25 de junho de 2009

GPS missionário de itoculo


Raul Viana
Itoculo

Ao entrar directamente na pastoral paroquial de S. José de Itoculo, ainda que principiante, partilho aqui alguns elementos de carácter geral, e outros de índole particular, sobre o local onde me encontro. Trata-se de uma simples partilha que visa consciencializar-me melhor da realidade onde estou inserido.

Enquadramento sócio-político e religioso
Olhando o mapa geo-político, a Paróquia de S. José de Itoculo corresponde à área do Posto Administrativo de Itoculo com cerca de 1227km2. Este Posto depende civilmente da Administração Distrital de Monapo (a 25km) que por sua vez está dependente do Governo da Província de Nampula (a 170km).
Itoculo tem uma densidade populacional que ronda os 70 mil habitantes, quase que exclusivamente de etnia Macua (a maior do país). A grande maioria da população vive da agricultura tradicional e familiar (cultura do milho, algodão, gergelim, feijão, mandioca, caju, etc…).
No campo religioso, há também uma grande diversidade, como vemos pelos diferentes centros de culto. A predominância está na religião Tradicional, no Islão e no Cristianismo. Entre os cristãos há, também, uma grande variedade de Igrejas Protestantes e Seitas. Neste contexto plural e de respeito situam-se os Católicos que rondam os 8 mil praticantes, o equivalente a 12% da população local.

Situação paroquial
A Paróquia de S. José de Itoculo tem uma história muito recente. Foi erigida canonicamente em 19 de Março de 2004 por D. Germano, integrando as 24 Paróquias da Diocese de Nacala. A Paróquia divide-se em três Regiões (Congo, Djipwi e Xihire) em vista a facilitar o trabalho pastoral, mas tudo está em função de uma única Comunidade Paroquial. Por sua vez, cada uma destas 3 Regiões subdivide-se em Zonas (15), e estas em Comunidades Cristãs locais (77).
Enquanto Equipa Missionária (Padres e Irmãs) a nossa missão passa por dar formação aos animadores dos diferentes sectores da pastoral no Centro Paroquial e em cada Região. Cada semana há formação para os diferentes grupos de animadores ou catequistas, anciãos, jovens, casais, mamãs, professores, animadores de justiça e paz, saúde, vocações, infância missionária e comunicação social. Mensal ou bimensalmente todos estes animadores recebem formação para dinamizarem os demais cristãos no seu compromisso baptismal.

Objectivos pastorais para o biénio de 2008-2010:
Em comunhão com toda a Diocese, também aqui se dá atenção à problemática das pessoas jovens em união de facto; à implantação da Obra da Infância e adolescência missionárias; aos problemas pessoais e injustiças sociais, tais como: alcoolismo, gestão do trabalho e dos seus frutos, auto-estima e dignidade pessoal, violência doméstica, aborto, abusos de poder político e judicial, abusos dos serviços sociais e das entidades patronais, e comércio justo.
É neste enquadramento social, cultural e eclesial (e com o GPS assim alinhado) que me situo e nele procuro viver o meu ministério sacerdotal. Na sequência de um trabalho pastoral já efectuado, procuramos ser sinais vivos do Espírito que continua a derramar os seus dons sobre cada um dos filhos de Deus que em Jesus Cristo têm um irmão e um amigo impar.

4 de junho de 2009

falar sonhando ou sonhar falando...

Raul Viana
Itoculo



No momento em que termino o curso de língua macua, dou-me conta que isto foi apenas uma introdução geral, a qual vai exigir de mim mais esforço e continuidade. De facto, todos nós que participamos no curso, tivemos acesso ao estudo da gramática, à leitura ritmada, ao conhecimento e significado de muitas palavras… Porém, o verdadeiro estudo começa agora, nos encontros de cada dia, no contacto com a realidade do povo que vai ensinar e formular o conteúdo desta língua completamente nova e exigente.

Contudo, este primeiro contacto deu para começar a ler em macua, mesmo que gaguejando! Na segunda etapa vou procurar entender o que as pessoas falam. Posteriormente, tentarei dialogar, começando a falar em macua. Por fim, (já depois de muito saber!!!) será a parte dos sonhos em macua. Portanto, sequencialmente e sem limite de tempo, assumi este programa: ler, entender, falar e sonhar.

Só para perceber um pouco, os macuas são o grupo étnico mais numeroso dos povos que integram Moçambique. Por isso mesmo, a língua macua é também a mais falada neste país, concretamente, na região norte. Abrange uma área geográfica considerável: Províncias de Nampula e Zambézia, e partes das Províncias de Cabo Delgado e Niassa. Isto faz com que haja também algumas diferenças dialectais (macua do interior, macua-meto, macua-lomwe, macua do litoral…), mas tudo parte de um mesmo tronco comum.

Tanto quanto pude perceber, o macua é uma língua que precisa de ser estudada e estruturada pelos linguistas e outros especialistas. Foram feitos alguns trabalhos neste sentido, mas revelam-se insuficientes. Este parece ser um dos pontos que dificulta a aprendizagem da língua, pois falta uma gramática e um método próprio, válido e consensual e, ao mesmo tempo, gente capacitada para o ensinar. No entanto, parece haver sinais de um futuro promissor.

No meio de tudo isto, não podemos esquecer que o esforço de muitos Missionários neste campo foi, e continua sendo, bastante considerável. A eles se deve muito do que existe na actualidade e que são bons instrumentos para quem quer aprender. Por outro lado, as publicações existentes em língua macua são prevalentemente de carácter religioso (bíblico e litúrgico e pastoral). Na verdade, são poucos os escritos nesta língua, o que faz pensar que a língua macua existe para ser falada mais do que para ser escrita.

Sinto que tenho um grande trabalho pela frente (ler, entender, falar e sonhar em macua) em vista daquilo que me faz estar nestas terras. Por outro lado, olhando a realidade envolvente à paróquia de S. José de Itoculo, regozijo-me e aprecio os meus colegas e confrades (PP. Pedro e Damasceno) que, neste esforço de aproximação, conseguem falar fluidamente a língua do povo. À excepção dos padres diocesanos autóctones, não são muitos os que conseguem fazer semelhante proeza. Portanto, uma rica e bonita herança para quem fica por estes lados.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...