Pedro Fernandes
Itoculo
Os últimos tempos têm sido difíceis para o nosso povo, aqui por Itoculo. O fim da estação seca é sempre complicado para as pessoas da nossa paróquia: a água falta, a comida, produzida sempre à tangente, começa a escassear, a tensão social vai aumentando com o crescente sentimento de insegurança e medo. Mas é sobretudo a má qualidade da água que constitui o problema mais grave. Este ano, tivemos mais uma epidemia de cólera e diarreias agudas, com a consequente morte de muita gente, às vezes famílias inteiras. Dói a alma ver crianças morrer em poucas horas e nós sem grande coisa para fazer senão levá-las ao posto sanitário mais próximo, às vezes a várias dezenas de quilómetros; é triste ver um pai caminhar longas distâncias, com um filho nos braços para o levar ao hospital, e chegar ao destino com a criança já morta e ele próprio a ter os primeiros sinais da doença... Este problema não é novo e desde há muito que tentamos, juntamente com o povo, procurar soluções. Tem a ver com a falta de poços de água potável, mas tem a ver sobretudo com hábitos de higiene ainda não adquiridos, com comportamentos de raiz cultural que muito dificilmente se conseguem mudar.
Quando rebentam crises como a deste ano, as pessoas ficam em pânico e a tendência geral é pensar que existem feiticeiros e “envenenadores da água” mancomunados para matar o povo. Não faltam aí as teorias mais rocambolescas, todas nascidas de rebuscados sistemas de superstição popular, para explicar tantas desgraças. É aí que as aldeias se organizam em brigadas populares de verdadeira caça à bruxas e não faltam os acusados de feitiçaria e intenção genocida, que são sumariamente julgados, condenados, executados, por vezes da maneira mais brutal, por turbas excitadas, irracionais, mas sobretudo por gente cheia de medo, perplexa com a morte, desesperada por se sentir a fazer alguma coisa que ajude a parar a epidemia. É a tensão social instalada e somos nós, equipa missionária, a tentar dialogar com o povo, tentando fazer perceber as verdadeiras causas e tentando convidar à mudança de atitudes. Não é nada fácil, até porque a esmagadora maioria das pessoas não é cristã…
Entretanto, as chuvas, graças a Deus, já começaram. Desde princípios de Dezembro que temos tido chuva quase todos os dias, e é bonito ver como em poucos dias a secura desoladora dos meses de estiagem cede lugar a um verde luxuriante, de uma vegetação a explodir fortemente por todo o lado, agradecendo as chuvadas torrenciais e o sol generoso e abrasador. Com as chuvas, num primeiro momento, podem até aumentar os casos de cólera, mas aumentando a água, os sinais da doença começam a diminuir. É nessa etapa que estamos agora, felizmente: os casos mortais são cada vez menos e acreditamos que até ao fim deste mês o problema terá passado.
A Irmã enfermeira, que trabalha na nossa missão, começa a poder dormir normalmente, depois de semanas que não conheceram nem dia nem noite, de trabalho intenso em que os turnos e os horários deixaram de fazer sentido, para atender a avalanche de doentes que não paravam de chegar. É consolador ver que a nossa irmã enfermeira deixou a vida sonâmbula, para regressar ao seu estado normal…
É neste ambiente que nos preparamos para viver o Natal. Aqui, ao contrário do que acontece no ocidente e mesmo noutras zonas de Moçambique, não há grandes sinais de quadra natalícia: nem luzinhas, nem árvores enfeitadas, nem canções festivas, nem presépios… Amanhã iremos celebrar a noite de Natal com três comunidades cheias de gente simples, que percebe pouco de pais-natal ou prendinhas, mas que sabe o que significa o nascimento de Jesus e faz uma longa vigília, toda a noite, festejando, cantando e rezando o Natal. No grande silêncio da noite moçambicana, teremos as nossas capelas de terra e capim apinhadas de gente, na maioria jovens, reunidos à luz de candeias pequeninas, alimentadas a petróleo, que com dificuldade nos permitirão ler o missal e enxergar a água com que baptizaremos algumas dezenas de crianças. Será noite de baptismo de bebés, celebrando a esperança e a alegria de uma vida que, apesar de todas as dores, teima em crescer e se afirmar. É a nossa Igreja de Itoculo, ainda a nascer, mas já cheia de sinais de pujança e vitalidade…
É neste ambiente que nos preparamos para viver o Natal. Aqui, ao contrário do que acontece no ocidente e mesmo noutras zonas de Moçambique, não há grandes sinais de quadra natalícia: nem luzinhas, nem árvores enfeitadas, nem canções festivas, nem presépios… Amanhã iremos celebrar a noite de Natal com três comunidades cheias de gente simples, que percebe pouco de pais-natal ou prendinhas, mas que sabe o que significa o nascimento de Jesus e faz uma longa vigília, toda a noite, festejando, cantando e rezando o Natal. No grande silêncio da noite moçambicana, teremos as nossas capelas de terra e capim apinhadas de gente, na maioria jovens, reunidos à luz de candeias pequeninas, alimentadas a petróleo, que com dificuldade nos permitirão ler o missal e enxergar a água com que baptizaremos algumas dezenas de crianças. Será noite de baptismo de bebés, celebrando a esperança e a alegria de uma vida que, apesar de todas as dores, teima em crescer e se afirmar. É a nossa Igreja de Itoculo, ainda a nascer, mas já cheia de sinais de pujança e vitalidade…
É com estes irmãos, neste ambiente de presépio vivo, que celebrarei o Natal, rezando e dando graças pelo Deus-criança nascido para nos dar vida. Rezarei com eles, por eles e por vós. Neste Natal, rezemos uns pelos outros, lembremo-nos uns dos outros diante deste Deus tão grande que se fez tão pequeno e sintamos que, em Jesus no presépio, todos nos encontramos uns com os outros, deixa de haver distância, porque a comunhão supera todos os tempos e separações. Por isso… por vós e convosco pedirei a Jesus bebé um Natal cheio de Paz para nós todos e um ano de 2009 penetrado dessa paz e dessa luz que quer ficar acesa durante todo o ano. Recebam um grande abraço de Boas Festas, com toda a minha amizade e a promessa da minha oração.