24 de dezembro de 2008

à luz de candeias pequeninas


Pedro Fernandes
Itoculo



Os últimos tempos têm sido difíceis para o nosso povo, aqui por Itoculo. O fim da estação seca é sempre complicado para as pessoas da nossa paróquia: a água falta, a comida, produzida sempre à tangente, começa a escassear, a tensão social vai aumentando com o crescente sentimento de insegurança e medo. Mas é sobretudo a má qualidade da água que constitui o problema mais grave. Este ano, tivemos mais uma epidemia de cólera e diarreias agudas, com a consequente morte de muita gente, às vezes famílias inteiras. Dói a alma ver crianças morrer em poucas horas e nós sem grande coisa para fazer senão levá-las ao posto sanitário mais próximo, às vezes a várias dezenas de quilómetros; é triste ver um pai caminhar longas distâncias, com um filho nos braços para o levar ao hospital, e chegar ao destino com a criança já morta e ele próprio a ter os primeiros sinais da doença... Este problema não é novo e desde há muito que tentamos, juntamente com o povo, procurar soluções. Tem a ver com a falta de poços de água potável, mas tem a ver sobretudo com hábitos de higiene ainda não adquiridos, com comportamentos de raiz cultural que muito dificilmente se conseguem mudar.
Quando rebentam crises como a deste ano, as pessoas ficam em pânico e a tendência geral é pensar que existem feiticeiros e “envenenadores da água” mancomunados para matar o povo. Não faltam aí as teorias mais rocambolescas, todas nascidas de rebuscados sistemas de superstição popular, para explicar tantas desgraças. É aí que as aldeias se organizam em brigadas populares de verdadeira caça à bruxas e não faltam os acusados de feitiçaria e intenção genocida, que são sumariamente julgados, condenados, executados, por vezes da maneira mais brutal, por turbas excitadas, irracionais, mas sobretudo por gente cheia de medo, perplexa com a morte, desesperada por se sentir a fazer alguma coisa que ajude a parar a epidemia. É a tensão social instalada e somos nós, equipa missionária, a tentar dialogar com o povo, tentando fazer perceber as verdadeiras causas e tentando convidar à mudança de atitudes. Não é nada fácil, até porque a esmagadora maioria das pessoas não é cristã…
Entretanto, as chuvas, graças a Deus, já começaram. Desde princípios de Dezembro que temos tido chuva quase todos os dias, e é bonito ver como em poucos dias a secura desoladora dos meses de estiagem cede lugar a um verde luxuriante, de uma vegetação a explodir fortemente por todo o lado, agradecendo as chuvadas torrenciais e o sol generoso e abrasador. Com as chuvas, num primeiro momento, podem até aumentar os casos de cólera, mas aumentando a água, os sinais da doença começam a diminuir. É nessa etapa que estamos agora, felizmente: os casos mortais são cada vez menos e acreditamos que até ao fim deste mês o problema terá passado.


A Irmã enfermeira, que trabalha na nossa missão, começa a poder dormir normalmente, depois de semanas que não conheceram nem dia nem noite, de trabalho intenso em que os turnos e os horários deixaram de fazer sentido, para atender a avalanche de doentes que não paravam de chegar. É consolador ver que a nossa irmã enfermeira deixou a vida sonâmbula, para regressar ao seu estado normal…
É neste ambiente que nos preparamos para viver o Natal. Aqui, ao contrário do que acontece no ocidente e mesmo noutras zonas de Moçambique, não há grandes sinais de quadra natalícia: nem luzinhas, nem árvores enfeitadas, nem canções festivas, nem presépios… Amanhã iremos celebrar a noite de Natal com três comunidades cheias de gente simples, que percebe pouco de pais-natal ou prendinhas, mas que sabe o que significa o nascimento de Jesus e faz uma longa vigília, toda a noite, festejando, cantando e rezando o Natal. No grande silêncio da noite moçambicana, teremos as nossas capelas de terra e capim apinhadas de gente, na maioria jovens, reunidos à luz de candeias pequeninas, alimentadas a petróleo, que com dificuldade nos permitirão ler o missal e enxergar a água com que baptizaremos algumas dezenas de crianças. Será noite de baptismo de bebés, celebrando a esperança e a alegria de uma vida que, apesar de todas as dores, teima em crescer e se afirmar. É a nossa Igreja de Itoculo, ainda a nascer, mas já cheia de sinais de pujança e vitalidade…
É com estes irmãos, neste ambiente de presépio vivo, que celebrarei o Natal, rezando e dando graças pelo Deus-criança nascido para nos dar vida. Rezarei com eles, por eles e por vós. Neste Natal, rezemos uns pelos outros, lembremo-nos uns dos outros diante deste Deus tão grande que se fez tão pequeno e sintamos que, em Jesus no presépio, todos nos encontramos uns com os outros, deixa de haver distância, porque a comunhão supera todos os tempos e separações. Por isso… por vós e convosco pedirei a Jesus bebé um Natal cheio de Paz para nós todos e um ano de 2009 penetrado dessa paz e dessa luz que quer ficar acesa durante todo o ano. Recebam um grande abraço de Boas Festas, com toda a minha amizade e a promessa da minha oração.

10 de dezembro de 2008

preparando o primeiro Capítulo

Tchindemba
Nampula



Desta vez foi a comunidade espiritana de Itoculo que, de 18 a 21 de Novembro de 2008, acolheu o segundo encontro anual do Grupo. O Yves e o Noel não estiveram presentes, por motivos de férias. Participou pela primeira vez o Edmilson, jovem estagiário cabo-verdiano que acabou de chegar e que fará o seu estágio missionário na missão de Itoculo.
A grande novidade do encontro foi o lançamento do processo preparatório para o primeiro Capitulo do Grupo, a realizar-se em 2010. O objectivo desta fase preparatória, tal como lemos no nosso documento, é de “reflectir sobre as grandes questões referentes à vida dos espiritanos em Moçambique, de modo a permitir um efectivo encontro, em diálogo, dos diferentes modos de ver e sentir a Vida Religiosa Espiritana, à luz da Palavra de Deus, dos Fundadores, da RVE e da Tradição viva da Igreja, no sentido de consolidar a unidade e a comunhão no interior do grupo e de ir preparando as necessárias condições para a concepção de um Projecto Espiritano comum em Moçambique”.
A equipa preparatória começou por explicar a metodologia de trabalho e de seguida, foram apresentadas as grandes questões que dizem respeito à vida espiritana em Moçambique: Identidade Espiritana, Espiritualidade, Comunidade, Formação, Missão e Organização do Grupo Espiritano de Moçambique.
Depois da explicação da metodologia de trabalho e da distribuição dos grandes temas da vida espiritana, cada confrade foi convidado a criar um clima de silêncio e de oração para reflectir sozinho sobre as questões colocadas. Depois de um tempo longo de reflexão individual houve uma partilha informal sobre as opções tomadas por cada um. Foi a partir da elaboração de questionários individuais que demos inicio à preparação do nosso primeiro capítulo. Depois disso, seguir-se-ão outras etapas que culminarão com a celebração do capítulo.
Ao partilhar convosco sobre este grande evento da vida do Grupo, pedimos a cada leitor a sua oração para que o nosso capítulo seja um momento celebrativo e que todas as conclusões que forem tomadas venham contribuir para o avanço da missão em Moçambique.
Que os nossos Fundadores Poullart des Places e Libermann nos acompanhem neste processo de preparação para a realização do nosso primeiro capítulo.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...