26 de dezembro de 2009

Nawawani & Tekela

Damasceno
Itoculo


A comunidade cristã de Nawawani, aqui há uns dois ou três anos, teve um comportamento pouco cristão, o seu coração perdeu a capacidade de bombear o sangue do amor fraterno que brota do lado de Cristo… pode-se dizer que teve um colapso cardíaco e morreu. Era uma comunidade pequena, com alguma dificuldade em funcionar com a vitalidade duma comunidade normal. Encontrar ali alguém capaz de escrever, ler e, por conseguinte, apto a ensinar catequese ou a dirigir uma celebração dominical era tarefa praticamente impossível. Até aqui nada de especial, é coisa que acontece a algumas pequenas comunidades, que com o tempo e por várias razões (êxodo de cristãos para outras terras, por exemplo) começam a definhar. Quando é assim a solução passa por pedir ajuda a alguma comunidade vizinha. Neste caso a comunidade vizinha era Tekela. Concordou-se que a melhor solução seria unir as duas. Juntas passariam a formar uma única comunidade, mais forte. Ao princípio tudo parecia correr bem: escolheu-se um lugar “neutro”, a meio caminho onde se pudesse construir a capela, limpou-se o terreno e preparou-se tudo para iniciar a construção. De repente, de um dia para o outro, os de Nawawani abandonaram tudo.
O caso foi apresentado em Conselho paroquial e nenhum dos animadores, apesar da experiência e do conhecimento dos mecanismos da cultura macua, parecia entender aquela ruptura de Nawawani. Foi marcada uma nova reunião com os membros de ambas as comunidades, com os animadores maiores da paróquia e nós próprios, os padres. Mas a posição de Nawawani revelou-se ainda mais irredutível: nunca aceitariam caminhar juntos com os de Tekela… e as razões apresentadas para esta decisão tinham a ver apenas com superstições, suspeitas de feitiço e pouco mais.
– Como é possível seguirmos o Senhor Jesus, o Senhor da paz e da misericórdia, de costas voltadas para os irmãos, incompatibilizados com eles?
Fomos perguntando, mas não obtivemos resposta nem sinal de vontade em construir Igreja. Esgotadas todas as tentativas de conciliação, de apelo ao bom senso, foi cada qual para sua casa. Consequentemente Nawawani deixava de pertencer à comunidade Paroquial, à Igreja Católica, enquanto não justificasse ou mudasse o seu comportamento.
Passaram-se os anos. E o filho pródigo voltou, há poucos dias. Sinceramente arrependidos, vieram pedir à Paróquia a reintegração e orientações concretas para regressar à comunhão com os irmãos e vizinhos da comunidade de Tekela. Foram admitidos sob condição: Por enquanto a comunidade de Nawawani é Tekela. Tudo tem que passar por ali. A catequese, actividade importantíssima que, juntamente com a celebração dominical, dá vida à comunidade, é em Tekela. As condições foram aceites e assim que houve oportunidade realizou-se uma grande festa, uma celebração eucarística com a participação das duas famílias desavindas e agora reconciliadas.

Este Jesus de paz tão pequenino é realmente capaz de vencer o pecado tremendo do ódio, da guerra, do desentendimento entre as pessoas, entre irmãos. Temos que o deixar encarnar e têm que ser os cristãos a dar o primeiro sinal de uma nova fraternidade.

Feliz Natal 2009

27 de novembro de 2009

advento... tempo de limpar machamba



Edmilson
Itoculo

Já ouvimos dizer que este tempo em que nos encontramos é destinado às ferias em todas as escolas, de norte a sul de Moçambique, mas este não é o único acontecimento do momento (a nível nacional), pois sabe-se que em todo o país está-se a preparar a campanha agrícola, que se avizinha. Então, neste momento está toda a gente empenhada em arrancar o capim das machambas, para, deste modo, poder avançar para as sementeiras, que estão para breve (pois a chuva está a ameaçar).
Podemos pegar nesta imagem de preparação do terreno para o cultivo, para avançarmos para uma outra realidade da nossa vida: No próximo domingo (dia 29 de Novembro) começa o tempo do Advento, que todos nós conhecemos como sendo um tempo “favorável”, que nos é dado no intuito de prepararmos também o “nosso terreno”, onde não vamos semear nem milho, nem feijão, nem algodão, nem arroz e nem gergelim, pois com certeza estas coisas não poderiam nascer aí. Então que terreno é este, e o que é que iremos semear ali? Pois bem, o terreno de que falo é, sem dúvida alguma, o nosso coração e o nosso espírito, onde o “Grande Agricultor” quer lançar a semente que é o seu próprio filho, e que Ele quer ver a nascer na nossa vida e dar bons e abundantes frutos.

Todos nós, antes de semear, limpamos e preparamos o terreno que queremos cultivar. Há anos em que há mais capim e espinhos e outros em que são menos os espinhos ou o capim menos bravio. Contudo, não deixamos de limpar a campo todos os anos, com maior ou menor esforço, pois sabemos que isso é muito importante para que o campo possa produzir qualquer coisa, e o nosso desleixo pode pôr em causa todo o nosso trabalho agrícola. Assim também acontece connosco: O nosso coração é a machamba onde a semente vai ser lançada, e deverá crescer e dar fruto. Mas isto só é possível se prepararmos bem o nosso terreno. Não podemos pensar que já preparei o terreno no ano passado, mas é preciso fazê-lo sempre e sem desleixo. O tempo de Advento só nos vem recordar isto mesmo. O advento deve ser para nós uma pergunta constante (independentemente da época do ano em que nos encontramos): como vai a minha vida? Será que a minha “machamba” está preparada para acolher a semente?
Devemos estar sempre atentos a isso e fazer de cada ocasião da nossa vida, do nosso dia um momento da presença de Deus em nós. Mas deixo agora uma pequena interpelação: Deus quer semear a semente do seu reino no teu coração, neste preciso momento; e tu? Estás preparado para o receber?
Enquanto reflectes sobre tudo isto, eu vou aproveitando para te desejar um excelente tempo de Advento, e que possas fazer uma boa preparação e que, realmente, o Natal aconteça no teu coração.

23 de novembro de 2009

...no fim de mais um ano lectivo


Edmilson
Itoculo


Mais uma vez, dou a cara, e novidades, também... desta vez para noticiar o momento que se vive aqui, em Itoculo (a vila do milénio). O grande acontecimento que marca este período é o fim do ano lectivo, que traz boas e más notícias (é como tudo). As boas notícias têm a ver com o grande movimento de estudantes; há uns que chegam e outros que partem para a família, a fim de gozar as tão esperadas (e, talvez, merecidas) férias. Por outro lado é o tempo de preparar a machamba, para mais uma campanha agrícola, sempre na expectativa de conseguir boas colheitas. Tudo isto é muito bom, mas tem a parte menos boa: para uns é o tempo de “angústia”, à espera dos resultados (isto para quem não trabalhou, devidamente), é tempo de separar dos companheiros, que, durante todo o ano lectivo, partilharam os momentos bons e menos bons, para outros (os que estão a terminar a 7ª classe) é, ainda, tempo de tratar dos documentos e matrículas nas escolas secundárias, e todos nós sabemos a dor de cabeça que isto é, devido aos vários entraves que são criados pela burocracia, de que já estamos acostumados a ver e ouvir. Outros, ainda lamentam o fruto do seu trabalho (ao longo do ano), que podia e devia ser bem mais rentável. Apesar do ambiente calmo que se vive, para mim, existe um sabor um pouco amargo, pois é um aviso de que está próximo o fim da minha estadia aqui na vila e missão de Itoculo. Por outro lado, este período mais calmo permite que possa concluir alguns assuntos, ainda pendentes.



Mas, desde o fim do ano lectivo, outros assuntos marcaram a “agenda do dia-a-dia” em Itoculo: os que sobressaem mais são as eleições do dia 28 de Outubro deste ano, a chegada de um novo estagiário (que me veio empurrar para fora daqui), que é um jovem cabo-verdiano, que eu já conhecia “kalai” (há muito tempo); ele chegou bem, está bem e preparado para “olima” (trabalhar no campo, isto é, limpar o terreno para cultivar). Confesso que sinto um bocado de saudade do ambiente da escola, dos colegas (professores) e dos alunos. Agora, passando perto das escolas parece um lugar abandonado e sem vida, mas isto é o anúncio de que um novo ano lectivo está por vir. Por enquanto vamos ficar a saudar os amigos e familiares, e a descansar do ano lectivo findo, pois é caso para dizer: «amanhã há mais».

29 de outubro de 2009

eleições 2009-Mz


Raul Viana
Itoculo

Depois de 1994, 1999 e 2004, Moçambique viveu no dia 28 de Outubro o quarto momento de Eleições para escolher o Presidente da República, os membros da Assembleia da República e das Assembleias Provinciais. A nossa presença missionária (e estrangeira) não ficou alheia a este importante momento político nacional, procurando acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e incentivando à participação cívica e responsável.

Destas eleições multipartidárias havia três candidatos a Presidente da República. Embora os resultados finais ainda não estejam apurados, parece não haver grandes mudanças, como já era previsto. Pelos 13 Círculos Eleitorais (Províncias) concorreram 17 formações políticas que poderão trazer alguma novidade enquanto oposição política. Entretanto, o Conselho Constitucional havia excluído da corrida eleitoral 12 dos 29 partidos e coligações políticas e 6 candidatos à Presidência da República por irregularidades nos processos de candidaturas. Tudo isto foi agitando ultimamente a vida política nacional moçambicana.

Porém, a novidade destas eleições ficou marcada pelo facto de ser a primeira vez, desde a independência 1975, que os moçambicanos votaram para as Assembleias Provinciais. Uma forma de maior participação democrática da qual se esperam melhores resultados práticos para a vida dos cidadãos.

O apelo à tolerância foi uma nota constante da campanha eleitoral de 11 de Setembro a 25 de Outubro. Contudo, não deixou de haver entre os militantes e simpatizantes das diferentes facções políticas a violação deste princípio da tolerância, causando agressões físicas, algumas casas queimadas, etc... Da mesma forma, a fusão e confusão entre Administração e Partido político no poder foi uma constante, a qual parece estar em franco crescimento. Itoculo não fugiu à regra desta mistura de poderes.

Num total de quase 10 milhões de eleitores, cerca de metade da população moçambicana, a participação parece ser considerável, superior às eleições anteriores. A partir da realidade de Itoculo, verificamos que se trata de um processo eleitoral lento, com várias filas de pessoas expostas ao sol escaldante (com consequentes desmaios) esperando a sua vez de votar que precisou de ser prolongada algumas horas além do previsto. Também não faltaram eleitores privados do seu voto por irregularidade de identificação e de listas. Outra dificuldade verificou-se na distância dos locais de voto, para os quais alguns eleitores tiveram de fazer 15km (ou mais) para votarem, numa área onde não há transportes públicos e as bicicletas ainda são poucas.

Enfim, para além de algumas situações irregulares pontuais, parece que acto eleitoral decorreu com normalidade, assim foi também o parecer dos observadores internacionais. Deste modo, mesmo sem saber os resultados finais, podemos dizer que todo o povo moçambicano está de parabéns. No entanto, a expectativa em relação ao futuro mantém-se aberta mas sem ilusões. Esperemos que a escolha moçambicana não saia frustrada e que o povo, de modo especial os mais pobres, possam ver e viver com mais esperança o dia de amanhã. Nós estaremos sempre ao seu lado.

30 de setembro de 2009

Onze meses, um(a) inimigo(a)...


Edmilson
Itoculo


Onze meses passaram, desde que cheguei em Moçambique e em Itoculo. Como todos podem imaginar, estes meses têm sido tempos muito bons e de muitas alegrias. Fiz muitas novas amizades, e sempre me senti em casa, tão amável foi a recepção que me fizeram.
Contudo, nem tudo são rosas (frase um tanto poética, mas cheia de verdade e de sentido), porque também há os espinhos. O meu espinho tem sido uma inimiga que encontrei aqui: - nanikhitco (malária). Uma inimiga muito poderosa, pois tem um grande e poderoso exército: - Ipwilimwithi (mosquitos). Nos primeiros meses a nossa convivência foi saudável e favorável, mas passados dez meses começou a hostilidade, e eu, até agora, não sei a troco de quê... nestes dois últimos meses travámos já duas fortes batalhas, e até agora ela tem levado a melhor.
O primeiro combate teve início no dia 16 de Agosto, e como consequência fiquei de cama, durante uma semana, perdi alguns quilitos, mas um homem forte não desiste à primeira, então comecei uma grande investida, com vista a uma rápida recuperação, e até parecia que estava a correr maravilhosamente, tinha já recuperado uma parte dos quilos que tinha perdido... e um mês depois (a 19 de Setembro) «bum», o segundo embate.
Neste segundo embate as consequências não foram tão devastadoras como na primeira, mas também fez os seus estragos: - Quatro dias na cama, e (o pior de tudo) novamente o peso entrou em défice, pois perdi os quilos que tinha recuperado já, e outros tantos.Mas tenho que afirmar que o poderio mostrado pela minha adversária em nada me assusta, pois não só já estou de pé (e firme), como também já reforcei o sistema de defesa e de proteção contra os soldados da malária... esta luta, embora um pouco amarga, tem sido interessante, pois agora já posso falar da malária com conhecimento de causa, porque já sei o que ela é... afinal ela me tem acompanhado nestes últimos tempos e isso permite um conhecimento mais próximo, mas confesso que ela é mais simpática e mais bela vista ao longe (pois é menos amarga, não dá vómitos, dor de cabeça ou febre...)

1 de setembro de 2009

1+1=PLURAL
"Sendo muitos, formamos um só corpo…"


Raul Viana
Itoculo
Com o tema «Chamados a ser apóstolos de Cristo Jesus por vontade de Deus» participei no Retiro organizado pela Diocese para as Equipas Missionárias. Depois de um tempo de inserção e trabalho pastoral na Paróquia de S. José de Itoculo onde estou descobrindo e conhecendo pouco a pouco a realidade local, chegou a vez de fazer uma paragem e leitura missionária ao completar 7 meses da minha presença em Moçambique. O resultado final revela um saldo bastante positivo.

Porém o que quero partilhar aqui é a experiência do Retiro vivido na última semana de Agosto. Além de ser o meu primeiro Retiro nestas terras banhadas pelo Índico, ele teve uma particularidade muito própria de qualquer outra realidade missionária «ad gentes»: pluralidade de pessoal missionário.

Com D. Ernesto, Bispo de Pemba a orientar o Retiro, os participantes foram estes:
- D. Germano, Bispo de Nacala;
- P. Bartolomeu (Diocesano - Nacala)
- P. Adérito (Diocesano - Nacala)
- P. Marcelo (Verbita - Indonésia)
- P. Pablo (Comboniano - México)
- P. Gino (Comboniano - Itália)
- P. Amine (Vicentino - Eritreia)
- Irª Augusta (Espiritana - Portugal)
- Irª Telma (Agostiniana - Honduras)
- Irª Carla (Comboniana - Costa Rica)
- Irª Catarina (Pilarina - Quénia)
- Irª Maria (Agostiniana - Peru)
- Irª Gladis (Bom Pastor - Argentina)
- Irª Berenice (Pilarina - Colômbia)
- Irª Júlia (Agostiniana - Moçambique)
E, eu mesmo, oriundo desse cantinho europeu à beira mar plantado…

Já deu para ver que o grupo não era grande, mas a diversidade cultural e religiosa foi coisa que não faltou. Da mesma forma, vendo a média etária dos participantes, eu mesmo fui lançado lá mais para a frente, coisa que não estava habituado quando participava nos Retiros e outros encontros antes de cá chegar.

Ou seja, além do encontro cultural com este povo macua, há outros tantos encontros pluriculturais que nos fazem descobrir a grandeza e diversidade desta Igreja Missionária. De facto, nesta variedade de semblantes e fisionomias, hábitos e costumes, gestos e expressões, ideias e sentimentos… todos nos unimos num mesmo centro: Jesus Cristo.

Num mundo globalizado esta realidade pluricultural deixa de ser única dos missionários e se multiplica um pouco por toda a parte. Porém, quando tudo isto acontece com base no Evangelho e com motivações religiosas, espirituais e missionárias, parece ser diferente de tudo o demais. Quem vive assim, o pode testemunhar.

Por aqui termino mais uma breve partilha missionária do muito que se vai vivendo onde as palavras são poucas para descrever e também escasseia o engenho de as juntar.

4 de agosto de 2009

No meio de um povo religioso


Raul Viana

Itoculo



Entre as muitas características deste povo ressalto aqui a sua dimensão crente e religiosa. A partir dos encontros celebrativos que tenho nas comunidades surpreende-me ver a maneira como as pessoas rezam. A simplicidade dos seus espaços de culto e a sua atitude interior de oração manifestam uma convicção religiosa sentida e profunda.

De facto, se olharmos o seu passado e conhecermos a sua origem, vemos que os macuas são um povo religioso por natureza. É interessante conhecer a forma como eles entendem a origem da vida: tudo está ligada ao mito do Monte Namuli, onde se diz que os primeiros homens depois de serem criados por Deus, organizaram uma viagem até à planície, descendo por vários caminhos e, na medida em que se multiplicavam, iam-se separando, dando origem aos diferentes grupos que hoje compõem o povo macua. Para além da descrição criacional, sobressai o conceito basilar do Deus Criador a quem eles adoram.

A crença neste Deus - Ser Supremo - é um elemento importante para a unidade e consistência das suas vidas. Só Alguém Superior pode estar na origem de tudo e para quem tudo deve ser orientado. Assim, toda a sua vida está numa estreita relação com Deus, especialmente nos momentos existenciais mais densos: nascimento, adolescência, casamento e morte.

A religião na sua vertente tradicional está sempre ao serviço da vida, dando-lhe harmonia e consistência. Deus, a pessoa e o cosmo são os elementos existenciais e dinâmicos de uma mesma realidade, onde o sagrado e o profano convivem lado a lado. As práticas de culto, através da mediação dos antepassados, visam obter protecção pessoal e comunitária nas diferentes etapas do ciclo vital. Aí Deus é invocado como o Pai da Vida.

Assim constata-se que o sentido religioso está bem presente neste povo macua, onde Deus faz parte do seu pensamento e das suas preocupações. A negação de Deus seria a negação da própria vida, um negar-se a si mesmo. Um mundo sem Deus não tem sentido, pois só Ele lhe pode dar beleza e harmonia, face a tantas fragilidades vividas no dia-a-dia.

Enfim, constatando esta realidade que me envolve do ponto de vista religioso, a Religião Tradicional é a que sobressai e da qual quase todos participam, mesmo os muçulmanos e os nossos cristãos. Trata-se de uma realidade entranhada na vida deste povo, que não é fácil despir.

Perante esta certeza evidente de um povo religioso e respeitador dos verdadeiros valores da vida, há um conjunto de questões que se podem levantar: De que forma pode o cristianismo iluminar a vida deste povo? Que elementos da religião tradicional se podem integrar na fé cristã? Ou simplesmente, como evangelizar este povo religioso? A resposta a estas e outras questões seriam uma grande ajuda em todo o processo evangelizador. Porém, sei que para se conseguir uma resposta séria e satisfatória é preciso tempo e maior compreensão. Por isso, prossigo questionando e buscando respostas, mas acima de tudo deixando que seja o Espírito Santo a iluminar todo este caminho, a fazer ver as «Sementes do Verbo».

Raul Viana

14 de julho de 2009

olaxérya

Pedro Fernandes
Itoculo



Os últimos tempos, para mim, têm sido de despedida: olaxerya. Deixo Itoculo e Moçambique ao fim de quase treze anos de permanência, depois de tanta coisa acontecida e de tantas experiências que me foi dado fazer. Neste sinuoso rio que é a nossa vida, o momento actual é, assim, de dizer adeus.
Todas as situações da vida são significativas –todas sinalizam Deus e os outros- e esta situação das despedidas também é assim. Não é das mais agradáveis, mas recorda algo de essencial, absolutamente necessário para que a vida não perca sabor: nada é nosso. A tendência humana mais natural é apropriarmo-nos da nossa vida, dos nossos projectos, do nosso trabalho, do nosso pequeno universo de relações, de sucessos, assenhorearmo-nos do nosso chão, de todo esse conjunto de “posses” que nos faz sentir seguros e no nosso lugar. Despedir-se recorda algo de fundamental na vida cristã, que lhe confere todo o seu dinamismo e esperança: estamos a caminho, não temos aqui –qualquer que seja esse “aqui”- morada permanente, precisamos de ter as malas feitas e alicerçar as nossas seguranças em algo de mais fundo que num capital pessoal a que chamamos “nosso” e radicarmos no único absoluto, o único que permanece e que dá sentido a tudo: Jesus Cristo, Deus. Dessa maneira, mesmo as coisas mais simples e aparentemente insignificantes ganham uma áurea de eternidade e tornam-se fonte de alegria, não porque são nossas, mas porque, pelo contrário, nos ajudam a ser mais livres, mais nós mesmos, mais de Deus.
Hoje fui à comunidade de Mavule, que me tinha pedido para não ir embora sem lá celebrar antes uma “missa de despedida”. Lá encontrei muitos cristãos, mas sobretudo muitos testemunhos de serena reconciliação com o facto de que tudo na vida muda e que o perder faz parte do crescer. É frequente, nas despedidas, dizerem-me, de um modo ou de outro, que devo levar cumprimentos daqui para lá, aonde eu vou. Para os macuas, partir não é só deixar, é levar, é comunicar algo do que ficou para trás, mas inevitavelmente nos acompanha. E é nisso, afinal, que consiste a missão, que é a partilha de um dom recebido, e passa pelo anúncio de um Palavra antes escutada, uma apresentação de uma presença antes experimentada.
Na minha terra, antes da partida de um missionário ou missionária, é frequente organizarem-se “missas de envio”, cerimónias em que a comunidade eclesial se compromete com o missionário, dizendo-lhe que ele não vai só, mas é enviado e leva a Igreja toda consigo. Hoje, em Mavule, percebi que aqui é exactamente assim, a minha “missa de despedida” foi, talvez mais, uma “missa de envio”. Serena, discreta, sem nenhuma pretensão de enviar para longe o nosso padre, para ele lá ir como salvador ou solucionador, mas nessa mansa e fraterna atitude de partilha, de deixar partir guardando, no entanto, o único essencial: a comunhão. E a comunhão está para além da presença física, ela ultrapassa tempos e espaços porque bebe o seu ser no próprio ser de Deus. A comunhão é eterna.
Por isso, despedir-se é, afinal, transfigurar a separação, dar-lhe sentido e transformar as partidas e chegadas numa permanente festa da missão. Estamos sempre a partir, estamos sempre a chegar; estamos sempre a acolher, estamos sempre a despedir: gente, experiências, situações... tudo vai e tudo vem. E na vida tudo permanece naquilo que em nós transformou e nos impulsionou a transformar à nossa volta.
Há um mês, um pouco antes da partida para férias do meu irmão Damasceno, organizou-se, no centro da paróquia, um festa de alcance paroquial, para a minha despedida e para a apresentação oficial do novo pároco, o P. Damasceno. Também aí a mesma intuição: a missão é a partilha de uma peregrinação, de uma caminhada em Cristo, para Cristo e com os irmãos, que não nos pode deixar quietos, mesmo quando nem mudamos de lugar. Nessa ocasião foram várias as manifestações de amizade e solidariedade, todas a recordar-nos esse essencial que permanece: o amor.
Peregrinar é uma questão de amor, partir ou chegar só faz sentido se for vivido como caminho feito em comunhão: sair com os outros, para os outros e pelos outros. E isso é que é a alma da missão: partir por amor, chegar por amor... A única força capaz de realmente transformar alguém, ou alguma coisa, é o amor. Só o amor desinstala de si, só o amor nos faz sair de nós mesmos, só o amor dá sentido e fecundidade às perdas e separações. Nisso consiste o amor. E é por isso que, como nos diz Paulo, só o amor permanece... Só no amor podemos acreditar, só nele podemos esperar, só o amor tem futuro, só o amor salva: esse único e irrepetível amor de Cristo na Cruz.
As despedidas são um dos grandes ícones da grande despedida, que é também a grande chegada: a morte. A peregrinação da nossa vida é feita de mortes e ressurreições, e é, por isso mesmo, a experiência que nos é dado fazer da morte e Ressurreição de Jesus, na qual participamos pela fé e na esperança. Esta experiência pascal é, enfim, a alma mesma da nossa vida: nada se perde, de nada nos separamos definitivamente, tudo se transfigura, como é transfigurada a Cruz em glória e a morte em ressurreição. Mas não há ressurreição sem morte, como não há, neste mundo, amor sem dor. Quem quer amar, deve caminhar e sentir a dureza do caminho.
A missão é, afinal, uma questão de amor... Deixo Itoculo com essa convicção e essa esperança. E é por isso que, olhando o futuro, só o amor e a confiança em Cristo podem dar força e sentido a novos investimentos. A missão é uma questão de amor...

25 de junho de 2009

GPS missionário de itoculo


Raul Viana
Itoculo

Ao entrar directamente na pastoral paroquial de S. José de Itoculo, ainda que principiante, partilho aqui alguns elementos de carácter geral, e outros de índole particular, sobre o local onde me encontro. Trata-se de uma simples partilha que visa consciencializar-me melhor da realidade onde estou inserido.

Enquadramento sócio-político e religioso
Olhando o mapa geo-político, a Paróquia de S. José de Itoculo corresponde à área do Posto Administrativo de Itoculo com cerca de 1227km2. Este Posto depende civilmente da Administração Distrital de Monapo (a 25km) que por sua vez está dependente do Governo da Província de Nampula (a 170km).
Itoculo tem uma densidade populacional que ronda os 70 mil habitantes, quase que exclusivamente de etnia Macua (a maior do país). A grande maioria da população vive da agricultura tradicional e familiar (cultura do milho, algodão, gergelim, feijão, mandioca, caju, etc…).
No campo religioso, há também uma grande diversidade, como vemos pelos diferentes centros de culto. A predominância está na religião Tradicional, no Islão e no Cristianismo. Entre os cristãos há, também, uma grande variedade de Igrejas Protestantes e Seitas. Neste contexto plural e de respeito situam-se os Católicos que rondam os 8 mil praticantes, o equivalente a 12% da população local.

Situação paroquial
A Paróquia de S. José de Itoculo tem uma história muito recente. Foi erigida canonicamente em 19 de Março de 2004 por D. Germano, integrando as 24 Paróquias da Diocese de Nacala. A Paróquia divide-se em três Regiões (Congo, Djipwi e Xihire) em vista a facilitar o trabalho pastoral, mas tudo está em função de uma única Comunidade Paroquial. Por sua vez, cada uma destas 3 Regiões subdivide-se em Zonas (15), e estas em Comunidades Cristãs locais (77).
Enquanto Equipa Missionária (Padres e Irmãs) a nossa missão passa por dar formação aos animadores dos diferentes sectores da pastoral no Centro Paroquial e em cada Região. Cada semana há formação para os diferentes grupos de animadores ou catequistas, anciãos, jovens, casais, mamãs, professores, animadores de justiça e paz, saúde, vocações, infância missionária e comunicação social. Mensal ou bimensalmente todos estes animadores recebem formação para dinamizarem os demais cristãos no seu compromisso baptismal.

Objectivos pastorais para o biénio de 2008-2010:
Em comunhão com toda a Diocese, também aqui se dá atenção à problemática das pessoas jovens em união de facto; à implantação da Obra da Infância e adolescência missionárias; aos problemas pessoais e injustiças sociais, tais como: alcoolismo, gestão do trabalho e dos seus frutos, auto-estima e dignidade pessoal, violência doméstica, aborto, abusos de poder político e judicial, abusos dos serviços sociais e das entidades patronais, e comércio justo.
É neste enquadramento social, cultural e eclesial (e com o GPS assim alinhado) que me situo e nele procuro viver o meu ministério sacerdotal. Na sequência de um trabalho pastoral já efectuado, procuramos ser sinais vivos do Espírito que continua a derramar os seus dons sobre cada um dos filhos de Deus que em Jesus Cristo têm um irmão e um amigo impar.

4 de junho de 2009

falar sonhando ou sonhar falando...

Raul Viana
Itoculo



No momento em que termino o curso de língua macua, dou-me conta que isto foi apenas uma introdução geral, a qual vai exigir de mim mais esforço e continuidade. De facto, todos nós que participamos no curso, tivemos acesso ao estudo da gramática, à leitura ritmada, ao conhecimento e significado de muitas palavras… Porém, o verdadeiro estudo começa agora, nos encontros de cada dia, no contacto com a realidade do povo que vai ensinar e formular o conteúdo desta língua completamente nova e exigente.

Contudo, este primeiro contacto deu para começar a ler em macua, mesmo que gaguejando! Na segunda etapa vou procurar entender o que as pessoas falam. Posteriormente, tentarei dialogar, começando a falar em macua. Por fim, (já depois de muito saber!!!) será a parte dos sonhos em macua. Portanto, sequencialmente e sem limite de tempo, assumi este programa: ler, entender, falar e sonhar.

Só para perceber um pouco, os macuas são o grupo étnico mais numeroso dos povos que integram Moçambique. Por isso mesmo, a língua macua é também a mais falada neste país, concretamente, na região norte. Abrange uma área geográfica considerável: Províncias de Nampula e Zambézia, e partes das Províncias de Cabo Delgado e Niassa. Isto faz com que haja também algumas diferenças dialectais (macua do interior, macua-meto, macua-lomwe, macua do litoral…), mas tudo parte de um mesmo tronco comum.

Tanto quanto pude perceber, o macua é uma língua que precisa de ser estudada e estruturada pelos linguistas e outros especialistas. Foram feitos alguns trabalhos neste sentido, mas revelam-se insuficientes. Este parece ser um dos pontos que dificulta a aprendizagem da língua, pois falta uma gramática e um método próprio, válido e consensual e, ao mesmo tempo, gente capacitada para o ensinar. No entanto, parece haver sinais de um futuro promissor.

No meio de tudo isto, não podemos esquecer que o esforço de muitos Missionários neste campo foi, e continua sendo, bastante considerável. A eles se deve muito do que existe na actualidade e que são bons instrumentos para quem quer aprender. Por outro lado, as publicações existentes em língua macua são prevalentemente de carácter religioso (bíblico e litúrgico e pastoral). Na verdade, são poucos os escritos nesta língua, o que faz pensar que a língua macua existe para ser falada mais do que para ser escrita.

Sinto que tenho um grande trabalho pela frente (ler, entender, falar e sonhar em macua) em vista daquilo que me faz estar nestas terras. Por outro lado, olhando a realidade envolvente à paróquia de S. José de Itoculo, regozijo-me e aprecio os meus colegas e confrades (PP. Pedro e Damasceno) que, neste esforço de aproximação, conseguem falar fluidamente a língua do povo. À excepção dos padres diocesanos autóctones, não são muitos os que conseguem fazer semelhante proeza. Portanto, uma rica e bonita herança para quem fica por estes lados.

22 de maio de 2009

três três três...
DIFICULDADES SÃO DESAFIOS


Raul Viana
Itoculo


Ao completar 3 meses da minha chegada a Moçambique, no 3º Domingo da Páscoa, nós os 3 Padres de Itoculo fomos celebrar em 3 zonas diferentes da Paróquia e para isso precisamos de 3 carros. Saindo de manhã cedo chegamos a casa pelas 3h da tarde... Não vou fazer aqui uma reflexão sobre o número 3, até porque o carro que conduzia apenas tinha 4 rodas!

Desta vez a Celebração Dominical era numa zona relativamente perto e com caminho acessível, e por isso dava para arriscar afim de que a comunidade não ficasse sem celebração, embora o carro que levava estivesse sem pneu sobressalente. Com todo o cuidado para que tudo rolasse bem, fiz uma viagem tranquila e cautelosa. Mas ao chegar junto da capela, precisamente ao estacionar, ouço um ruído forte de ar. Fui ver o que era e em pouco tempo percebi que se acabaram as esperanças de regressar a casa de carro.

Saudamos os cristãos aí presentes, preparamos e iniciamos a Celebração. Diferente dos outros Domingos, neste dia eram apenas 3 catecúmenos apresentados para os Sacramentos de Iniciação (Baptismo, Crisma e Eucaristia), sendo que 2 deles também celebraram o Matrimónio. Este reduzido número condiz com a fraca participação das 4 comunidades desta zona. Uma realidade que precisa de ser revista!

Após o almoço, como se faz no fim de cada Celebração, apenas restava regressar a casa. Entretanto, o Animador da Comunidade insistiu para que visse o espaço para a construção da nova Capela. Talvez esteja aqui um dos factores da reduzida participação. Lá nos deslocamos, pensando que encurtávamos caminho, apenas retardamos e não resolvemos nada, pois não havia consenso unânime na escolha do terreno.

Por fim, lá nos metemos a caminho de casa. Os 20km percorridos com o carro, eram reduzidos a cerca de 12km de corta-mato. Seguindo com quem conhece o caminho, com o sol no seu esplendor, os passos eram decididos, apesar do espanto de alguns transeuntes. Fatigado da caminhada para a qual não estava devidamente equipado, logo que cheguei procurei refrescar e recobrar as energias que deram espaço a novo alento.

Enfim, tudo isto para partilhar alguns imprevistos da vida e da missão, onde nem sempre tudo corre bem, mas onde é preciso seguir de forma decidida. Por outro lado, tudo isto me fez pensar no que aprendi nos últimos anos: «Dificuldades sempre haverá… o importante é fazer delas verdadeiros desafios». Ou seja, descobrir em cada imprevisto, dificuldade ou problema um desafio ajuda a superar obstáculos e a progredir no caminho, permite enfrentar cada situação com espírito positivo e renovador. Assim se vai vivendo por estes lados!

8 de maio de 2009

A missão é uma festa


Edmilson Semedo
Itoculo


Esta frase não é minha, já alguém tinha descoberto esta verdade muito antes de mim, mas isso não me impede de usar este slogan, pois estou a viver neste momento a experiência disso mesmo.
Desde que cheguei nesta terra maravilhosa, encontrei coisas diferentes, e mesmo estranhas, mas aconcheguei-me na abertura e simplicidade de um povo manso e bom: As crianças sempre simpáticas, querendo pegar na mão do “irmão Edmilson”, ou dar um “tá-tá” (adeus) quando passo na estrada. A festa grande é mesmo quando paro para perguntar “ihali?” (novidades?). Os gestos de simplicidade não ficam por aqui. Vou relatar um episódio recente:
Estava a voltar do campo de futebol e encontrei a irmã Adelaide a conversar com umas crianças que vinham da escolinha. Então pus-me a conversar com elas, apesar de não ser capaz de o fazer em macua por muito tempo. Depois comecei a ver os seus desenhos e a elogiar a capacidade artística de cada uma delas. No fim segui para a casa, com a irmã Adelaide, depois de dar os “tá-tás”. Elas começaram a saltar e a cantar “patiri, patiri” (padre, padre), em dois coros, e a acenar.

Estes gestos simples é que nos ajudam a fazer de cada momento um convívio que faz a missão ser festa sempre e em cada dia. Estes momentos não nos deixam indiferentes e por isso, sentimos uma grande alegria interior, que nos ajuda a superar os momentos menos agradáveis e a superar as saudades. Resumindo, isto nos faz sentir bem onde estamos. Muitas vezes, temos a tentação de esquecer e não valorizar estes pequenos gestos, mas são estes sinais que fazem a nossa festa.
Os adultos têm a sua maneira de se expressar e de comunicar, mas também nós, as crianças, o fazemos à nossa maneira, não menos importante que os adultos. Eu reconheço a grandeza destes gestos dos pequeninos, porque de outra forma é quase impossível a comunicação, porque não compreendo macua e elas não sabem “ekunha” (português). Nestes casos a linguagem simbólica assume um papel indispensável, pois torna possível a nossa festa: A MISSÃO.

30 de abril de 2009

biblioteca
Paróquia S. João de Deus


Os espiritanos de Nampula instalaram recentemente uma biblioteca na paróquia de São João de Deus. Quem dirigiu estes trabalhos foi o Ronan e a maior parte dos livros foram conseguidos através de uma campanha organizada pelos Jovens Sem Fronteiras em Portugal. Deixamos algumas fotos que dão conta dos vários trabalhos de remodelação/readaptação do espaço do centro paroquial S. João de Deus que serve agora de biblioteca.






















antes

















depois



















22 de abril de 2009

a minha primeira Páscoa em macua


Raul Viana
Itoculo



Na alegria de Jesus Cristo Vivo e Ressuscitado partilho a vivência da minha primeira Páscoa entre os macuas e em macua. Não há nada de especial, apenas em jeito de simples partilha missionária marcada pelo curto tempo, mas intensamente vivido, deixo aqui algumas palavras sentidas nesta Páscoa.

Na verdade, já lá vão dois meses e meio, por isso, começava a ser tempo de arriscar. A ausência inesperada de um padre colega aqui na paróquia fez com que tivesse de assumir as Celebrações da Semana Santa e da Páscoa. Quando recebi esta notícia estremeci, pois não me sentia minimamente à vontade para presidir às grandes Celebrações Pascais numa língua completamente nova. Mas com treino intensivo lá fui afinando o ouvido e a língua de forma a ser entendível! Só sei que no Domingo de Páscoa à noite dormi muito bem!!!

Tudo isto começou no Domingo de Ramos. Aqui celebrei a minha primeira Missa em macua, que coincidia com o Encontro Paroquial de Jovens. É verdade que este tempo agora ainda é quente e húmido, mas a transpiração não era devida apenas ao clima!...

Na Quarta-feira Santa tivemos a nossa Missa Crismal na Sé Diocesana da cidade de Nacala com o nosso Bispo D. Germano e todo o Clero (32 padres Diocesanos e Missionários). Celebramos o dia do Sacerdócio que culminou com um almoço convívio entre todos nós: asiáticos, latinos e norte-americanos, europeus e africanos. Esta diversidade geográfica, cultural e juvenil dos sacerdotes, foi um dos pontos que me chamou a atenção.

Quinta-feira Santa: Presidi à Celebração da Última Ceia que teve como particularidade a Consagração Eucarística que posteriormente seria distribuída por toda a Paróquia. O altar ficou cheio de Cibórios que, depois, no sábado seriam distribuídos pelas diferentes comunidades cristãs que iriam celebrar a Vigília Pascal sem Padre. Foi uma sensação de muita comunhão que apenas Jesus Eucaristia é capaz de fazer.

Na Sexta-feira Santa, a Celebração da Paixão do Senhor foi às 15h numa comunidade do interior, a 45km do centro da Paróquia, para o qual foram precisas 2:30h de viagem. Uma grande comunidade de cristãos nos esperava à sombra de uma Mangueira onde decorreu a Celebração, para a qual também foram precisas mais 2:30h. Já de noite regressamos a casa para um descanso merecido.

No Sábado Santo, de manhã, fui levar o Santíssimo à região de Djipwi a 30Km do centro. Aí nos aguardavam os Ministros da Comunhão que receberam devidamente os Cibórios e logo partiram para as suas comunidades para celebrarem a Vigília Pascal. À noite na sede da Paróquia presidi à Vigília Pascal onde os cristãos se congregaram à volta do Lume Novo, da Palavra de Deus, da Fonte Baptismal e da Eucaristia da Ressurreição.

No Domingo de Páscoa todas as celebrações foram nas comunidades do interior da Paróquia. Nesta altura as capelas são demasiado pequenas, por isso nos reunimos sempre debaixo de uma Mangueira, sentados no chão ou em troncos de árvores. Foi a minha primeira Celebração Eucarística em macua com Baptismos e Primeiras Comunhões. Ao fim da tarde, após um tempo de Adoração Eucarística, toda a Equipa Missionária de Padres e Irmãs nos reunimos para o jantar pascal onde não faltou a alegria e uma mesa mais recheada que o normal.

Enfim, esta partilha apenas tem de especial a novidade do primeiro impacto de quem é novato nestas terras e para quem se deixa surpreender com pouca coisa! É uma impressão inicial, que vale apenas por isso mesmo. Outras coisas me vão interpelando, tais como o rigor e exigência que pedem a cada cristão que na sua simplicidade acatam e colaboram. Da mesma forma, o esforço que fazem para participar na formação e celebrações cristãs, revela um bom e grande compromisso com Jesus e a Sua Igreja. Ressalta ainda uma grande dependência material, que mais parece um vício adquirido no passado, contra o qual estamos lutando no sentido de buscarem formas de auto-sustento. Mas na verdade, são imensas as limitações e muitas dificuldades por que este povo passa, que de forma resignada vai aceitando as contrariedades da vida.
Termino com uma saudação muito fraternal e de plena comunhão na Vida e na Missão. Que Jesus Cristo Vivo e Ressuscitado tal como apareceu e se encontrou com seus Discípulos também nos encontre reunidos como Igreja viva e comprometida com a causa dos mais desfavorecidos e com vontade de O seguir generosamente. Seja Ele a iluminar cada um de nós e cada família na fé, esperança e caridade.
furos e Avé-Marias


Damasceno
Itoculo
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Escrevo alguma coisinha só para contrariar o monopólio do Raul (o gás com que está agora há-de passar).
No outro dia viajando para Nacala tive um furo. Nada de extraordinário, não fosse o facto de também o pneu suplente ter o mesmo problema. Ainda assim, a situação não seria desmesuradamente grave, tendo em conta que hoje em dia os prontos-socorro estão ao alcance de um telemóvel. Só que, mal digitei os primeiros números, a bateria foi-se! Um azar nunca vem só. Antes de começar a pedir boleia, dirigi-me às palhotas das redondezas para contratar alguma alma “caridosa” que, por um preço razoável, pudesse ficar de olho no carro enquanto eu levava o pneu à oficina. Assim que saí da estrada passou um carro conhecido que me teria dado boleia se me tivesse visto. Isto doeu-me sobretudo quando, depois de meia eternidade à torreira do sol, me apercebi que dos raríssimos carros que passavam nenhum dava sequer sinais de abrandar (a estrada ali era boa e proporcionava velocidades desportivas)...

Enfim, decidi que podia rezar o terço para não dar o tempo por completamente perdido. E – não sei já em que Avé-Maria foi, mas foi no primeiro mistério – eis que um carro novinho em folha, de homem com dinheiro, atendeu a minha prece. Depois de lhe agradecer, o condutor respondeu-me que a sua intenção era cumprir o evangelho de Jesus e socorrer os irmãos. Tratava-se de um cristão, mas não de um qualquer. Era da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. – Mas porque é que a Mãe de Deus, neste milagre, me foi enfiar no carro de um herege? – perguntava o meu preconceito.

Depois de mais uns quantos dedos de conversa ecuménica, fiquei também a saber que o homem era um alto quadro a trabalhar no ministério das finanças. Talvez por isso cheirava tanto a luxo, quer o carro quer o fato dele. Na despedida convidou-me a visitá-lo no local de trabalho. Se calhar a Providência também previu isto! Ter amigos nas finanças vem mesmo a calhar!

13 de abril de 2009

hotini!

Raul Viana
Itoculo
Na língua macua a resposta que se dá a quem pede licença para entrar, é «Hòtini!» (Faça favor!). Com esta permissão dei início ao segundo momento nestas terras moçambicanas, dedicando o meu precioso tempo ao estudo da língua macua. No meio de uma conversa sobre a possibilidade e a disponibilidade de frequentar o curso de língua macua, um missionário experiente interveio justificando a importância do mesmo com uma história muito simples:

«Um certo dia dois jovens foram ao bosque. Era um grande bosque de árvores frondosas cujos ramos podiam ser cortados para suavizar o frio inverno que se aproximava. Em jeito de desafio, apostaram qual deles conseguiria cortar maior quantidade de ramos. Ambos tinham idêntico

instrumento para a sua tarefa: uma simples serra. Deram entre si o sinal de partida e logo treparam por diferentes árvores. Pouco tempo depois começaram a cair os primeiros ramos cortados. Cada um procurava fazer o seu melhor, de tal maneira que os dois em pouco tempo já transpiravam por todo lado. Tomando consciência da sua situação, um deles decidiu parar e descer da árvore. O outro ao vê-lo descer, intensificou o seu trabalho esforçando-se por aumentar o seu número. Entretanto o que descera, sentou-se junto da árvore e estrategicamente começou a limar a sua serra, pensando que desta forma poderia cortar facilmente mais galhos. E assim aconteceu. Voltou a subir à árvore e com menos esforço, dentro do tempo determinado, conseguiu cortar mais rápido que o seu colega. No fim somou maior quantidade de ramos cortados, vencendo o desafio».

Não me foi difícil descobrir a lição desta pequena história. De facto, aquilo que aparentemente parecia ser um atraso na concretização de uma missão, acabou sendo um avanço considerável. A preparação, na sua aparente perda de tempo inicial, pode desembocar num maior e melhor crescimento. Equipar-se devidamente para uma grande viagem permite vislumbrar outras tantas possibilidades para chegar muito mais longe.

Na verdade, esta história fez-me considerar a minha posição actual em relação à aprendizagem da língua macua. Olhando a realidade da paróquia de S. José de Itoculo (Diocese de Nacala), tal como a realidade das demais paróquias do interior, sem o conhecimento da língua local é muito difícil contactar e dialogar com as pessoas. Aqui o português, embora sendo a língua nacional de Moçambique, é insuficiente para fazer qualquer acção pastoral séria e responsável com garantias de algum resultado positivo. «Entender e ser entendido» é um ponto de partida essencial para qualquer acção humana. Assim, também, sinto que preciso de aprender a língua e a linguagem das pessoas macuas.

Não escondo que a tentação é de partir de imediato para o trabalho. Na verdade, são grandes e urgentes as necessidades com que os missionários se deparam a todos os níveis. Já muito foi feito e ainda há muito para fazer. Porém, sem cair no erro de viver num esforço constante mas com reduzida «eficiência e eficácia», se é que se pode falar de evangelização nestes termos, é importante estar bem preparado e apetrechado com os instrumentos necessários.

Como um instrumento de que Deus se serve para visualizar o Seu Amor, sinto-me chamado a viver bem esta missão como uma exigência do compromisso assumido. Para tal preciso de me equipar com os meios necessários para levar a cabo a missão confiada: aprender e ensinar, receber e partilhar, conviver e amar, evangelizar, ser e estar… em «união prática».

Acredito e peço a Deus, Senhor da Vida e da Missão, que nos fortaleça e ajude a viver intensamente este Tempo da Ressurreição que acontece uma vez mais para todos nós. Assim, o silêncio e a morte são vencidos para dar lugar ao canto festivo da paz e da alegria de Cristo Vivo em cada coração.

Empaka nihiku nikina, Muluko ajaliwà! (Até outro dia, se Deus quiser!)

4 de abril de 2009

O baptismo das colinas
o meu segundo caminho de cruz
depois da Tanzânia

Chrislain Bintsitou
Inazonya
O padre Chrislain Bienvenue BINTSITOU, CSSp, é originário da Região espiritana de Congo Brazzaville. Vindo da Província da Africa Central pela SCAF. Está a aprender o português e, para por em prática o que já aprendeu, partilha connosco alguns pormenores da sua chegada a esta missão.

No dia 27 de Dezembro 2008, cheguei no chão Moçambicano. Entrava por Pemba no dia 27 de Dezembro, depois de ter passado pela Tanzânia. Passei por Nampula no mesmo dia e fiquei lá durante 3 noites; Entretanto, visitei a comunidade de Itoculo e passei lá uma noite; Voltei a Nampula. No dia 30 passei pela Beira e Chimoio. Finalmente, cheguei em Inhazonia no mesmo dia 30 às 18h30.

Na ausência do Pároco, fui recebido pelo Padre Damien, Irmão Oliver (estagiário Espiritano) e irmã Albertina que representava a equipa pastoral e os cristãos. Fui bem recebido em todas as comunidades da Paróquia São Paulo de Bárué.
Depois da recepção pelas comunidades, durante as missas, começou o meu Baptismo das colinas, um Baptismo de fogo. Não conhecia as línguas: português e bárué (a língua local). Estava lá como um menino que não podia falar e andar. Neste momento, era para mim o primeiro Baptismo das “colinas e montanhas”.

Com efeito, é lá a parte da iniciação que começou. É a fase da observação e iniciação à vida das comunidades da paróquia, à cultura Moçambicana em geral e da Diocese em particular. Para mim, a prioridade é a aprendizagem da língua, pois, por enquanto “sou um menino que deve aprender a andar e a falar; um menino que deve aprender os costumes de Moçambique”. Sozinho, não posso. Os meus confrades e também outras pessoas podem ajudar-me. Sem eles, sou como um rio que tem curvas por falta de um guia. Não é fácil. Portanto a Missão é a mesma; mas os meios da aplicação dependem do contexto. Primeira evangelização tal é a minha “constatação” depois de dois meses que cheguei aqui.

No fim de contas, dizia: “que Baptismo das colinas e montanhas?”. Pouco a pouco, o homem que sou vai criando um lugar entre os Moçambicanos. Um lugar social, antropológico, “Eclesial” ou “Igrejal”… Estou consciente do trabalho que está à minha espera.

Que Maria, a mãe da missão e Jesus o missionário por excelência estejam comigo nos caminhos da missão.
Que o Espírito Santo me queime para abrir em mim as vias da missão, pois o Espírito diz-me: “Levante-te e parte, a ceifa é abundante…”

Assim, o Padre Libermann dizia: “ fizestes-vos negro com os negros” e eu digo: “eu me farei Moçambicano com os Moçambicanos”.

Padre Crislão Bienvenue BINTSITOU, CSSp, Comunidade de Inhazonia

21 de março de 2009

Levar sem licença…


Raul Viana
Itoculo



Aconteceu que um certo dia fomos ao centro da vila do Distrito. Entre as diversas actividades que se fazem nesses momentos com o fim de evitar repetidas viagens, parámos no mercado central. Precisávamos de uns pequenos baldes plásticos para o Centro Paroquial. Aí apreçamos o valor comercial e pareceu-nos demasiado caro. Imediatamente um de nós saiu do carro e penetrou o mercado para encontrar mais barato. Enquanto ficamos no carro aproveitamos para enviar e receber a informação que a rede móvel nem sempre permite fazer no interior. Enquanto se digitalizava um SMS, de janelas abertas por causa do calor abafado que se fazia sentir, uma mão inesperada agarrou o telemóvel e correu de imediato por entre o emaranhado de tendas comerciais do mercado local. Ainda se gritou para apanhar o ladrão, mas nada nem ninguém interveio, apenas o interceptado correu mas sem grande sucesso. E assim, sem pedir licença o rapaz fugiu com o telemóvel... A frustração de ter sido roubado marcou o rosto de quem nada podia fazer face a tanta agilidade e prática na aquisição de bens alheios.

Entretanto, chegou quem foi comprar os baldes com a satisfação de os ter encontrado mais baratos. A partilha dos factos ainda quentes e a decisão do que fazer foi o ponto imediato que misturou sentimentos. Partimos de logo em direcção ao posto da polícia, embora sem grande esperança, pois não parecia haver grande tradição de conseguir apanhar tais larápios. Expôs-se o caso ao chefe de serviço que de imediato dispôs um homem para recolher mais informação. O mesmo carro do assaltado serviu de transporte para «voltar ao local do crime». Em poucas palavras o agente conseguiu os dados necessários sobre o indivíduo em causa. Afinal, ele era um jovem reincidente na matéria. Voltamos ao posto e fez-se o processo de apresentação da queixa de furto. Com o tempo necessário para tudo dactilografar, lá se deixaram os dados pessoais, acompanhados de uma promessa que compensaria o reaver do aparelho. E, assim, meio desapontados, regressamos a casa. Brincando com a situação fizemos uma viagem tranquila.

Passados uns dias, chegou um telefonema para ir ao posto da polícia. O aparelho em causa foi recuperado e o jovem já estava no local daqueles que gostam das coisas alheias. Inicialmente estranhamos tanta eficácia, mas foi mesmo assim.

Chegados ao local confirmou-se o sucedido com factos reais: era o mesmo telemóvel que pouco sofrera do seu estado normal. Ao lado, numa cela que dava para o pátio interno do posto policial, estava retido aquele que o levou sem pedir licença. Não lhe faltava companhia no mesmo espaço em condições indescritíveis. Uma breve visita aproximou a «vítima do criminoso». Separado por um muro e umas grades, lá se incentivou a não repetir as mesmas cenas, apelando a procurar outros modos de ser e estar em sociedade.

Porque era um jovem reincidente, habituado ao crime desde criança, aguardava o julgamento de outros casos. Na verdade, por detrás das grades estava o rosto de quem não come há já alguns dias e sem possibilidade de o conseguir tão facilmente. Face a isto, aquele que fora vítima sentiu-se interpelado a deixar algum dinheiro para comprar pão para o seu ladrão. Da mesma forma, ao ver o estado da situação, decidiu-se avançar com a retirada da queixa-crime que levava a tribunal o acusado, sendo que para isso lá se teve de «dar um refresco» (quantia monetária compensatória), de forma a concluir o todo o processo.

Algum tempo depois foi julgado e sentenciado com catorze meses de prisão, mesmo sem contar este acto ilícito. Lá voltou à cubículo prisional para aí passar mais uns meses. Desta vez terá direito ao reduzido alimento do estabelecimento prisional. Não sabemos mais deste jovem, mas esperamos que consiga resistir e aprender de uma vez por todas…

No fim de tudo isto, sem vontade de voltar ao preço dos baldes, verificamos que eles ficaram bem mais caros do que o esperado… Além disso, não basta ser roubado, é necessário ver como está o ladrão e se preciso for sustentá-lo! Facilmente podemos concluir deste caso que o roubo não compensa ninguém, a não ser aos intermediários do processo. Por isso, também não vamos facilitar a quem gosta da vida fácil, por respeito a quem anda e luta por uma vida cada vez mais digna. Enfim, há que ter cuidado para que ninguém pegue sem pedir licença!

27 de fevereiro de 2009

"Hoti!?"


Raul Viana
Itoculo


Hoti!? (dá licença!?). Foi com esta expressão usual e informal que iniciei o Curso de Cultura e Língua Macua no Anchilo-Nampula (Moçambique) no mês de Fevereiro. Tal como é preciso pedir licença para entrar na casa de alguém, também ao estudar a cultura de um povo, por uma questão de respeito e consideração, é necessário requerer esta mesma permissão.

De facto, entrar numa cultura, contactar e estudar aquilo que ela tem de genuíno, significa penetrar num espaço particular, restrito e único. Muito mais do que estudar os hábitos e costumes, trata-se de descobrir a alma de um povo, aquilo que ele tem de próprio e autêntico e lhe dá identidade. E tudo isso merece o máximo de estima e consideração.

Neste Curso inicial juntei-me aos 25 missionários recém-chegados: homens e mulheres, leigos e consagrados, casados e solteiros, católicos e protestantes, africanos e europeus, asiáticos e americanos, principiantes e experientes, ‘verdes e maduros’… Uma grande diversidade cultural disposta a encontrar e a descobrir uma mesma realidade: o povo Makuwa.

Aqui sinto que sou missionário no meio de um povo com a sua cultura e a sua história, o seu presente e os seus projectos de futuro, nos quais Deus também se revelou e continua a revelar. Isto faz-me encarar o estudo da cultura macua com uma atitude de fé, respeito e obrigação. Outros diriam que «a cultura não é algo para ver ou estudar como profanos, mas o campo onde Deus age através das pessoas». (P. Boucher).

Conhecer a história política e religiosa de Moçambique; iniciar o estudo da cultura do povo macua e perceber a sua linguagem simbólica; verificar e analisar a diversidade religiosa local, concretamente a presença cristã; abordar os ritos de iniciação masculina e feminina; fazer uma leitura do panorama sócio-político-económico de Moçambique... Em resumo, estes foram os assuntos que preencheram uma parte essencial do meu tempo aqui.

Enfim, é esta a minha primeira partilha missionária após ter deixado Portugal no dia 25 de Janeiro 2009. O bom desenrolar dos acontecimentos até à data fazem-me sentir confiante para a missão que me vai sendo atribuída. Cada vez que vou descobrindo mais onde me encontro, maiores são os desafios com que me deparo. Porém, não sou o único nem o primeiro nesta situação, e vejo que a Graça de Deus nunca deixa de me surpreender.

A todos os que possibilitaram a minha chegada a esta nova Missão, quero deixar aqui o meu sincero agradecimento e plena comunhão na oração e compromisso missionários. Que o Deus da Vida e da Missão nos fortaleça e nos ajude a viver intensamente este tempo de preparação pascal.

Um abraço amigo

7 de fevereiro de 2009

aprender com os mansos


Damasceno
Itoculo


O povo macua é um povo manso. Pode dizer-se.
Naturalmente também são capazes de se zangar e de limpar o sebo ao vizinho e, de vez em quando, a população pode atingir um certo estado de efervescência face a alguma situação de injustiça ou de calamidade. Mas, de um modo geral, são todos muito calminhos.
Esta propensão para a tranquilidade reflecte-se na forma como vivem e sentem a sua pertença a uma religião. O fanatismo e o extremismo religioso que grassam noutras sociedades, e no mundo global, passam completamente ao lado por aqui! Numa família é muito frequente o pai ser da religião tradicional, o filho ser cristão, a mulher ser muçulmana, a filha ser protestante… etc. Uma salada russa onde as religiões convivem pacificamente. Inclusive, todos participam nas festas e cerimónias da religião do vizinho com a maior das naturalidades.
Para a construção do nosso centro paroquial toda a areia foi extraída do terreno do xehe Amorani, que é uma espécie de bispo dos muçulmanos desta área de Itoculo. Na festa da inauguração do centro foi ele um dos principais convidados de honra, claro.
Ainda não há muito tempo – contam os missionários mais velhos – era possível, numa área de primeiríssima evangelização, as pessoas que queriam iniciar a sua caminhada catecumenal terem por catequista um muçulmano! Isto porque calhava ser este um dos poucos minimamente alfabetizados lá do sítio. Gentilmente se disponibilizava para auxiliar o padre até ao momento em que algum catecúmeno ou cristão fosse capaz de ler o catecismo e assumir o ministério.
No ano passado os crismas de uma certa região da paróquia realizaram-se precisamente no dia mundial das missões, em Outubro. Sendo festa grande não podiam faltar convidados de todos os quadrantes… lá estavam também os xehes. Foi com um certo espanto e graça que vi na fila para o ofertório um senhor de túnica branca e cófió na cabeça (chapéu típico dos muçulmanos). Aquele muçulmano, sem o saber muito bem, ia contribuir com a sua moedinha para a evangelização dos povos, já que era esse o destino do dinheiro recolhido no ofertório desse dia.
Se os fundamentalistas e intolerantes de outras bandas pudessem e quisessem aprender com a brandura e a docilidade do povo macua, este mundo seria um lugar bem melhor.

22 de janeiro de 2009

Um primeiro olhar sobre Moçambique


Edmilson Semedo
Itoculo


























Passaram já quase 3 meses da minha chegada a esta terra maravilhosa, e quero partilhar convosco a minha primeira impressão, ou, como diriam os poetas, dizer um pouco daquilo que me vai na alma. Desde já adianto que não tenho jeito para criar lindas prosas, mas saberei transmitir o que estou a viver nesta abençoada terra africana.
Depois de uma longa viagem, desde Lisboa, eis que aterro em Nampula, onde saboreio o meu primeiro jantar em Moçambique, a 23 de outubro de 2008. De seguida, tomo a estrada de Itoculo, na companhia dos padres Pedro e Damasceno. Mais uma longa viagem, desta feita de carro. Era já noite e as trevas dominam as aldeias, sem luz pública, e de um lado e de outro, só se viam palhotas e as pessoas que caminham, umas a pé e outras de bicicleta. Mais ou menos duas horas do início da viagem, paramos no centro da Carapira onde decorria a reunião do conselho diocesano da pastoral. Passamos lá duas noites, tomamos o caminho de casa, com direito a uma breve passagem pela vila de Monapo, a “capital” do nosso distrito. Ao meio da manhã, chegámos a casa. Começa o primeiro contato com as pessoas, as primeiras apresentações, os primeiros nomes difíceis (que ainda hoje não fixei a todos). O ambiente era de festa (mas não por causa da minha chegada), visto que no dia seguinte era a celebração do aniversário da profissão religiosa das irmãs Alice (bodas de ouro) e Adelaide (bodas de Prata). A celebração da Eucaristia espelhava o ambiente de festa que se vivia. No fim da celebração, os jovens que estavam responsáveis pela animação da festa aproximam-se de mim para me ensinar as primeiras palavras na língua macua. Passou estes tempos e comecei a inteirar-me da vida da paróquia, e claro, o que nunca falta é muteko (trabalho), mas tudo corre maravilhosamente, pois enquanto há vida, há lida (trabalho). Há sempre tempo para uns toques de bola, com os jovens daqui.
Nestes 3 meses não posso deixar de dizer que o povo me aceita com muita abertura e simplicidade, que é uma das muitas caraterísticas deste povo. Uma das perguntas frequentes que me fazem é «onde fica Cabo Verde?» ou «Cabo Verde é aqui em Moçambique?». As crianças estão sempre contentes e eu gosto sempre de lhes dar “trela” então começo a brincar com elas, mas estão sempre a troçar do meu macua mal pronunciado, e depois ensinam-me palavras novas... são muito simpáticas.
Apesar de ser também de uma terra africana, noto diferenças; primeiramente o clima: estamos agora em pleno verão; apesar de não ter chovido muito, até agora, quando chove é chuva à sério, tudo parece escuro e a chuva cai com toda a força. A natureza aqui parece que tem mais força. Outra diferença não podia deixar de ser a cultura, a história deste povo e sua maneira de pensar são sinais de sua singularidade, logo diferentes do meu país.
Isto mostra aquilo que eu dizia no início: este é um povo escolhido e amado por Muluko (Deus).

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...