22 de março de 2014

Apontamento histórico - Parte IV

Breve apontamento histórico da Evangelização e da Igreja de S. JOSÉ DE ITOCULO - IV
Raul Viana

5. Razões da opção por Itoculo

Porquê que os Espiritanos deixaram a Paróquia-Missão de Netia e vieram para Itoculo? De facto, como acabamos de ver, durante vários anos os Espiritanos fizeram a viagem de Netia para Djipui (Itoculo B), desde quinta-feira à noite ou sexta-feira de manhã até domingo. Havia reuniões de formação e terminavam com a celebração eucarística dominical, regressando depois a Netia. Mas à medida que o tempo avançava os Espiritanos foram-se dando conta de que Netia era uma paróquia que oferecia boas garantias não só ao nível de maturidade cristã do seu povo, mas também em termos de sustentabilidade material… Por isso, com naturalidade, chegou-se à conclusão que esta seria uma Paróquia a entregar ao clero diocesano.

Neste sentido, ainda em 1998, os espiritanos de Netia conceberam a hipótese de, num futuro a preparar, deixar Netia e assumir uma outra missão, no centro de Moçambique, que realmente necessitasse da presença missionária e que, ao mesmo tempo, permitisse aos espiritanos presentes em Moçambique concentrarem-se numa única região, uma vez que a exiguidade do número e a sua relativa fragilidade pareciam aconselhar essa concentração. Algum tempo de discernimento conduziu o Grupo num outro sentido: já que os espiritanos asseguravam, desde o princípio da sua presença no país, a cura pastoral de Itoculo B, que era uma área inteiramente necessitada de missionários e longe de poder ser entregue ao clero diocesano, faria todo o sentido que a atenção se concentrasse aí, deixando-se Netia, logo que pertinente, para o clero da diocese. Na verdade, logo à chegada os espiritanos tinham constatado que Netia, mesmo no entender do corpo missionário da diocese, seria a paróquia com melhores condições para confiar ao clero local. Entretanto, em 1996, ano da chegada dos espiritanos, o clero diocesano contava com um único sacerdote, que na altura estudava em Roma. Desde logo, portanto, os espiritanos assumiram como certo que, assim que as circunstâncias o aconselhassem, a melhor opção missionária seria deixar Netia.

Nos anos subsequentes o clero diocesano foi aumentando lentamente. Nos inícios de 2000 era já possível começar a vislumbrar um quadro de distribuição do clero local que incluísse a paróquia de Netia. E foi nesse sentido que uma primeira proposta foi apresentada a D. Germano Grachane, que a acolheu com muita abertura. Depois de muito diálogo entre os espiritanos, os combonianos e a diocese, um primeiro parecer positivo foi emitido pelo conselho presbiteral da diocese. Em 2002 um acordo formal se estabeleceu, prevendo que em dois anos os espiritanos criassem em Itoculo as condições necessárias para aí se estabelecerem. Foi ainda previsto que, antes de deixarem Netia, uma equipa de padres diocesanos seria nomeada e enviada para Netia, a fim de se assegurar um período de transição e entrega da paróquia de Netia.

Embora durante todo o tempo em que assistiram Itoculo B o seu lugar de permanência fosse Djipui, os espiritanos decidiram que deveriam estabelecer o novo centro missionário no centro de Itoculo-sede. Tal permitiria um trabalho multifacetado, também na área da saúde e da educação, e possibilitaria também um melhor acesso ao exterior da paróquia, em todas as épocas do ano (embora nesta época a estrada entre Itoculo e a N8, que liga Nampula a Nacala, ainda não estivesse reabilitada e, por isso, ficasse por longos períodos intransitável ou quase). Depois de encontrado e adquirido o terreno, fez-se a prospeção de água; vários meses mais tarde, abriu-se um furo artesiano, em Outubro de 2002. Em Março de 2003, começaram as obras de construção da residência dos espiritanos. Em 8 de Março de 2004, os espiritanos deixaram Netia e estabeleceram-se definitivamente na casa recém-construída em Itoculo.

No início desse ano, tinha-se também começado a construir a Casa dos leigos missionários, pensada para uma equipa de três missionários leigos, dos quais, se possível, ao menos dois se dedicassem à saúde e eventualmente um à educação.


6. A criação da paróquia de S. José de Itoculo

A Provisão dada por D. Germano Grachane a 22 de Fevereiro de 2004 (Nota: Provisão Registada no livro Competente sob o nº 41-22-2-04 na Diocese de Nacala)  faz saber que a quási-paróquia de Itoculo manifesta bons «sinais de crescimento das comunidades cristãs na fé adulta, operosa na caridade, na participação ativa nas obras de evangelização, na qualidade e número de fiéis, de famílias cristãs, de vocações à especial Consagração no sacerdócio e na vida religiosa». O bispo continua afirmando que é «necessário prover urgentemente ao melhor e maior proveito espiritual, moral e humano-social» desta porção da Igreja diocesana. Assim, depois de «uma longa e atenta auscultação» das autoridades eclesiásticas e civis, nos termos do Cânon 515 parágrafos 1-3, Itoculo foi ereta em Paróquia autónoma.

Assim se lê na Provisão: «De hoje em diante, o território de Itoculo fica definitivamente desmembrado da jurisdição paroquial da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Mweria, da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Netia e da Paróquia do Imaculado Coração de Maria da Carapira, e o mesmo território passa a constituir paróquia autónoma que se chama S. José de Itoculo. Os limites do território da nova Paróquia de Itoculo coincidirão com os do foro civil, a saber: ao Norte, o Distrito e a Paróquia de Nacarôa; ao Sul, o Distrito e a Paróquia do Mossuril e parte do território da Sede do Distrito e Paróquia do Monapo e Paróquia do Imaculado Coração de Maria da Carapira (do mesmo Distrito de Monapo); a Nascente, o território do Distrito de Nacala-a-Velha e Paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Mweria (no mesmo Distrito); a Poente, o território da localidade e Paróquia de Netia». Está dito ainda, «A nova Paróquia de Itoculo terá como Padroeiro S. José, o casto e esposo da Santíssima Virgem Maria, cuja festa litúrgica se celebra em toda a Igreja no dia 19 de Março, ao passo que a sua sede paroquial ficará situada na Povoação que é a atual sede do Posto Administrativo do mesmo nome, Itoculo».

No mesmo dia foi passada outra Provisão onde se faz saber a nomeação do Pároco para a recém-criada Paróquia de S. José de Itoculo, em ordem ao «crescimento espiritual e material dos fiéis e de todos os homens e mulheres de boa vontade». São então nomeados Párocos in Solidum o P. Pedro Fernandes (moderador), o P. Alberto Tchindemba, o P. Damasceno dos Reis e o P. Guilhermo Torres, todos espiritanos. Mais tarde, em Junho de 2009, com a mudança de pessoal missionário espiritano é nomeado pároco o P. Damasceno dos Reis, que continua até à data presente.


7. Vida e estruturas paroquiais e missionárias

Ereta canonicamente a Paróquia de S. José de Itoculo a 19 de Março de 2004, dia do seu Padroeiro, S. José, as denominações de Itoculo A e B deixaram de existir, passando a ser uma única paróquia com três centros regionais: S. Pedro de Djipui, Nossa Senhora do Rosário de Chihire e S. Carlos Luanga de Congo. Estas três regiões subdividem-se em 15 zonas pastorais com 77 Comunidades cristãs, mais algumas salas de oração e catequese. 

Esta nova realidade representou uma opção pastoral que resultou de um longo processo de discernimento. Os espiritanos estavam cientes de que Itoculo A e B tinham funcionado durante muito tempo como paróquias realmente autónomas. Desde que os espiritanos tinham assumido a cura pastoral em Itoculo B, um estilo diferente de animação se tinha também iniciado, o que tornava mais distante, entre as duas “paróquias” o modo de conduzir a vida pastoral. Com a reunificação, um novo desafio se colocava: caminhar para uma realidade paroquial una que, respeitando as diversidades, correspondesse a um verdadeiro sentido de pertença e identidade paroquiais. Desde cedo se promoveram encontros de diálogo e concertação entre os conselhos paroquiais de Itoculo A e os conselhos regionais de Itoculo B (Chihire e Djipwi). Um grande sentido de Igreja e uma visível boa vontade marcaram a atitude de todas as partes, desde o princípio, o que tornou possível que realidades pastorais bastantes díspares fossem, pouco a pouco, encontrando um caminho comum e construindo em conjunto um projeto paroquial em que todos se revissem. Este foi um período desafiante, cheio de aspetos sensíveis, mas de grande riqueza para o crescimento e consolidação pastoral da nova paróquia de S. José de Itoculo.

Mesmo a escolha do padroeiro pretendeu apontar para uma figura que fosse por todos identificada como comum. Assim, a figura de S. Carlos Luanga, padroeiro da quási-paróquia ereta nos anos 70, tinha-se de facto tornado o padroeiro da secção de Itoculo A; as figuras de S. Pedro e de Nossa Senhora do Rosário eram percebidos como os padroeiros de Djipui e Chihire. Para que o patrono paroquial fosse, como se pretende, fator de unidade e coesão, a escolha de um novo santo padroeiro pareceu apropriada. Sendo S. José patrono da comunidade de Itoculo-sede (Nacuca), e havendo já uma devoção especial dos espiritanos de Netia por este santo (que até era o padroeiro da comunidade espiritana), pareceu ser esta a figura que convinha à nova realidade pastoral. A nova paróquia viria a ter S. José como seu patrono, mantendo cada uma das suas regiões paroquiais com os seus padroeiros originais.

A paróquia conta com um Centro Paroquial – S. Francisco Xavier – construído entre 2006 e 2007 com capacidade para acolher 65 animadores. Trata-se de um Centro para formar e capacitar os diferentes animadores de todos os ministérios existentes na paróquia. Este Centro comporta também um espaço de culto para a comunidade local de S. José, e esse mesmo espaço serve provisoriamente de «igreja paroquial». Além deste centro paroquial, existe ainda outras construções de alvenaria e respetivo terreno legalizado:

- Djipui: uma casa pequena (onde pernoitavam os missionários vindos da Mueria, Carapira e Netia), uma capela e duas salas de formação, mais uma cozinha e dispensa; a legalização do terreno em 2012 comporta uma área de 12.942m2 (processo legal 3280/2011).

- Chihire: uma capela em alvenaria juntamente com uma casa e cozinha (onde pernoitavam os missionários vindos de Mueria e Carapira). Estes dois espaços foram recuperados em 2012, e neste mesmo ano foi construído um salão e sala anexa para os encontros de formação; a legalização do terreno em 2012 comporta uma área de 6.514m2 (processo nº 3281/2011).

- Congo: uma capela em alvenaria construída em 2001, um salão, dispensa e cozinha construídos em 2013; a legalização do terreno em 2001 comporta uma área de 3.747m2 (processo nº 281/96).

- Capela da comunidade de S. Paulo Monetaca construída em alvenaria e alguns terrenos de outras comunidades com documentos reconhecidos pelas autoridades locais.

Atualmente está em curso a construção de um Centro de Estudos (Biblioteca e sala de informática) para apoiar os estudantes da escola secundária. Igualmente faz parte deste projeto a construção de um lar para estudantes, que a seu tempo aparecerá e se apresentará como mais uma obra para apoiar a camada estudantil masculina com maior dificuldade.

Além desta estrutura material, a paróquia conta sobretudo com a sua força viva, que são os seus cristãos (Nota: Os animadores regionais gerais de DJIPUI: Mauricio Ntavi (2002-2006); Ernesto Najope (2006-2012); Calisto Assuate (2012-). CHIHIRE: Acácio José (2000-2006); Júlio Obede (2006-2012); Cornélio Chanfar (2012-). CONGO: João Antique (2004-2010); Bernardo Adelino (2010-2011); António Salimo (2011-2014).) Neste sentido o quadro estatístico pode ajudar a compreender o ritmo atual da vivência e participação sacramental. Trata-se de um quadro que considera os bebés que foram batizados, bem como muitos catecúmenos jovens e adultos. Alguns destes últimos receberam também o Sacramento do Matrimónio. Tudo isto se pode ver melhor no quadro que apresenta estes números gerais desde a criação da Paróquia (19/03/2004) até ao fim de janeiro de 2014.

Relativamente ao Sacramento do Crisma, durante estes 10 anos, por duas vezes o Sr. Bispo D. Germano Grachane visitou a paróquia para ministrar este Sacramento (2005 com 175 crismandos e 2012 com 96 crismandos). Em 2004 o Crisma foi ministrado pelos PP. Pedro Fernandes e Damasceno dos Reis mandatados pelo Bispo. Em 2008 veio o Vigário Geral da Diocese, P. Firmino Cusini, mandatado pelo mesmo Bispo D. Germano. E em 2009 e 2011 o Crisma foi ministrado na unidade dos três Sacramentos da Iniciação Cristã durante o Tempo Pascal, com 68 e 130 crismandos respetivamente. Ou seja, um total de 1.219 jovens e adultos que foram crismados de 2004 a 2012.

8.       A Consolidação da Paróquia-Missão

Após a criação da Paróquia, em 2005, chegaram as Irmãs Missionárias do Espírito Santo (Nota: As Irmãs que chegaram a Itoculo em 2005 foram: Ir. Alice Areias (portuguesa: 2005-2009), Ir. Carmo Barros (portuguesa: 2005-2006). Depois vieram a Ir. Felicité (centro-africana: 2006-2008); Ir. Adelaide Teixeira (cabo-verdiana: 2006-); Ir. Joyce Abi (nigeriana: 2006-2012); Ir. Augusta Vilas Boas (portuguesa: 2006-). Mais tarde chegou a Ir. Rosenir Soares (brasileira: 2009-2012), e a Ir. Luísa Barros (cabo-verdiana: 2012-) que, juntamente com os Missionários do Espírito Santo, formam a Equipa Missionária com a tarefa de animar toda a paróquia nos seus diferentes ministérios. Também parte integrante desta animação missionária são os voluntários que chegam a Itoculo e dão o seu contributo profissional nas diferentes áreas profissionais. Do mesmo modo, foi muito significativo a presença e participação dos estagiários espiritanos que passaram por Itoculo como já referimos atrás.

Na parte referente às Irmãs é de salientar o trabalho de promoção feminina que se foi desenvolvendo, quer pela formação geral das mulheres, quer pela costura e pelo Lar de acolhimento a jovens estudantes que iniciou em 2010. Paralelamente, é muito significativo o Centro Nutricional para crianças desnutridas inaugurado em 2009. Em 2013 iniciou-se um trabalho mais coordenado de apoio à infância com a criação do centro pré-escolar «Baquita». Tudo isto além de muitas outras iniciativas de caráter geral em vista do desenvolvimento integral da pessoa, especialmente da mulher macua.

Uma das condições para ser criada uma paróquia é a existência de sinais claros ao nível das vocações de especial consagração ao Sacerdócio e Vida Religiosa. Assim, quatro anos após a sua criação, a Paróquia de Itoculo celebrou efusivamente a Ordenação Presbiteral de um dos seus membros, o jovem Bartolomeu Cipriano, da comunidade cristã de S. Marcos-Carracane, foi Ordenado Sacerdote a 27 de Abril de 2008 em Itoculo-Sede. Em 2012 iniciou o minicentro vocacional de Itoculo com a implantação da Escola Secundária em Itoculo sede. Assim em 2014 a Paróquia conta com vários jovens vocacionados e outros jovens em formação nos seminários e casas de formação: 3 no Seminário diocesano de Nacuxa (Rapson Tarcisio, Bonifácio André e Felisberto Mário); 3 nos Verbitas em Maputo (Albertino Raimundo, Adelito Adriano e Abusai Adriano); 1 na Consolata em Maputo (Juma Mário); 2 nos Salvatorianos em Maputo (Eunido Silvério e Ramos Francisco); 1 nos Franciscanos no Chimoio (Vihene Munathapa); 1 nos Francelianos em Maputo (João Batista); 1 nos Espiritanos (Magalhães Altino) ; e 2 jovens raparigas nas Irmãs Espiritanas em Itoculo (Argentina Alfredo e Felismina Bento).


CONCLUSÃO

Esta é uma simples e familiar apresentação da história da Igreja e da evangelização de Itoculo, onde muito ficou por escrever. Primeiramente porque se trata de uma história recente ainda carente de uma reflexão, e depois porque queremos que seja exposto, num ponto seguinte, através de testemunhos escritos por cada uma das comunidades cristãs que compõem a Paróquia.

Independentemente de tudo isso, verifica-se uma trajetória evolutiva com um ritmo de vida e compromisso cristãos a crescer de dia para dia. Este é também o dinamismo da atividade missionária e evangelizadora da Igreja. Não obstante, estão a crescer também muitas comunidades protestantes, algumas delas sem grande referência e compromisso cristão. A par desta realidade, está a comunidade muçulmana que é significativa e que juntamente com uma minoria da religião tradicional requerem da parte da Igreja católica um espaço de abertura e diálogo religioso.

Pelo que fica exposto constata-se que a Paróquia foi criada canonicamente seguindo todos os trâmites necessários para tal. Porém, é interessante verificar que na data da sua criação não existia uma estrutura física que tornasse visível a sede paroquial. Além do documento escrito da criação da mesma, só a residência dos missionários dá esta marca local. Por sua vez isto é revelador do tipo de Igreja ministerial presente na Diocese e na Igreja em Moçambique, uma Igreja espalhada por pequenas e diversas comunidades. Porém, mais tarde, com a construção do Centro Paroquial, que incluía um espaço para uma ampla capela, adotou-se a mesma como «igreja paroquial» para eventos gerais da paróquia. Contudo, agora que passaram 10 anos de vida paroquial, talvez seja o momento de iniciar a construção de um espaço digno desta jovem Paróquia de S. José de Itoculo. Entretanto, a solidificação de uma igreja vai mais além das construções em alvenaria, para se centrar no rosto concreto de cada pessoa cada vez mais firme na fé. Acreditamos que o Espírito de Pentecostes continua vivo em cada um que se deixa iluminar e guir por Ele, de modo a procurar e se empenhar por uma nova e constante evangelização e transmissão da fé.

Apontamento histórico - Parte III

Breve apontamento histórico da Evangelização e da Igreja de S. JOSÉ DE ITOCULO - III
Raul Viana

3.       Os tempos e contratempos sociopolíticos e religiosos

A constituição da quási-paróquia de Itoculo A e B aconteceu durante um tempo de grande instabilidade sociopolítica e também eclesial. Na verdade, a breve história da Igreja e da evangelização de Itoculo ficou bem marcada pelos tempos difíceis do fim do colonialismo, da implantação do marxismo e da guerra entre a Frelimo e Renamo. Podemos dizer que foram vinte anos de difícil inserção missionária e sucessiva evangelização, e ao mesmo tempo uma espécie de prova e resistência da fé cristã.

Logo no início podemos recordar a hostilidade do regime colonial a todos os estrangeiros, especialmente os missionários que confrontavam e expunham as injustiças até então cometidas. Isto levou a uma manifestação pública por parte da Igreja através do «Imperativo de Consciência» que provocou a expulsão de alguns missionários e do próprio Bispo D. Manuel Vieira Pinto, então nosso Bispo.

Após a independência nacional três acontecimentos marcam este tempo: as nacionalizações das estruturas e missões, o internamento dos missionários no Centro catequético do Anchilo e a interdição dos missionários de visitar as comunidade por um período de três anos. Neste tempo foi expulso o P. Sílvio Caselli pela Frelimo, um dos missionários que percorreu as terras e comunidades de Itoculo.

Neste tempo do regime contra a Igreja católica os missionários estavam impedidos de visitar as suas comunidades, ou apenas faziam após obtenção de «guias de marcha». Do mesmo modo, as comunidades ficaram privadas dos seus espaços de culto, sendo obrigadas a celebrar debaixo do cajueiro ou da mangueira, muitas vezes fugindo para a mata. Itoculo não foi exceção e viveu de perto este tempo de perseguição religiosa, como relatam alguns testemunhos vivos de cristãos das nossas comunidades.

No decorrer da guerra civil, Itoculo estava dividido entre a base de Mariri de influência da Renamo e as restantes áreas de influência da Frelimo. As narrativas do P. Gino Pastore acerca dos acontecimentos desastrosos que a população viveu nestes tempos, marcam uma página dura e trágica da história de Itoculo. Aldeias queimadas, casas assaltadas, famílias divididas, pessoas mortas, e muitos outros males que só a guerra é capaz de provocar. Tudo isto ainda está bem vivo na memória do povo e necessita ser digerido para não mais voltar a acontecer tamanha desgraça.

Consequência destas desgraças foram as mortes de dois missionários, Ir. Teresa Paola Delle Pezze (03-01-1995) e o Ir. Alfredo Fiorini (24-08-1992) em Mueravale, apanhados em emboscadas pelas milícias na estrada N8. Para memória destes acontecimentos, e em união com todos os que foram vítimas da guerra civil, a comunidade cristã construiu aqui uma capela que hoje é a sede da zona de Mueravale, sob a proteção de Nossa Senhora da Paz.


4. A paz desejada e a chegada dos Missionários Espiritanos

Em 1992 terminou o conflito armado e foi assinado o Acordo Geral de Paz. Poucos anos antes tinha havido a vista do Papa João Paulo II, e um nomo tempo despontava para todo o povo e a Igreja. Entretanto novas Congregações Religiosas chegam a Moçambique, entre as quais se situam também os Missionários Espiritanos (1996).

Assim, os Missionários Espiritanos chegaram à paróquia-missão de Netia, e pouco tempo depois foi-lhes atribuído também a parte de Itoculo B. Na verdade, ao chegarem a Moçambique eles já sabiam que iam residir em Netia, mas que outra paróquia lhes seria atribuída. Por isso, pouco tempo depois da sua chegada foram introduzidos na quási-paróquia de Itoculo B. Com verdade se pode afirmar que Itoculo esteve no horizonte pastoral dos Espiritanos desde o princípio. Deste modo, de 1997 a 2004 uma parte da quási-paróquia (Itoculo B) ficou à responsabilidade dos missionários espiritanos de Netia, e outra parte (Congo, correspondendo a Itoculo A) continuou a ser apoiada a partir da Carapira pelos missionários combonianos.

Nesta nova organização, aconteceu que nos primeiros anos da presença espiritana, o P. Alberto Tchindemba assumiu a paroquialidade de Netia, enquanto o P. Pedro Fernandes estava mais centrado em Itoculo. Todos residiam em Netia e, durante vários dias por semana (no mínimo, sexta-feira, sábado e domingo), o P. Pedro garantia presença pastoral em Itoculo sempre (ou quase sempre) acompanhado pela Ir. Maria do Socorro Ribeiro, comboniana a viver em Netia. Sobretudo em épocas de batismos ou sacramentos, muito trabalho foi também feito pelos P. Lawrence Nwaneri e P. Alberto Tchindemba.

A partir de 1999, a equipa espiritana reorganizou-se: o P. Lawrence Nwaneri foi transferido para outra missão (Inyazónia-Chimoio) e chegou o P. Damasceno dos Reis. O trabalho começou a ser assumido inteiramente em equipa e, a partir daqui, todos os projetos foram concebidos e executados em conjunto. Pouco depois, os espiritanos recebem um primeiro jovem estagiário (diocesano de Nacala - (Pilali Mwatresse de Sousa), logo seguido de estagiários espiritanos (Tiago Barbosa de Portugal e António Luís Matias de Angola). Já no início de 2001, recebe também um primeiro missionário leigo, francês (Christophe Héveline) que permaneceu na equipa três anos e desenvolveu muito trabalho de assistência itinerante de saúde nas comunidades de Itoculo. Este leigo mudou-se para Itoculo, quando os espiritanos deixaram Netia para ali se instalarem. A partir daqui, a equipa missionária espiritana nunca deixou de ser reforçada com jovens estagiários espiritanos (Nota: Saturnino Afonso (cabo-verdiano) – 2003/04; Adelino Tony Tiago (Diácono Moçambique-Pemba) – 2005; Ricardo Maia - (português) – 2006/07; Edmilson Semedo (cabo-verdiano) – 2008/09; Elson Lopes (cabo-verdiano) – 2009/10; Vincent Ntrie-Akbabi (ganês) – 2010/11; e Bernardino Semedo (cabo-verdiano) 2013/14.) e com leigos missionários (Nota: Os voluntários que passaram pela paróquia de Itoculo são: Christophe Héveline (enfermeiro - francês que veio de Netia) - 2004); Celeste Reis (engenheira civil - portuguesa) – 2004/05; Hugo Rodrigues (professor de português - português) – 2005/06; Joana Pedro (engenheira do ambiente - portuguesa) – 2008/09; Ernestina Falcão (professora de biologia - portuguesa) – 2010/11; Joana Cruz (bibliotecária e arquivista - portuguesa) – 2012. Clemence Vaillant (enfermeira - francesa) – 2013/14; Rita Coelho (terapeuta da fala - portuguesa) – 2013/14; Alexandra Martins (animadora sociocultural – portuguesa) – 2013/14. A par das muitas visitas amigas a Itoculo, estão também as “Pontes” dos Jovens Sem Fronteiras de Portugal durante o mês de Agosto de 2000, 2007 e 2013.).

Paralelamente, os espiritanos tinham vindo a organizar a abertura de uma nova presença missionária na cidade de Nampula, contando para isso com o desmembramento da comunidade espiritana de Itoculo. A partir de Setembro de 2004, os espiritanos, já residindo eme Itoculo, organizaram-se para criar condições logísticas em Nampula e, entre Setembro e Outubro, o P. Alberto Tchindemba deixou a equipa de Itoculo para se fixar em Nampula, assumindo, como pároco, a paróquia de S. João de Deus.

Em 2003, tinha chegado o P. Guillermo Gil Torres, espiritano do México, que em meados de 2004 foi também transferido para a comunidade de Inyazónia, na diocese do Chimoio. Desde este momento até 2006, ficaram em Itoculo, como espiritanos, os Padres Pedro Fernandes e Damasceno dos Reis. Nesse ano, juntou-se ao grupo o P. Cayetano Hernandez Micaela, que ficou na missão até Abril de 2009, altura em que foi transferido para o México. Nesse ano, em Janeiro, chegou o P. Raul Viana e também nesse ano, em Julho, foi transferido para Portugal o P. Pedro Fernandes. Outros espiritanos chegaram entretanto, o P. Desmond Arigho da Irlanda (2011-2012) e o P. Urbain Makimba da RD Congo (2012-2014).

Apontamento histórico - Parte II

Breve apontamento histórico da Evangelização e da Igreja de S. JOSÉ DE ITOCULO - II
Raul Viana

2. A estruturação e organização das áreas evangelizadas: a quási-paróquia de Itoculo

No final da década de 1960 o centro regional de S. Paulo Monetaca passou a sua sede para S. Pedro Djipui, no regulado de Macui, visto ser mais central em ordem a concentrar os cristãos residentes entre os regulados de Monetaca, Thamela e Chihire. Aí se construiu uma capela grande, uma cozinha e casa para os missionários que vinham de Mueria para as celebrações e as formações locais. Aí pernoitavam também os cristãos vindos de mais longe. Tudo isto aconteceu no tempo do P. Caselli Sílvio, segundo narram alguns cristãos.

Em 1964 é criado o centro regional de Nossa Senhora do Rosário de Chihire, pelos padres Vítor Ruggera, João Cerpelloni e Martinho Moura, para atender os cristãos do lado nordeste de Itoculo. Uma parte da formação dos catequistas e animadores era dada neste centro em Chihire, outra parte era dada em Djipwi, considerado um centro maior, onde parece estar em vista a construção de uma sede paroquial. A partir do centro regional de Chihire outras comunidades foram surgindo desde o rio Mariri ao norte, até ao rio Namalima ao sul, uma área que inclui 6 Regulados (Natuto, Namicopue, Chihire, Mepova, Mpira e Minhalaca).

Entre o rio Namalima e a estrada principal alcatroada (N8), que liga Nacala a Nampula, criou-se o terceiro centro regional de Itoculo, chamado mais tarde S. Carlos Luanga - Congo. Todos estes centros regionais dependiam da paróquia-missão de Mueria, onde estão registados todos os Batismos, Casamentos e alguns Óbitos.

Em 1978, após a adoção do regime político nacional (leninista-marxista), agravou-se a confiscação dos bens da Igreja e a proibição de celebrações públicas dos cristãos (Nota: A lei sobre as nacionalizações é de 24 de Julho de 1975, seguida de reforços legais no ano seguinte. Assim, a confiscação dos bens da Igreja acontece nesta altura, agravando-se 1978.). Ou seja, as estruturas dos centros regionais de Djipui e Chihire ficaram a pertencer ao Governo para o serviço público de escolas e outros interesses governamentais. Mais tarde, durante a guerra civil, o centro de Chihire ficou abandonado por ser uma zona onde predominavam as forças armadas da Renamo, enquanto o centro de Djipui passou a ser um local de comando local da Frelimo. Com o fim da guerra estes centros voltaram a ser propriedade da Igreja e aí recomeçaram as formações de animadores dos diferentes ministérios.

Entretanto, no decorrer de todo este tempo do conflito armado, os centros regionais passaram a formar a quási-paróquia de Itoculo, dependendo agora da Missão da Carapira. São criados livros próprios de registos com a seguinte divisão: Itoculo B compreendia as regiões de Djipui e Chihire; e Itoculo A compreendia apenas a atual região de Congo.

De acordo com o primeiro livro de registo, que inclui Itoculo A e B, a pessoa que inaugura o primeiro volume está registado com o nome de Tiago Sicola, filho de Sicola e Maria Npuatha, celebrado na capela do centro de Thamela (Murutho Velho) no dia 10 de Julho de 1979.(Nota: Neste mesmo dia 10 de julho, na mesma capela de Thamela, seis casais recebem o Sacramento do Matrimónio, sendo o primeiro registo com o nome de Agostinho Muaquia e Filomena Saleva.) Trata-se de um homem adulto nascido em 1942 que teve como padrinho o Sr. João Nacaia, e foi batizado pelo P. Gino Pastore. No mesmo dia foram batizadas mais três mulheres (Rosa Mário de 20 anos; Cecília Paiola de 27 anos e Elisa Múquina de 24 anos). Os registos seguintes são do dia 18 de Outubro de 1981, também da zona de Thamela (Maria Manira de 57 anos; Angelina Namaruso de 58 anos; e Gracinda Sitah de 64 anos). (Nota: Aqui encontramos apenas batismos de pessoas jovens e adultas, mas nos registos de 1982 há já bastantes batismos de bebés (crianças de colo), uma prática frequente nas famílias cristãs.)

Este número reduzido de registo de batismos mostra que estamos num tempo de transição, onde ainda parece haver muitos registos efetuados em Mueria e Carapira. Contudo, em 1982 o número total de batismos já atinge os 250. A partir de 1983 estes números sobem em flecha, com duas quebras em 1990 e 1993, até atingir o máximo de 1321 batismos em 1998. No ano 2000 sofre uma quebra acentuada, e a partir de 2002 vai ganhando uma estabilidade à volta de meio milhar de batismos anuais, como se pode ver no gráfico abaixo.

De maneira geral não havia muita diferença percentual entre homens e mulheres na receção dos sacramentos. Apesar de ser significativo os 44 registos de 1981 (dia 1 de Novembro) onde são batizados 9 homens e 32 mulheres na capela de Muhalacani (com catecúmenos oriundos de Nacololo, Namicopue, Robusini, Namuana, Natutu), nos anos seguintes esta diferença acentuada deixa de existir. Isto verifica-se ainda mais, quando alguns destes catecúmenos recebem também o Sacramento do Matrimónio, o que significa uma maior proximidade percentual.(Nota: Em 1979 há registo de 4 batismos; em 1981 há registo de 44 batismos; em 1982 há registo de 250 batismos. O mesmo acontece a nível do Sacramento do Matrimónio: em 1979 estão registados 6 casamentos; em 1981 estão registados 26 casamentos; e 1982 estão registados 45 casamentos. Daí para cá todos os batismo são registados nos livros de Itoculo A e B, até 19 de Março de 2004.)

Como já referimos acima, até ao ano 1979 toda a região de Itoculo dependia diretamente de Mueria e mais tarde de Carapira, estando aí todos os registos de sacramentos. Itoculo era parte integrante da missão-paróquia de Mueria. Por isso, toda a sua história se encontra aí registada. Na década de setenta, Itoculo A torna-se uma quási-paróquia, chamada S. Carlos Luanga, e passa a ter livros próprios de registos de Sacramentos, e também passa a ser apoiada a partir da missão-paróquia da Carapira.

Antes da criação da quási-paróquia de Itoculo muitos outros missionários passaram por estas terras vindos diretamente na missão de Mueria, sobressaindo primeiramente o P. Caseli Sílvio e o P. Vítor Ruggera.(Nota: Entretanto há outros nomes mais apontados pelos animadores: P. Martinho Moura; P. Bellini Alfredo; P. Sílvio Greggio; P. João Cerpelloni; P. Luís Malaspina; P. António Mazzucco; P. João Batista Sanzogni; Ir Catarino Basso; Ir Luís Sardi; P. Gino Pastore; P. Ambrósio Reggiore; P. Firmino Cusini.) Nesta nova organização, a quási-paróquia de Itoculo teve como responsável o P. Sílvio Greggio (1970-1978), depois o P. Gino Pastore (1979-1993), sucedendo-lhe depois os P. Ambrósio Reggiori (1993-2004) em Itoculo B, e o P. Firmino Cusini (1997-1998) em Itoculo A.

Assim, a quási-paróquia de Itoculo passou a ter organizações pastorais inteiramente separadas, com conselhos paroquiais diferentes e “párocos” diferentes. Na prática, durante vários anos Itoculo A e B passaram a ser consideradas pelo povo, na linguagem e no modo de funcionar, como verdadeiras paróquias independentes. Embora a ereção canónica nunca tenha acontecido, a verdade é que mesmo os boletins diocesanos e as estatísticas oficiais da diocese, incluindo os relatórios paroquiais, falavam de Itoculo A e B como de duas paróquias.(Nota: Antes de 1978 o pároco da Carapira era também pároco de Itoculo B, enquanto o pároco de Monapo e Mossuril era de Itoculo A. Porém a partir de 1978 com o P. Gino Itoculo passou a ter um único pároco. Este tempo coincidia com o conflito armado no qual também a paróquia de Itoculo tinha apenas um conselho paroquial que reunia em Ramiane, uma vez que em Itoculo era demasiado perto das estruturas do governo e em Djipui a guerra não o permitia. Apesar de as comunidades estarem muito distantes, os temas das reuniões eram para toda a paróquia que clandestinamente se fazia chegar a todo o lado.)

De grande importância é também a participação das irmãs combonianas na evangelização do povo de Itoculo: durante longos anos, elas funcionaram verdadeiramente em equipa com os padres combonianos que trabalharam no território. Com o P. Gino Pastore, trabalhou de modo sistemático a Ir Antónia Solaro. Mais tarde, com o P. Pedro Fernandes trabalhou a Ir. Socorro Ribeiro. (Nota: Apesar das irmãs apoiarem muito a missão na sede, algumas delas se dedicavam a visitar as comunidades acompanhando os padres. Tal é o caso das irmãs citadas e também as Ir. Alma Lomboni vinda de Mueria e a Ir. Assunta Satriani a partir da Carapira.) Para além das combonianas, mais recentemente, trabalharam também as Irmãs Servas do Espírito Santo, concretamente, a Ir Marta Mello que desenvolveu um intenso e profícuo trabalho, em equipa com o P. Ambrósio Reggiori. A ela se deve muito trabalho com catequistas e sobretudo o lançamento das escolas comunitárias. Outras irmãs da mesma congregação trabalharam depois com os espiritanos, quando as irmãs combonianas deixaram Netia.

Apontamento histórico - Parte I

Breve apontamento histórico da Evangelização e da Igreja de S. JOSÉ DE ITOCULO - I
Raul Viana



INTRODUÇÃO

S. José de Itoculo é uma jovem Paróquia criada a 19 de Março de 2004. Está situada na área correspondente ao Posto Administrativo de Itoculo no distrito do Monapo, e é uma das 23 Paróquias da diocese de Nacala. A história da evangelização e da Igreja em Itoculo corresponde àquela da diocese de Nacala. Por isso, tudo o que é dito acerca de todo o processo evangelizador da Diocese de Nacala sintoniza perfeitamente com a realidade desta Paróquia de Itoculo. Porém, o que interessa referir e desenvolver aqui é a particularidade e a concretização do processo evangelizador de Itoculo.

1.       As origens da fé cristã em Itoculo

A par da chegada dos missionários no território correspondente a Itoculo, dá-se a criação administrativa do mesmo. Assim, a existência do Posto Administrativo de Itoculo está datada de 1959, sendo Chefe de Posto o cabo-verdiano Carlos Gamboa Matos. Neste tempo, a atividade da Igreja e o regime administrativo colonial tinham uma estreita relação de interesses, ainda que muitas vezes contestado. Isto fazia com que a criação de qualquer capela ou igreja requeresse a autorização do Chefe do Posto. Do mesmo modo, o incumprimento dos compromissos matrimoniais eram sancionados pela mesma administração, tal como narram algumas pessoas das comunidades cristãs de Itoculo.

Geograficamente Itoculo situa-se numa área rural central rodeada de grandes missões de onde chegavam os missionários para evangelizar. Todas as missões envolventes foram construídas num espaço de tempo de quatro anos: Carapira (1949) ao lado poente; Mueria (1948) ao lado nascente; Namahaca (1948) ao lado nordeste; e Nacaroa (1951) ao lado norte. Isto nos dá uma indicação clara que o primeiro contacto dos locais com a fé cristã acontecesse nesta altura. Apenas a missão-paróquia de Netia foi construída, mais tarde, em 1962, ao lado noroeste. (Todas estas missões foram construídas pelos Missionários Combonianos. Quando chegaram a Moçambique (1947) foi-lhes atribuído todo o litoral de Nampula por ser uma zona muito islamizada e porque esta Congregação tem também este carisma e tradição na sua atividade pastoral).

Sendo que a missão-paróquia de Netia foi constituída oficialmente em 1962 pelo P. Vítor Ruggera e o Ir. Catarino Basso, vindos da missão de Mueria, necessariamente percorreram os caminhos de Itoculo. Ainda hoje são reais as vias de comunicação que ligam o litoral ao interior (Mossuril e Ilha de Moçambique - Nampula), que em Itoculo cruza com uma estrada que vem de Nacala-a-Velha (Mueria) e segue para Nampula, passando por Netia (estrada Nacional nº 567). Certamente, neste percurso os missionários contatavam a população, de tal modo que no Regulado Monetaca, a meio caminho entre Mueria e Netia, criou-se uma comunidade cristã de referência com capela e escola em 1962.

Uma vez criada esta primeira escola-capela, os cristãos das redondezas tinham aqui o seu centro regional e recebiam formação e sacramentos, e participavam cada sexta-feira nas Missas de devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Com o decorrer dos tempos outras comunidades foram surgindo, tal como se pode ouvir dos relatos de cada comunidade cristã de Itoculo. Deste modo, aconteceu uma nova organização pastoral da área correspondente ao Posto Administrativo de Itoculo.

Itoculo, 10 anos de missão

ITOCULO, 10 ANOS DE MISSÃO
Raul Viana
No dia 19 de Março tivemos a celebração festiva dos dez anos da criação da Missão-Paróquia de S. José de Itoculo (2004-2014). Foi uma celebração presidida pelo Bispo diocesano de Nacala, D. Germano, e contou com uma grande participação dos paroquianos das 80 comunidades locais, sendo bem animada ao ritmo juvenil do batuque africano.

Itoculo é uma vasta zona rural na Província de Nampula, norte de Moçambique, no seio da cultura macua. Os sinais mais salientes da presença cristã remontam ao início da segunda metade do século XX. A chegada e o trabalho incansável dos missionários combonianos precedeu a nossa presença e animação pastoral espiritana.

Sentindo-se a urgência de atender às necessidades pastorais de evangelização desta zona da diocese, foi criada, a 19 de Março de 2004, a Paróquia de S. José de Itoculo, na área correspondente ao Posto Administrativo com o mesmo nome. Assim, os espiritanos deixaram Netia, onde estavam desde a sua chegada em 1996, para assumir a nova paróquia de Itoculo.

Através de um diálogo concertado e seguindo o carisma da missão espiritana, em 2004 deixou-se Netia para o clero diocesano e assumiu-se a recém-criada paróquia de Itoculo. Na verdade, uma grande área de Itoculo já era assistida pastoralmente pelos espiritanos. Porém, agora com esta decisão novos desafios se apresentavam para a constituição efetiva da nova paróquia: unidade e estruturas paroquiais.

As famílias e as comunidades de batizados e catecúmenos foram os grandes herdeiros e promotores desta nova missão. Mais tarde surgiram as estruturas materiais que ajudaram a dar corpo à unidade pastoral da paróquia. Porém, a sua força viva está nos cerca de 10 mil cristãos, com 190 animadores gerais (regionais e zonais), 80 animadores de comunidade, mais de 200 catequistas, e muitos mais animadores dos diferentes ministérios paroquiais.

Outra nota caraterística desta paróquia nestes 10 anos de existência é o trabalho em equipa missionária, composta de padres e irmãs, estagiários e leigos voluntários que por aqui passaram e aqui continuam. A riqueza de cada um ajudou a construir o essencial da missão evangelizadora que sempre procurou promover o homem todo e todos os homens. Assim, a aposta na formação humana e cristã dos nossos animadores, a presença efetiva nos campos da educação e da saúde, o apoio direto a estudantes e a crianças desnutridas, a participação na dinamização pastoral diocesana, entre outras coisas, marcam a vida e o ritmo da equipa missionária na paróquia de S. José de Itoculo.

O Centro de Estudos (biblioteca e sala de informática) a abrir brevemente, a par do Lar de Estudantes prestes a iniciar a sua construção, são mais dois sinais claros do envolvimento missionário em prol do futuro deste povo. A proclamação do Evangelho a par da promoção humana e social são duas notas da mesma melodia missionária.

Ao longo destes 10 anos de presença evangelizadora muito trabalho foi feito e ainda há muito por fazer. Com a força do Espírito e ao ritmo do povo e da cultura acreditamos que o Evangelho vai sendo cada vez mais uma realidade transformadora da vida de Itoculo. Mesmo assim resta o desafio: pedir ao Senhor da messe que mande mais trabalhadores para estas terras.

Enfim, uma palavra final de agradecimento a todos quantos colaboraram, e ainda colaboram, para a vida e dinamização desta missão. Que Deus compense a todos pelo bem que fizeram, e nos fortaleça, derramando a sua graça sobre nós, para continuar a missão que nos é confiada.

Beira 2014 – Nova frente missionária

Beira 2014 – Nova frente missionária
Raul Viana 

O Grupo Internacional dos Espiritano em Moçambique deu início oficial à sua presença missionária na arquidiocese da Beira onde assumiu um compromisso pastoral da paróquia da Natividade da Virgem Maria (Vaz-Beira). Esta é, assim, a quarta comunidade espiritana em Moçambique, correspondendo a quatro áreas de missão nesta Igreja banhada pelas águas do índico, depois de Inyazónia (paróquia de S. Paulo de Bárué - diocese de Chimoio), Itoculo (paróquia de S. José - diocese de Nacala) e Nampula (paróquia de S. João de Deus – arquidiocese de Nampula).

Os padres Nicholas e Godefroy assumiram esta nova missão com coragem e entusiasmo, deixando Inyazónia e Nampula respetivamente. Além do trabalho de inserção e animação pastoral na paróquia referida, há também o projeto de construir uma residência espiritana para possibilitar o acolhimento e a formação de candidatos moçambicanos à vida espiritana.

O Arcebispo da Beira, D. Cláudio, foi muito acolhedor incentivando a levar por diante este novo projeto missionário, tal como se referiu na celebração da tomada de posse do novo Pároco. Para nós, de facto, esta é uma missão bem espiritana, pois situa-se numa zona periférica da cidade da Beira onde se cruzam povos e culturas, e onde não faltam desafios de ordem social e pastoral.

Por sua vez, este acontecimento é resultado de um longo caminho pensado quase desde a chegada dos Missionários Espiritanos a Moçambique. De facto, logo em 1998 sentiu-se a necessidade de aproximar as comunidades espiritanas de Inyazónia e Netia, separadas por mais 1.100km de distância. Assim se propunha deixar a paróquia de Netia (diocese de Nacala) para abrir nova frente na cidade da Beira. Mais tarde em 2001 foram feitos vários contatos para concretizar esta mesma ideia, e em 2003 os responsáveis máximos da Congregação davam orientações claras para se iniciar na Beira por ser mais central para as duas comunidades espiritanas. Entretanto, por diversas razões, acabou-se por escolher a cidade de Nampula para instalar a terceira comunidade espiritana (Outubro de 2004), pouco tempo depois da comunidade de Netia se ter transferido para a nova missão de Itoculo.

Mesmo assim, a ideia de abrir uma nova comunidade na Beira nunca ficou descartada. Ao longo dos anos sempre aparecia como uma necessidade real cuja finalidade era apoiar os confrades de Inyazónia contra o isolamento que sentiam. Então, o primeiro Capítulo do Grupo Espiritano de Moçambique (Junho de 2010) tomou a decisão de iniciar o processo de instalação na Beira, criando aí também uma casa de formação espiritana (Postulantado). Deste modo em 2011 obtivemos a autorização do Conselho Geral e da Arquidiocese para avançar com este projeto, igualmente outros passos foram dados para tal. Mais tarde, no Conselho Alargado da Carapira (Junho de 2013) vimos que era chegada a hora para avançar definitivamente com o projeto, dando início a uma nova frente missionária.

Não faltaram avanços e recuos, mas o importante foi encontrar o momento e local certo para iniciar. Isso aconteceu e agora é realidade. Apenas nos resta continuar a acreditar e a procurar cada dia o rumo certo para levar a cabo a missão que nos é confiada. Para isso, pedimos a luz e a força do Espírito Santo, o Protagonista da Missão, e contamos também com a comunhão fraterna e missionária de toda a família espiritana e da Igreja local onde estamos inseridos.

Cidade da Beira, 16 de Fevereiro de 2014.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...