“a música não se privatiza…”
Todos os domingos, depois de termos celebrado e almoçado nas comunidades, à tardinha, juntamente com a comunidade das irmãs, temos na missão uma hora de adoração ao Santíssimo. Mais do que um preceito, esta hora representa para nós um momento de verdadeiro repouso, revitalizante, no fim de um longo dia de trabalho fora de casa.
Em Itoculo, com a chegada da energia eléctrica (em 2007), começaram a proliferar, um pouco por todas as esquinas, palhotas tipo clube de vídeo e discoteca. A partir de uma certa hora, a malta jovem, e não só, vai toda assistir a algum filme de kung-fu chinês ou de Rambo americano. Filmes com argumentos daqueles em que os diálogos só atrapalham. O máximo que se produz são monossílabos, ou grunhidos, sem necessidade de legendas. Em cada uma destas barracas se tenta vender o peixe o melhor que se pode. A técnica para atrair a clientela é a mesma de sempre. Tentar dar nas vistas, ou melhor, nos ouvidos, falar mais alto que o concorrente. Por isso cada “videoclube” está munido do seu altifalante de alta potência decibélica para se fazer notar, infernizando toda a povoação e arredores. Pelo som não se paga nada, só pela imagem – um metical cada sessão (equivalente a 2 cêntimos de Euro). Num dos seus brilhantes romances, Mia Couto coloca esta sábia sentença na boca de um dos personagens: “a música em África não é para ser privatizada”! hum, hum…
E agora metamos os dois parágrafos anteriores no mesmo saco. É que uma dessas salas de “cinema” encontra-se exactamente em frente da capela onde fazemos a nossa adoração! É uma situação no mínimo insuportável. Ao longo de várias semanas foram-me vindo à cabeça algumas estratégias para pôr cobro a isto. Algumas delas partilhei com o resto da equipa missionária. Outras não.
PLANO A: montar uma aparelhagem e um projector de vídeo no centro paroquial e passar filmes de borla para arrasar de vez com o adversário.
PLANO B: Comprar o espaço à frente da capela e fazer assim com que o espectáculo vá, pelo menos, um pouco mais para longe.
PLANO C: Ir ter com o homem do altifalante e lançar-lhe uma praga de racha pessegueiro (ou cajueiro, para ser mais inculturado). Talvez pudesse combinar com os homens da EDM (Eletricidade de Moçambique) para provocarem um black out um pouco depois do meu oráculo ameaçador.
PLANO D: Escavar um túnel de nossa casa até ao terreno do inimigo e depositar por lá uns explosivos…
Alguns destes planos têm inconvenientes, reconheço. E o pior é que foram detalhadamente engendrados, ponderados, reelaborados... precisamente durante o tempo de adoração ao Santíssimo Sacramento. É um pouco decepcionante, e humilhante até, deparar-se com esta colecção de ideias ao cabo de uma devota hora de meditação. Mesmo assim, graças a Deus. Este conjunto de PLANOS, de A a Z, é o símbolo da minha fragilidade. Símbolo da incapacidade de me abster do ruído exterior para mergulhar no amor silencioso de Deus. Símbolo da minha incapacidade de perdoar, de relativizar, de serenar, não dando azo à irritação. – E é esta a minha oração, Senhor. Por uma fracção de segundos, esta simples constatação se transformou em oração, me ocupou por inteiro a alma, sem que o rapper ou o pop beat do vizinho me perturbassem mais. Por este momento apenas, esta hora de adoração já valeu a pena.
Graças e louvores se dêem em todo o momento.
Em Itoculo, com a chegada da energia eléctrica (em 2007), começaram a proliferar, um pouco por todas as esquinas, palhotas tipo clube de vídeo e discoteca. A partir de uma certa hora, a malta jovem, e não só, vai toda assistir a algum filme de kung-fu chinês ou de Rambo americano. Filmes com argumentos daqueles em que os diálogos só atrapalham. O máximo que se produz são monossílabos, ou grunhidos, sem necessidade de legendas. Em cada uma destas barracas se tenta vender o peixe o melhor que se pode. A técnica para atrair a clientela é a mesma de sempre. Tentar dar nas vistas, ou melhor, nos ouvidos, falar mais alto que o concorrente. Por isso cada “videoclube” está munido do seu altifalante de alta potência decibélica para se fazer notar, infernizando toda a povoação e arredores. Pelo som não se paga nada, só pela imagem – um metical cada sessão (equivalente a 2 cêntimos de Euro). Num dos seus brilhantes romances, Mia Couto coloca esta sábia sentença na boca de um dos personagens: “a música em África não é para ser privatizada”! hum, hum…
E agora metamos os dois parágrafos anteriores no mesmo saco. É que uma dessas salas de “cinema” encontra-se exactamente em frente da capela onde fazemos a nossa adoração! É uma situação no mínimo insuportável. Ao longo de várias semanas foram-me vindo à cabeça algumas estratégias para pôr cobro a isto. Algumas delas partilhei com o resto da equipa missionária. Outras não.
PLANO A: montar uma aparelhagem e um projector de vídeo no centro paroquial e passar filmes de borla para arrasar de vez com o adversário.
PLANO B: Comprar o espaço à frente da capela e fazer assim com que o espectáculo vá, pelo menos, um pouco mais para longe.
PLANO C: Ir ter com o homem do altifalante e lançar-lhe uma praga de racha pessegueiro (ou cajueiro, para ser mais inculturado). Talvez pudesse combinar com os homens da EDM (Eletricidade de Moçambique) para provocarem um black out um pouco depois do meu oráculo ameaçador.
PLANO D: Escavar um túnel de nossa casa até ao terreno do inimigo e depositar por lá uns explosivos…
Alguns destes planos têm inconvenientes, reconheço. E o pior é que foram detalhadamente engendrados, ponderados, reelaborados... precisamente durante o tempo de adoração ao Santíssimo Sacramento. É um pouco decepcionante, e humilhante até, deparar-se com esta colecção de ideias ao cabo de uma devota hora de meditação. Mesmo assim, graças a Deus. Este conjunto de PLANOS, de A a Z, é o símbolo da minha fragilidade. Símbolo da incapacidade de me abster do ruído exterior para mergulhar no amor silencioso de Deus. Símbolo da minha incapacidade de perdoar, de relativizar, de serenar, não dando azo à irritação. – E é esta a minha oração, Senhor. Por uma fracção de segundos, esta simples constatação se transformou em oração, me ocupou por inteiro a alma, sem que o rapper ou o pop beat do vizinho me perturbassem mais. Por este momento apenas, esta hora de adoração já valeu a pena.
Graças e louvores se dêem em todo o momento.