, Posto Administrativo de Itoculo (Monapo). Aterraram porque chegaram de helicóptero (5), enquanto um bom grupo chegou de carro ou camião, e a grande maioria chegou a pé, pois é o único meio de transporte que possui.


Um mar de gente aguardava a visita do Chefe de Estado. Tudo estava enfeitado com bandeiras nacionais, panos coloridos, pedras caiadas… Os grupos artísticos e tradicionais (jovens, crianças e mamãs) executaram os seus cantos e danças. O protocolo e a segurança também cumpriram bem as suas tarefas e tudo correu bem.



Após as formalidades iniciais, com a plantação de uma árvore (m’baua) e a inauguração dos novos espaços da Localidade (Secretaria e Casa do Chefe da Localidade), seguiu-se o «Comício da Presidência Aberta e Inclusiva». Iniciou-se, então, com uma oração cristã e muçulmana feita pelos respetivos responsáveis (pároco da comunidade católica – P. Damasceno – e o xehe da comunidade maometana).

De seguida o Presidente saudou a população e agradeceu o acolhimento e as ofertas recebidas, justificando a sua presença nesta Localidade de Murutho. No seu discurso à população salientou duas coisas: a necessidade e o empenho pela paz e a luta contra a pobreza.
  
Podemos dizer que não foi por acaso que escolheu estes dois temas. De facto, a população local durante a guerra civil dos 16 anos sofreu muito com a guerrilha, pois esta Localidade de Murutho situa-se a meio-caminho entre as duas forças rivais (o centro da Frelimo em Itoculo e a base militar da Renamo em Mariri). Lendo um pouco do «diário de guerra» do P. Gino Pastor, então Pároco de Itoculo, de imediato descobrimos a grande quantidade de mortos, pilhagens, incêndio de casas, medo… e muitas outras atrocidades da guerrilha que aí aconteceram. Assim, quando o Presidente perguntou quantas pessoas tinham sofrido com essa guerrilha, muitas foram as mãos levantadas, e todas manifestaram a vontade de manter a paz alcançada.

Se para manter e trabalhar pela paz o Presidente pedia o empenho de todos, também para a «luta contra a pobreza», tema insistente do atual Governo, se exigia a colaboração de todos. Na verdade, «ninguém nasceu para ser pobre, mas todos devemos viver bem», insistia o Presidente. A riqueza do solo e subsolo moçambicano deve permitir uma maior qualidade de vida para todos: a nível da saúde, da educação, das vias de comunicação, da produção agrícola, etc… «Este será o caminho do desenvolvimento do país», concluía.

Outros pontos foram ainda falados quando o Presidente passou a palavra à população. Assim, além das 35 apresentações por escrito, 10 pessoas usaram a palavra para apresentar as suas preocupações. Sem medo de falar, corajosa e frontalmente, apresentaram a real situação da localidade: má governação e corrupção a vários níveis do Chefe da Localidade (aqui aconteceu a maior ovação de toda a visita presidencial), necessidade de mais e melhores escolas, urgência de um posto de saúde e de uma maternidade, facilitar o acesso a água potável, dificuldades nos salários em atraso, questões de justiça por resolver, necessidade de uma indústria local, etc…

Ouvidos os parlantes, o Presidente resumiu as apresentações feitas e, ponderadamente, disse que esses assuntos serão analisados pelos membros do Governo ali presentes. E com isto terminou o Comício agendado seguindo-se depois um tempo de encontro com as autoridades para averiguar as preocupações apresentadas.



Enfim, tirando algumas vozes «frelimistas» que ainda se fizeram notar por alguns membros dos comités presentes e que continuam a criar confusão entre Partido no poder e Governo, bem como a proibição de tirar fotografias no decurso de toda a visita presidencial, podemos concluir que a visita foi simples e simpática. A população acolheu a visita do seu Presidente, ouviu os seus apelos, expressou aquilo que sentia (falando sem rodeios), e agora aguarda novidades resultantes deste acontecimento.

25 de abril de 2013

visita do Presidente da República


visita do Presidente da República


Itoculo
Raul Viana


O Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, visitará no dia 27 de Abril a localidade de Murutho (1º de Maio), no Posto Administrativo de Itoculo – Monapo. Esta visita enquadra-se na edição 2013 da «Presidência Aberta e Inclusiva». Segundo informações gerais, o objetivo desta visita é contactar a população procurando conhecer o grau de execução dos planos de ação de combate à pobreza do Programa Quinquenal do Governo.



Na verdade, tudo está mexendo para que esta visita aconteça. De há um mês para cá a movimentação de carros não cessa de circular por estes lados. Assim, no dia 17 de Março a Governadora da Província de Nampula entrou no local para se inteirar da situação. No mesmo sentido, o Administrador do Distrito de Monapo também não poupa esforços para verificar que tudo esteja conforme às necessidades de acolhimento de tal visita. E cada dia outras entidades passam com escolta policial.



De facto, num curto espaço de tempo novas instalações foram criadas que aguardam a inauguração do Presidente: Secretaria da Localidade de Murutho – Distrito de Monapo; Casa do Chefe da Localidade; Casa de Visitas; palanques para palestras e apresentações artístico-culturais… diversas tendas desmontáveis. Entretanto a escola primária que estava sem chapa por ter sido desviada para outros fins, já está composta, apesar de inacabada. Também os acessos de terra batida estão sendo melhorados, pois há uma grande comitiva a acompanhar, sendo que o Presidente chegará de helicóptero.



Não é fácil perceber o alcance destas visitas. O dinheiro despendido para que tal aconteça é muito, senão demasiado. Em pouco tempo o centro de uma localidade fica completamente transformado. O que poderá aproveitar a população local além de receber a visita do seu Presidente? Penso que a resposta virá posteriormente, aguardamos.

Mas os problemas e preocupações da população são reais e urgentes:
- Falta de escolas e pessoal docente, bem como irregularidades dos mesmos na execução da sua tarefa educativa;
- Falta de condições básicas de saúde: poucos medicamentos nos hospitais e comercialização dos mesmos nas feiras; grandes distâncias entre os centros de saúde existentes;
- Vias de comunicação deficitárias para circulação de bens e pessoas;
- Empregados (onde os há) com salário abaixo o mínimo nacional;
 - Falta de controle nos criadores de gado que devastam as machambas dos pequenos agricultores;
- Concessões de terra a estrangeiros (30 mil hectares) sem considerar a população local;
- Etc…



Evidentemente que a par de tudo isto também existem outras coisas que são boas e positivas, e que mereciam ser ressaltadas. Mas, a vinda do Chefe de Estado faz com que os olhos estejam mais atentos àquelas necessidades que urge dar uma resposta mais imediata e assim conseguir vencer a pobreza que assola esta zona do país. Isto esperamos!

19 de abril de 2013

breve história de ITOCULO
(PARTE III)
por Bento Veligi

10.       Os usos e costumes:
Quando morresse um Mwene o tratamento do defunto era diferente de qualquer outra pessoa. No enterro do Mwene tinha que se preparar farinha de mapira que cada membro familiar punha um pouco na mão do falecido, e cada um pedia o que quisesse, desejando-lhe boa receção no Deus dos deuses. Pois reconheciam a existência do Deus verdadeiro. O último interveniente nesta cerimónia era o sucessor do falecido, e, até hoje, é a pessoa que guarda a ephepa (farinha de cerimónia) que existe em cada tribo. A sucessão no trono pertencia à parte materna (sobrinhos e irmãos), mas nunca aos filhos. Portanto, uma linha matrilinear.

Falando da resolução de problemas sociais, era da responsabilidade do Mwene deliberar de acordo com a gravidade do caso:

- As relações sexuais com mulher do Mwene tinha um castigo severo, podendo ser assado ou queimado vivo; ou então andar enformado ou despido e circular completamente nu no meio da população, como forma de tornar público o mal cometido.

- Os roubos eram punidos e exigiam a total devolução. Aqui envolvia-se toda a família da parte materna que era obrigada a devolver tudo que tinha sido roubado.

- Todo o homem de sexo masculino tinha de ser submetido aos ritos de iniciação, isto é, ser circuncidado e receber conselhos tradicionais durante um longo período de tempo que podia atingir a duração de um ano ou mais. Aqui aprendia algumas táticas de guerra tribal, o modo como proceder nos enterros, a construção de casas, a resolução de alguns problemas familiares, o modo como tratar um doente; o conhecimento de aspetos próprios da mulher, tais como a menstruação e a gravidez.

Por sua vez, as mulheres também faziam os seus ritos e recebiam uma educação para respeitar as pessoas, em particular o marido. Aprendiam, através de alguns sinais, a maneira de mostrar ao marido quando estavam menstruadas. Por exemplo, o uso de roupa vermelha, o facto de mandar o marido meter sal no caril, e outros sinais que eram do conhecimento dos dois.


11.       O traje e o modo de vestir:
- Os homens vestiam mukotha, ou tanga, que tapava apenas os órgãos sexuais, fixando-se através de um cordel na cintura.
- As mulheres usavam um traje melhor do que o dos homens. A sua roupa envolvia toda a nádega, cobrindo as coxas. Usavam ainda missangas à cintura, enquanto que os homens punham apenas ao pescoço.

12.       As lutas tribais:
Os regulados sempre viveram com lutas de poder. Todos os Régulos tinham a sua tropa local de guarda e ataque. Nas lutas tribais usavam armas locais: flechas com ponta envenenada, pedras, fogo, magias, orações... Como fardamento usavam missangas, tatuagens, pinturas na cara, máscaras, chapéus de palha e de penas de aves.


13.       A religião:
Neste tempo a religião cristã ainda não tinha chegado nesta região. E quando chegou com os colonos portugueses, era considerada «religião dos colonos». Por isso, as pessoas rezavam junto dos embondeiros; nas montanhas; nas grandes tocas; junto dos muros de mochem; nos cemitérios onde estavam enterrados os Mwenes. Para todas as orações nunca faltava a farinha, preferencialmente de mapira (ephepa). Usava-se farinha de mapira porque era um dos mais antigos alimentos desta região.

14.       As fases do crescimento de Itoculo (Nakhuka)
Nakhuka começou por ser habitado pelos portugueses no século XIX, no tempo da grande perseguição ao Mwene Maru-haa. Inicialmente fundou-se um quartel em Cotocwane (Thamela). Aqui era a sede que funcionou durante a luta aberta dos portugueses contra os dois Mamwene: Maru-haa e Mukuthumunu de Namarral. Depois da derrota dos dois Mamwene, os portugueses fixaram-se definitivamente zona de Nakhuka, junto ao atual rio Sanhote. Mais tarde, passou à categoria do Posto Administrativo no ano de 1959, quando era Chefe de Posto um cabo-verdiano de nome Carlos Gamboa Matos. Assim, deixou de ser chamado Chefe de Localidade para passar a ser Chefe de Posto.

15.       Uma tentativa de explicação do comportamento das pessoas da área de Nakhuka
Muitos anos antes da dominação colonial as pessoas de Itoculo sofreram muita opressão. Por exemplo, quando morresse um Mwene, no seu enterro tinha que se arranjar uma donzela (emuali) que se enterrava viva com o Mwene; ou quando o Mwene estivesse a comer por exemplo ao meio-dia ou o jantar, alguns escravos tinham que estar perto para logo que o Mwene terminasse de comer, eles lutassem para tirar pratos de junto dele; da mesma maneira, o Mwene não podia fazer uma cova para defecar, mas eram os escravos que deviam tirar as fezes dele e enterrá-las; noutras situações o Mwene sentava-se em cima da cabeça de uma pessoa viva fazendo dela a sua cadeira; os homens evitavam ter uma mulher mais bonita que a do Mwene, senão ele tirava-lhes a mulher; também quando o Mwene cortava o cabelo, logo arranjava uma outra cabeça de pessoa ou leão para se sentar enquanto lhe cortavam o cabelo; por sua vez, ninguém podia ter relações sexuais com a mulher do outro, visto que esta prática estava sujeita à morte ou ao pagamento de grandes taxas ao dono da mulher e ao próprio Mwene.


16.       Nihimus mais comuns
O povo de Itoculo é de raiz macua. Os nihimus mais comuns são: Mirashi, Laponi, Mulima, Celegi, Mirekoni, Lucagi, Mali, entre muitos outros. Este último, Mali, da zona de Xihire, eram os ‘donos’ (operadores) da circuncisão dos rapazes nos ritos de iniciação. Geralmente este nihimus estão relacionados com os regulados. Por exemplo, Maru-haa é do nihimu Laponi, Thamela, Muripa, Mepova são do nihimu Mirashi.

Conclusão:
Esta é uma breve história de Itoculo feita a partir de um conhecimento local e com base num diálogo simples com as pessoas da zona. A única finalidade é ajudar a avivar a memória e fazer que os mais novos conheçam o seu passado e os seus antepassados.

13 de abril de 2013

breve história de ITOCULO
(PARTE II)
por Bento Veligi


4.       A cadeia subterrânea:
A cadeia subterrânea de Itoculo fica situada a 500 metros da Sede do Posto Administrativo Itoculo, na via de Netia, perto do rio Sanhote, rio que antes da dominação portuguesa chamava-se Nakuka. A cadeia servia para prender e torturar os guardas e habitantes do regulado do Mwene Maru-haa, e mais tarde para todos aqueles que não aceitassem a dominação portuguesa. Esta cadeia funcionou antes e depois do Régulo Maru-haa, mesmo depois de ser apanhado.

Nesta cadeia havia várias formas de torturar as pessoas. Os mais antigos contam que ser morto fumegado, não era o único castigo que davam aos presos. Mas havia ainda outros castigos, tais como o enforcamento; espancamento, etc… Um velho residente no regulado de minhalaca-chihiri afirma que ainda se lembra de ter sido morto naquela cadeia o seu irmão de nome Rucuncha, o qual pretendia ir ao Mossuril em busca de sal.

No tempo dos portugueses, a 100 metros antes de chegar à cadeia subterrânea já estavam os soldados acampados, europeus e africanos vindos do sul de Moçambique. O povo do Maru-haa, chamou a esses soldados como alandi (ou lantins em portugês), um nome atribuído a todo aquele que fosse oriundo do sul.

5.       O rio-Mocha (Murathi wa Mocha):
A história deste nome rio-Mocha, está ligada ao facto de ser um lugar onde foi assado ou queimado quem quer que fosse apanhado a prostituir. Esta prática já existia no reinado do Régulo Maru-haa. Este rio situa-se depois do rio Sonhote, mas antes do Bairro de Namiro, na via de Netia.

6.       A subida de Nimalathu (onima-atthu)
Esta subida fica na via de Monapo a 3km da sede do Posto de Itoculo. Segundo contam os mais velhos, na abertura da estrada nacional que ligava a Ilha de Moçambique a Nampula, com um cruzamento para Nacala-a-Velha em Itoculo, as pessoas eram muito oprimidas, de tal maneira que qualquer uma que se achasse incapaz de trabalhar, logo era morta e substituída por uma outra. Assim, o povo chamou aquele sítio Nimala-athu (aqui acabam pessoas).

7.       O nome de Itoculo (Ethukulo)
Ethukulu é uma planta que dá um flor semelhante a uma pinha ou ananás, que geralmente nasce nas zonas pantanosas da savana. Ela serve de alimento às toupeiras, contendo uma seiva escorregadia. Esta planta era muito abundante na zona onde vivia o Mwene Maru-haa. Assi, quando os portugueses chegaram a esse local e procuraram saber o nome do lugar onde vivia o Régulo Maru-haa, as pessoas macuas que não entendiam a pergunta em português, disseram: «é ali onde tem Ethukulu». Então, os portugueses entenderam que o nome da terra do Régulo Maru-haa era Ethukulu (Itoculo).

8.       As origens do nome Nakhuka e instalação dos portugueses em Nakhuka:
Ao longo do rio Sanhote existiam muitas cobras grandes, que em macua se chamam ikhuka (jiboias). Depois da derrota do Mwene Maru-haa, ficou ainda o Mwene Mukuthumunu de Namarral (Mossuril) que também acabou morrendo traído pelos próprios nativos numa das batalhas de Namarral, zona de Mossuril. Tudo isto aconteceu quando o quartel militar português mudou de Muruthu, regulado de Thamela, para Nakhuka-rio, precisamente onde tinha sido feita a cadeia subterrânea destinada aos continuadores da resistência de Maru-haa e de Mukuthumunu. Esta mudança dos portugueses para a zona de Nakhuka facilitou a derrota do Mwene Mukuthumunu.

9.       A alimentação da época:
Nesta zona de Itoculo os alimentos consumidos eram aqueles que se produziam nas machambas: mapira, mexoeira, arroz, marrupi, sal. Também havia alimentos que se conseguiam através da caça de animais. Havia ainda produção e consumo de mel selvagem, a apanha de tubérculos de plantas tais como a trepadeira, murapa, muzage, namathekuma e raízes de embondeiro (mulapa). Nos anos de mais carência alimentar podia-se comer até as raízes de bananeira, de namilepe. Só mais tarde é que apareceu a mandioca, o milho e o amendoim.

5 de abril de 2013

breve história de ITOCULO
(PARTE I) 
Bento Veligi

A história de Itoculo está intimamente relacionada com o Régulo Maru-haa e o seu grande regulado. Tratava-se de um Régulo que parece ter vindo da região de Montepuez, Província de Cabo Delgado, o qual tinha o hábito de perfurar o lábio superior inserindo um pírcingue de pau-preto. Uma das interpretações do seu nome é «orelhas grandes», pois as pessoas logo que o viam diziam: «olha que orelhas grandes», isto é «Maru-haa» em língua macua.
  

1.       História Itoculo antes da dominação portuguesa até ao século XIX
 Antes da chegada e da dominação portuguesa não havia grande diferença entre os Mamwene, pois cada um era Mwene na sua própria família. Porém, alguns Mwenes começaram a desenvolver-se mais do que outros, e essa diferença acontecia porque uns conseguiam produzir mais. À medida que aumentavam o poderio, logo começavam a comprar e negociar escravos. Quantos mais escravos tinham, mais comida precisavam, e vice-versa. Com a produção e venda de bens agrícolas, compravam também instrumentos de guerra, pois cada regulado tinha um grupo de pessoas para se defender. Assim o Mwene Maru-haa, conseguia grande produção e tinha um grande número de escravos, e por isso passou a dominar os povos dos regulados vizinhos, aumentando as suas terras que delimitavam com outros Mamwene.

2.       As terras e suas fronteiras:
As terras do regulado de Maru-haa até à colonização portuguesa estavam assim delimitadas: ao lado Este confronta com Namanca de Nacala-a-Velha e com as matas do regulado de Mukuthumunu de Namarral-Mossuril; ao lado Oeste delimitava com o rio Naculwé de Netia; ao lado Sul com o rio Monapo e com o Mwene Mpera; ao lado Norte com o rio Nnukure de Terene que limita com Nacaroa. Portanto, os atuais regulados de Congo, Catheya, Mweri, Monetaca, Mpwata eram parte integrante do regulado Maru-haa. Ou seja, este grande regulado foi dividido em pequenos Régulos, uns deles foram eram familiares do grande Régulo Maru-haa que preferiu entregar as suas terras a alguns familiares para que estes o defendessem dos portugueses, outros por imposição própria como veremos adiante.



3.       A ocupação colonial portuguesa:
Quando chegaram os portugueses e tentaram ocupar toda esta zona, apanharam uma grande resistência por parte do Mwene Marru-haa. Esta resistência começou logo com Mwene Mukuthumunu, que de imediato pediu ao Régulo Maru-haa para ajudar militarmente no combate ao invasor. O Régulo Maru-haa com a sua sede no bairro de Reno organizou-se com a sua guarda e foi juntar-se aos guerrilheiros do Mukuthumunu. Porém, quando o Régulo Maru-haa se apercebeu de que os portugueses já tinham atingido a sua zona, saiu de Namaral e veio combater o invasor na sua própria terra.

Vindos de outras zonas onde tinham sido vencidos (derrotados), os portugueses traziam consigo alguns nativos africanos como seus informadores e apoiantes. É o caso de Mucapera Catheya, Mpwata, Cavalocale e alguns lantins (nome dado ao pessoal do sul de Moçambique).

Na verdade, os portugueses vendo que não era fácil vencer o Mwene Maru-haa, começaram a utilizar as pessoas locais para o apanhar. E foi assim que conseguiram apanhar o Régulo Maru-haa na zona que hoje se conhece por Itoculo. Uma vez derrotado o Régulo Maru-haa, o seu território foi dividido e foram atribuídos partes do seu regulado ao Mwene Mpwata, Cattheya e Cavalocale de Netia. Estes foram os que mais se distinguiram e facilitaram na derrota do Mwene Maru-haa, estando do lado das tropas portuguesas. Podemos dizer que o regulado de Mpwata nasceu de uma traição ao Régulo Maru-haa, e que hoje é o Régulo da Sede de Itoculo. Este regulado confronta a Norte com o Régulo Namicopwe no rio Namalima; a Oeste com o Régulo Maru-haa (Ilha Filipi); a Sul com a Rainha do Congo e o rio Sanhote; a Sudeste com o Régulo Murripa (Mweravale); e a Este com o Régulo Catheya.



Quanto ao Régulo Maru-ha não se sabe ao certo qual foi o seu final. Apenas se sabe que ele foi levado pelos portugueses para a Ilha de Moçambique, e daí nunca ninguém mais soube dele. Entretanto, o seu grande poder e magia continuam vivos nas pessoas do seu regulado. Uma caixa que ele usava para conseguir obter forças especiais continua a existir, sem que ninguém se atreve a abrir, lá na casa onde ele morava (na atual zona de Reno).

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...