27 de fevereiro de 2012

havemos de ir…

Raul Viana
Itoculo

Havemos de ir… hei-de fazer… hão-de chegar… hás-de conseguir…

Estas e outras construções verbais parecidas são muito comuns neste meio sociocultural do norte moçambicano. É o uso frequente da conjugação perifrástica caracterizada por uma acão continuada ou a realizar num futuro próximo.

À primeira vista não há nada de especial nesta forma de falar gramaticalmente correcta. Porém, como acontece com toda a língua viva, ela está em estreita sintonia com o estilo de vida dos seus palradores. Ora isto nos permite descortinar um pouco do «porquê» deste uso frequente, e até mesmo excessivo, da perifrástica.

Situados neste contexto macua do interior, facilmente constatamos a precariedade existencial deste povo marcada pela escassez de meios de transporte, sem condições sanitárias suficientes, instalado no interior da savana e muitas vezes isolado, limitado aos interesses de uns quantos comerciantes que os exploram... Enfim, vivendo muitas vezes ao ritmo da natureza. Tudo isto faz com que nada seja feito com exatidão precisa no espaço nem haja qualquer previsão rigorosa no tempo, pois não há garantias de que se consiga alcançar a acção determinada por razões internas e externas à própria pessoa.

Uma doença, uma infelicidade, uma indisposição… são razões suficientes para faltar a uma reunião atempadamente marcada. A fraca alimentação, desnutrição, o próprio clima, as grandes distâncias a percorrer a pé ou de bicicleta, justificam estas ausências. Não ignoramos também que muitas vezes é apenas falta de motivação, elemento causador e resultante desta situação.
Mas tudo isto justifica muito bem a construção perifrástica onde está presente essa boa intenção inicial, mas sem garantias de se efectuar no imediato, pois é grande o conjunto de realidades que impedem essa concretização. Assim, evita-se a mentira e assume-se o descompromisso. Deste modo vai-se vivendo…

Por um lado, esta é uma opção saudável de viver sem stress nem pressionada pelo tempo. Por outro, é prova imediata de um desenvolvimento que avança num ritmo lento.

9 de fevereiro de 2012

coisas significantes
Joana Cruz
Itoculo
Coisas insignificantes foi um dos últimos textos que li no blog ainda antes de preparar a mala rumo ao local onde essas mesmas coisas aconteciam… E hoje de forma abusiva, uso-o com alterações e escrevo… coisas significantes e com um significado que por si só já significa tanto…
Querer passar para uma folha o significado de cada momento é algo que não sou capaz de fazer… por isso, e sem grandes presunções, escrevo sobre coisas simples que me marcam…

E então surge o primeiro de todos os problemas, seleccionar apenas uma ou outra coisa… num sítio onde cada dia há uma descoberta, há um reaprender a estar… poderia escrever sobre a vida simples que me é apresentada… aqui os sorrisos e olhares das crianças são, para mim, das mais belas formas de comunicar… Alguns não entendem português e eu nada sei de macua e então falamos com sorrisos, com expressões corporais… um ar mais sério, agora mais risonho… E vejo alguns deles, os mais reguilas, a imitar alguns ‘tiques’ que tenho, e delicio-me… Poderia escrever sobre as adolescentes já com filhos ou sobre a escola, onde aprendo a ensinar… mas escolhi partilhar a minha primeira plantação nesta terra em que a chuva faz germinar de forma rápida o que é lançado à terra…
A menos de 24h de ter chegado a Itoculo o sr Bernardo, jardineiro, desafiou-nos a plantar qualquer coisa, segundo ele, caso a plantação germinasse iam associar a nós aquela planta… e lá fomos até a machamba, com uma enxada com um cabo pequeno, pronta a aprender a plantar a árvore que dará mangas (um dos frutos com que me delicio)… Nesse dia não apenas aprendi a plantar mangueiras, mas aprendi o valor da missão… O que eu plantava era resultado dos viveiros da Ernestina… E então pude mais uma vez comprovar que em nenhum momento caminhamos sozinhos, todos os que cá passam deixam / plantam viveiros, para outros transplantar e de futuro outros colherem… Esta machamba é minha e de todos e que arriscam pegar na enxada de cabo curto, fácil de transportar e de forma fácil ir plantando ou transplantando!

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...