19 de maio de 2012

cultura macua
alguns aspetos negativos

Raul Viana
Itoculo

Numa das exposições anteriores falávamos dos aspetos positivos da cultura macua, os quais devemos sempre considerar e potenciar. Mas, como acontece em qualquer sociedade, há a outra face da moeda, a parte negativa, aquela que é para nós um desafio pastoral. No plano religioso, familiar-social e económico não faltam exemplos que merecem ser purificados e transformados. Vejamos alguns deles:

Dualismo (culto cristão e culto tradicional):

Muitos cristãos macuas (catecúmenos e batizados) vivem num constante dualismo religioso. Estão divididos entre a fé cristã e a religião tradicional. Por um lado, ainda vivem agarrados ao culto dos antepassados onde rezam e fazem as cerimónias tradicionais (makheia). Por outro, entram na capela para rezar cada domingos escutando a Palavra de Deus que convida ao verdadeiro seguimento de Jesus. Estão divididos entre a fé em Jesus Cristo e a crença no adivinho-curandeiro. Apesar de já haver alguns anos de presença e evangelização cristã, parece que o Evangelho ainda está longe de ser integrado na cultura, manifestando-se apenas uma vivência exterior, que se expressa pela frequência e receção dos sacramentos. Na verdade, entre os cristãos parece que às vezes se acredita mais nos adivinhos do que em Cristo.

Passividade:

Se a parte pacífica é um aspeto positivo, já a passividade se considera como negativo. E de facto, diante de um problema ou dificuldade com uma entidade superior, habitualmente os macuas não são capazes de reivindicar os seus direitos e contrapor à injustiça de que estão sendo vítimas. Isto acontece por medo e porque lhes ensinaram que não se deve dizer «não» a uma entidade superior. Para confirmar tudo isto basta recordar o provérbio do «sim, senhor», no qual se afirma que «ao mucunha (estrangeiro-patrão) nunca se diz não».

Casamento precoce:

No meio social onde nos encontramos facilmente encontramos rapazes e raparigas com 14 e 15 anos carregando a responsabilidade pais e mães de família. Mesmo sem o serem de verdade, pois física e corporalmente apresentam sinais de adulto, mas a sua mentalidade e estruturação pessoal ainda não estão suficientemente maduros. Por sua vez, isto provoca muitos males a todos os níveis: primeiro para a criança que vai nascer e que não terá os cuidados necessários para a sua sobrevivência ou, pior ainda, quando acontece aborto provocado; depois para a própria mãe que de imediato tem de abandonar a escola e outras formações para cuidar da criança; por fim, o pai, que sendo ainda jovem, muitas vezes não é responsabilizado pela criança gerada e vive sem valores. Podemos dizer que os ensinamentos familiares e tradicionais, a interioridade e isolamento, a falta de formação e compromisso pessoal, em muitos casos, são geradores de todo este modo de viver.


Mentalidade do mínimo possível:

Se o acolhimento é um elemento positivo na cultura macua, o abuso do mesmo por parte de alguns familiares torna-se prejudicial. Não raro acontece quando determinado membro da família obteve abundantes rendimentos agrícolas devido ao seu esforço e organização pessoal, de imediato outro familiar, que vive na penúria por descuido ou preguiça, se vê no direito de hospedar-se na casa daquele que possui bens alimentares até que a fonte se esgote. Isto cria uma mentalidade de que não interessa produzir muito, nem possuir muita riqueza, para não ser incomodado por outros familiares que a tradição obriga a acolher. Ou seja, parece que estamos num meio que se pauta pelo mínimo desejável, a fasquia baixa que unicamente garante a continuidade da pobreza e muitas vezes da miséria. Isto agrava-se quando se introduzem adivinhos e feiticeiros que apenas protegem os malandros e acusam e exploram os trabalhadores.

4 de maio de 2012

experiência missionária
entre os macuas


Vincent Ntrie-Akpabi
Itoculo


Eu sou Vincent Ntrie-Akpabi C.S.Sp. estagiário e natural do Gana. Cheguei a Moçambique no dia 16 de Setembro de 2010. Depois de dois meses de aprendizagem da língua portuguesa na cidade de Beira, cheguei à paróquia de Itoculo na diocese de Nacala (onde vivo com três confrades) para iniciar a minha experiência pastoral. Antes de sair da minha terra para Moçambique, estava absorvido com muitas perguntas: como vou sobreviver numa nova cultura, com novas línguas, com novos confrades, etc…? Mas quando refletia nestas questões fundamentais, lembrei-me de uma frase dos escritos de Papa João XXIII que diz: “observa tudo, tolera bastante, corrige um pouco.” Este conselho, numa situação como a minha, tem sido o princípio orientador que me guia desde que cheguei a Moçambique, também porque o estágio missionário é fundamentalmente um período de observação e de experiência.


Depois de algum tempo de observação e adaptação, onde também participei num curso de inculturação durante um mês, comecei a colaborar nalgumas áreas de atividades pastorais e comunitárias. Na paróquia trabalho com os animadores da comunicação social e também na organização do boletim paroquial Yosef Owarya, que sai cada dois meses para dar informações e notícias sobre nossa paróquia. Trabalho no cartório fazendo o registo dos batismos, renovação e preparação das novas certidões e cartões de batismos e matrimónios. Dedico também algum tempo a dar aulas de explicações de língua inglesa às meninas no lar Eugenia Caps. Trabalho também na biblioteca. Na comunidade sou responsável da machamba e dos trabalhadores. Além destes trabalhos, tenho tempo para socializar com os jovens, especialmente nos jogos de futebol, que é também uma grande oportunidade de entender melhor alguns aspetos da cultura local.



A nossa paróquia tem 77 comunidades e para servir todas elas até pode parecer muito aborrecido. Mas nunca senti o peso do meu trabalho. Temos uma boa organização das atividades pastorais. Entre a equipa missionária há colaboração muito unida, facilitando a comunhão, trabalhando juntos e promovendo a solidariedade. A vida comunitária é uma maravilha, vivendo com espírito de pensar e atuar juntos, flexibilidade, aceitação e valorização mútuas, fundados no espírito de oração, no amor e na benevolência gratuita. Tudo isto porque o verdadeiro testemunho de Cristo depende da qualidade da nossa comunhão com Deus e com os irmãos e a fidelidade aos nossos compromissos religiosos – verdadeiros seguidores de Cristo.


A minha experiência aqui é uma realidade muito diferente do que pensava, mas ao mesmo tempo muito boa de ser vivida. No contato com o povo o que mais me impressiona é a sua riqueza de valores como a família, a solidariedade e a hospitalidade. Testemunhar Cristo às pessoas que, apesar da pobreza material, estão sempre disponíveis, são simples e respeitadoras, humildes e com vontade de aprender, e sempre têm um sorriso de contentamento, faz-me crescer na fé e na esperança, e também reaviva em mim o espírito da simplicidade, da humildade e da disponibilidade. A minha experiência pastoral em Moçambique não é tempo perdido nem lamentável mas é único e precioso. Eu tenho de confessar que tive mais coisas a receber do que a dar.


Aprecio e admiro muito a missão espiritana em Moçambique, especialmente Itoculo onde vivo. A missão aqui pode parecer bastante difícil com poucos frutos à vista, mas acredito que é uma missão promissora para a Igreja e para os Espiritanos. Aproveito esta oportunidade para desejar a todos uma boa e frutífera missão e especialmente aos espiritanos em Moçambique. Força e coragem!

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...