26 de abril de 2017

OS BATUQUES

Uma festa sem batuque, não é festa. E quando toca o batuque não há espaço nem tempo que limite a sua acção. Também ninguém é espectador, todos são intervenientes, todos entram no ritmo. Mas quem mexe mais são os jovens, e com um ritmo infatigável.


Eu não sou tocador, nem estou a aprender. Isso nasce com a pessoa, está no sangue, é uma arte. Não se pense que qualquer pessoa o pode fazer. Há quem toca e quem sabe tocar. Assim é o constante mexer dos batuqueiros em qualquer festa. Normalmente são três batuques que vão juntos num ritmo acertado. Podem ser mais, mas estes são o mínimo indispensável para uma verdadeira festa. Dizem os entendidos que é preciso o nlapa nulupale (batuque grande), nkitthiya (batuque médio) e o tthotthontto (batuque pequeno).

Na liturgia da comunidade cristã também não faltam os batuques. Mais ainda neste tempo de alegria pascal. Como se trata de um acto de culto, tudo é mais comedido, acompanhado pelas palmas em compasso binário. Nas grandes celebrações à sombra dos cajueiros, com a natureza verdejante envolvente, o batuque parece esse órgão de tubos de uma catedral da antiga tradição cristã. O grupo coral e as dançarinas completam o quadro desta animação.

Mas há momentos em que o batuque deve descansar. Quando isso não se acontece surge milando (problema). Foi assim mesmo durante a Quaresma com uma família que decidiu celebrar os ritos de iniciação tradicional de uma donzela. Os cristãos, vizinhos e familiares, aqueles menos esclarecidos, também não faltaram à festa. De imediato muitos irmãos reagiram contra o sucedido. Pois, a festa, além do batuque e da dança, traz associada a bebida e outras coisas impróprias de um tempo de recolhimento e conversão. Tratava-se de uma provocação e de um desmazelo pontual, que para alguns foi escândalo, e precisava ser recomposto. Foi o que fizemos ao convidar os irmãos descuidados a peregrinar até à igreja paroquial.


Nas grandes cerimónias nunca falta o batuque e o que ele provoca. Para entender melhor o que ele significa na cultura e na tradição local, deixo aqui as palavras expressivas de Jorge Ferreira.

BATUQUE
      Dançar
      pular
      cantar
      gritar
batuque não é só isto:
batuque é ritmo
      que mergulha no sangue
é onde
      que envolve a multidão
é magia
      que nasce com o negro
batuque nos pés
      nas mãos
      na cabeça
batuque é vida sentida
      é dor expressada
em passos alegres e complicados
batuque
rasgando a noite
      é grito d’alegria
contra espíritos maus
vitória do corpo
sobre o mau olhado.

Jorge Ferreira, «Saudade Macua» - 1971


1 comentário:

Anónimo disse...

três batuques: O grande, o médio e o pequeno. todos dão o seu contributo precioso à festa. toda uma parábola :)

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