Maputo, Beira, Nampula, Nacala…eis as terras por onde
passei nesta visita guiada à Missão Espiritana por terras der Moçambique.
Para os Espiritanos, tudo começou em 1996, quando seis Padres
foram nomeados por Roma. Três chegaram a Inhazónia, no Chimoio, quase na
fronteira com o Zimbabwé. Outros tantos foram para Netia, no interior pobre e
abandonado da Diocese de Nacala. A guerra, terminada oficialmente em 1992,
ainda ‘mandava’ naquelas paragens, por onde passou com muita violência. O
abandono religioso, a que a revolução da independência votou os moçambicanos do
interior, fez destas Missões espaços de primeira evangelização, ou quase!
Moçambique a mudar
Há
empreendimentos agrícolas em curso que podem desenvolver o país, é certo, mas
que tiram aos pobres agricultores os seus cantinhos de terra. O agronegócio
está a ser muito contestado pela Igreja, por causa dos danos colaterais que vitimam
as pessoas mais frágeis. A doença do Panamá deu cabo da produção de bananas. As
chuvas intensas do início do ano destruíram casas, caminhos e culturas,
sobretudo no norte e centro.
A
liberdade, nas suas várias expressões, deixa ainda muito a desejar. Não se pode
aceitar o assassínio do edil de Nampula nem o rapto e tortura do jornalista
Ericino Salema (em Maputo), de que as autoridades judiciais não descobrem os
autores. Há muitos postos de recenseamento eleitoral, mas desconfia-se sempre dos
resultados das eleições. O mundo da política está envolto em suspeitas graves
por causa das ‘dívidas ocultas’ do governo que ninguém quer assumir nem pagar,
embora os credores internacionais ameacem.
Nas periferias da
Beira
Os
Espiritanos inauguraram, há dois anos, uma comunidade nas periferias da Beira
que é hoje um pequeno Seminário. Tem seis jovens, apoiados por dois padres
(Nicholas - zambiano e Mango - nigeriano) que se encarregam da nova paróquia da
Natividade, situada nas periferias pobres e alagadas da cidade. Ali vivi o
domingo de Ramos, com uma procissão feita a partir do início geográfico da
paróquia, com caminho aberto pelo carro da polícia. Depois, já na nova
estrutura que é a Igreja, houve bênção e Missa de Ramos, com a participação de uma
multidão de povo, sobretudo crianças e jovens. Nesta mesma Igreja, ali celebrei
a Missa de Quinta-Feira Santa, com o lava-pés. Com as chuvas violentas desta
época, todos os caminhos e quintais se transformam num charco intransitável e
gerador de doenças, dada a proliferação de mosquitos nestas águas sujas e
paradas.
A
Igreja na Beira continua a celebrar a memória viva do seu primeiro Bispo, D.
Sebastião Soares de Resende.
Em Inhazónia e
Chimoio
São
longas as distâncias que se percorrem em Moçambique. Com o P. John Kingston,
percorremos os 200 kms que separam a Beira do Chimoio, para juntar mais 160 até
à Missão de Inhazónia, num interior pobre e abandonado, por onde a guerra civil
passou e fez muitos estragos. Ali chegamos no meio de uma tempestade tropical
que levou a energia, toda ela vinda da barragem de Cahora Bassa. Na área da
Missão, os Padres John (irlandês) e Joseph (nigeriano) são apoiados pelas Irmãs
do Coração de Maria e Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus. Assistem 30 e
tal Comunidades, estando a mais distante a 210 kms, por caminhos de terra
batida!
De
regresso ao Chimoio, a Terça-feira Santa foi de reflexão para todos os padres,
Missa Crismal com o jovem Bispo, D. João Carlos, e jantar com o clero.
Presença em Nampula
Nampula
cresce para todos os lados, como acontece a boa parte das cidades africanas.
Numa das periferias, os Espiritanos tomam conta de uma paróquia com quatro
grandes comunidades: S. João de Deus, S. Rafael, S. Simão e Cristo Rei. Foram
fundadas pelos Irmãos de S. João de Deus, idos de Portugal, que ainda lá estão
a viver e a trabalhar. Ali vivi uma longa Via-Sacra pelas ruas de S. Rafael, em
Sexta-Feira Santa, seguida da celebração da Paixão e Morte de Cristo. Foram
muitas horas de Fé intensa e transpiração em bica, tal o calor abafado que se
sentia neste ambiente aquecido pela concentração de largas centenas de pessoas.
Pude visitar, mais tarde, a Escola de S. Rafael e a Creche de S. Simão, espaços
pequenos e sem condições para acolher tantas crianças com fome e sede de aprender.
A Comunidade Espiritana é muito internacional, com os padres Alberto
(angolano), Desmond (irlandês) e Makimba (congolês).
S. José de Itoculo
A
Missão Espiritana tem expressões muito plurais porque tem três Padres (Raul –
português, Edmilson – caboverdiano, Vincent – ganês), quatro Irmãs (Ir. Eduarda
e Ir. Adelaide – caboverdianas, Ir. Paula- angolana e Ir. Tatiana -centro-africana),
o jovem estagiário Gilberto e a Voluntária JSF Cristina. Apoiam 79 Comunidades
que se estendem por uma longa geografia de terra batida que, nesta época das
chuvas, tornam as visitas muito complicadas. As Irmãs dirigem um Lar de 50
meninas que, residindo na vila podem ir à Escola e têm também uma Creche e um
Centro Nutricional. Os Padres dirigem o Centro Pastoral (de formação dos
leigos), o Lar de Rapazes e a Biblioteca. Percorrem toda esta área para
celebrações e acompanhamento pastoral das Comunidades.
Tive
a alegria de viver uma longa e festiva Vigília Pascal, presidida pelo P.
Edmilson na Igreja da Missão. Na manhã de Páscoa, fizemos quase duas horas de
picada para chegar até Cristo-Rei de Djipwi, onde se celebrou, com muita festa,
a Páscoa, presidida pelo P. Raul. Em todas as celebrações pascais houve
baptizados e casamentos. Nas paróquias Espiritanas de Nampula e Nacala houve,
nesta Páscoa, mais de mil Batismos de catecúmenos! Como sempre acontece em
contexto macua, quer no fim da Vigília quer no fim da Missa de Páscoa, houve a
tradicional refeição de ‘Xima com frango’, o prato festivo que junta farinha de
milho cozida com frango de campo, uma prova forte para dentes que não sejam
fracos como os meus!
Na
viagem entre Nampula e Nacala (Itoculo) impus paragens obrigatórias nas Missões
Combonianas de Carapira e Anchilo para encontrar a Irmã Clarinda e o Irmão
Neto. Este trabalha no grande Centro Catequético que publica a revista ‘Vida
Nova’. Em Maputo, fui acolhido e mimado pelos Combonianos, os Padres
Constantino, Paulo e Albuquerque. Em Nampula, reuni com o P. Benvindo, diretor
da Rádio Encontro.
Que Missão agora?
20
anos depois, o panorama está muito mudado. Os Espiritanos mantêm-se em
Inhazónia e mudaram de Netia para Itoculo. Foram abertas comunidades em Nampula
e na Beira. Sempre com os mais pobres, nas periferias. Tive a oportunidade de
visitar as quatro comunidades, encontrar os Espiritanos e Espiritanas que, por
terras de Moçambique, partilham o dia-a-dia sofrido dos povos com quem vivem.
Celebrei o domingo de Ramos e a Páscoa. Regressei de coração cheio, convencido
de que ali se escrevem grandes páginas de Evangelho no meio de enormes
dificuldades, mas muitas alegrias. O futuro dos Espiritanos em Moçambique está
a gritar por mais presença, mais investimento, mais Missão.
Tony Neves