17 de dezembro de 2018

MAIS UM ANO QUE TERMINA


Com o Natal que se aproxima também chega o final do ano civil. Para nós, aqui na Missão de Itoculo, é também o fim do ano pastoral e as férias grandes da escola. Em Janeiro de 2019 começa o novo ano civil, pastoral e escolar.

Como sempre, quando termina um ano, é tempo de fazer o balanço e avaliar o que se fez e como se viveu. Aqui há sempre muita coisa a dizer e muito mais a fazer e refazer. É assim o dinamismo da vida missionária. Principalmente, muito a agradecer.

O acolhimento da voluntária Cristina Fontes, a visita fraterna do P. Tony Neves, a Ponte JSF, os Votos Perpétuos da Ir. Tatiana, com a vinda do novo Bispo de Nacala à nossa missão, entre outras coisas, foram momentos de grande animação.


Os mais de 350 baptismos celebrados, 180 Primeiras Comunhões, 27 Matrimónios e vários Crismas integrados nos Sacramentos da Iniciação Cristã, marcaram a prática sacramental deste ano. A par disso estavam mais 3000 catecúmenos (crianças, jovens e adultos) e seus 225 catequistas. Somando a tudo isso estavam ainda animadores de cada uma das 79 comunidades, das 15 zonas e das 3 regiões, a nível dos diferentes ministérios (ancião, família, jovens, mamãs, caritas e saúde, justiça e paz, comunicação social, vocações…). Cursos paroquiais (total de 30) e formações nos centros regionais (cada semana) preencheram muitos dos nossos dias de pastoral.

A preocupação pela educação escolar no lar de estudantes Daniel Brottier e na Biblioteca paroquial foram também grandes momentos de entrega missionária. Tudo isto sem esquecer o ATL das tardes com as crianças do bairro. Os encontros com jovens estudantes e o apoio para a realização dos seus estudos em Itoculo e no Monapo, foram outros sinais positivos da nossa missão.


A montagem e equipamento de uma moagem eléctrica, a construção de um aviário (em fase de conclusão), a abertura de quatro furos de água (três nas comunidades e outro no lar de estudantes), o apoio a 1000 famílias mais carenciadas com rolos de plástico para a cobertura das suas casas caídas pelas chuvas intensas de Janeiro, os 150 mil paus de mandioca distribuídos por Itoculo inteiro, o projecto de segurança alimentar com a criação de caprinos e produção de hortícolas… Foram também acções concretas da nossa presença missionária.

Enfim, para viver e fazer tudo isto, contamos com a bênção de Deus que nos deu saúde e paz, e bom espírito de coordenação. Além disso, também foi grande a comunhão e solidariedade missionárias. A todos os que partilharam connosco um pouco das suas economias, queremos manifestar o nosso sincero agradecimento. Sem essa generosa colaboração muito do nosso trabalho ficaria por realizar. Muito obrigado a todos e todas do fundo do coração.


Novo ano 2019 está achegar e com novos desafios e novas aventuras, mas a mesma fé e o mesmo compromisso missionário. Isso mesmo queremos depois partilhar ao longo do novo ano. Agora resta desejar BOAS FESTAS com um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo 2019.

17 de novembro de 2018


Desabafo  de madrugada, na magia de uma visão!














Tenho medo de acordar:
e repetir os passos de ontem,
e ver tudo igual,
e não ver mudanças,
e ver os meus sonhos a ser engolidos pelas sombras da noite!
e não ter o chão debaixo dos pés,
Ver para alguém e não ver ninguém,
Ter a certeza de que não estou certo nas minhas certezas!
 e não respirar a vida,
Ver-me arder nas brasas da ilusão,
e ser cinza da verdade!

Quero acordar:
num mundo onde a irmandade é o talismã,
para agradecer o ontem e acolher o hoje
num mundo em que há um céu,
onde todos beneficiamos do mesmo sol e da mesma sombra!
num mundo onde o amor é a dinâmica das relações humanas.

Tenho que acordar:
Para remendar a verdade,
dizer ao meu vizinho: está na hora de caminhar;
enfrentar o dia e os  meus medos,
quebrar as correntes,
beijar o dia, abraçar a minha sombra,
e seguir o meu destino!
Parar de sonhar, acolher a minha realidade,
Abraçar a minha cruz e pôr-me a caminho,
Confiar em quem me pôs aqui, na chamada à vida;
Atar as correias das sandálias, e caminhar sem medo de quedas!

“Hoje temo viver, mas mesmo assim arrisco viver porque ninguém pode viver a minha própria vida por mim; se assim fosse, não era eu! Viver só por facticidade não quero. A minha esperança fracassa, sinto uma escassez de forças atordoando os meus sonhos, quando olho para o meu país e a sua política. Nasci num país que, segundo a constituição, o estado é democrático. Democracia? Ainda a ignoro, nunca a vi, os “boss” nunca a testemunharam. Como todas as crianças, queria apoderar-me da minha liberdade, crescer, ganhar asas, voar nos sonhos, mas hoje rastejo na terra. Sem impulso não consigo; o medo dos “caçadores dos sonhos”, aspetos negativos da minha cultura, parte as minhas asas. Sou mais um pássaro que sonha voar; sou mais uma criança entre tantas que sonha e se interroga a si mesma: até quando vou sair do berço da pobreza? Não há ninguém aqui nas redondezas capaz de ver que os meus pés anseiam por caminhos de uma infância digna, porque na falta deles estou condenado a este berço. Licença, dotados de inteligência, permitam-me dar umas dicas, mesmo não tendo diplomas como vocês: “criança é flor que murcha na falta de água”. Isto de dizer nos grandes palcos que, uma maneira manhosa e muito engenhosa de cativar os inocentes, «criança é flor que nunca murcha», não passa de um conjunto de palavras anémicas, marcadas pela carência da autenticidade e da verdade na minha realidade, e não passam de uma falácia. Quer entender melhor o que estou desabafar contigo? Mude de ângulo, deixe o miradouro e percorra, faz um contacto direto com o que tanto miravas de um extremo para o outro.
Sabe, nos meus tempos livres, o chão, os dedos, os paus são os meus materiais que uso para fazer uma simulação de um verdadeiro ATL propiamente dito. Falo-te da minha escola; a minha escola está aos pedaços; os paus, ruídos pelos vermes, já não aguentam; as chuvas quando vêm levam a metade das paredes, que na verdade são feitas de lamas, e na falta de apoio fica assim mesmo, uma “barraca-escola”; o professor aparece quando lhe apetecer; não há carteira e já estamos cansados de sentar nos troncos, outrora no chão para assistir aquela preciosa aula quando o professor aparece na escola; os meus livros não tardam muito a estragar, porque é no chão que os pouso… Façam algo de jeito, Senhores! Um certo dia passei na praça para a deposição da coroa de flores em homenagem aos antigos combatentes da pátria, ouvi discursos que ainda cultivam ódio, raiva, rancor no coração daqueles que ainda não despertaram do sono; discurso de massacre ao bode expiatório, colonos. Já passaram 43 anos, mas ainda nos sentimos no cativeiro. Afinal o que aconteceu há 43 anos atrás? Foi realmente o êxodo da minha nação? Um irmão mais velho disse-me que ainda somos colonizados, isto abolou todos os meus fundamentos. Façam algo de jeito, Senhores!


Tenho sede, Senhores! Quero água limpa, Senhores! Dizem nos slogans por aí “A água é vida”. Sim, mas hoje entre viver ou morrer de sede, sou obrigado a beber daquela água que, lentamente, à medida que sacia a minha sede, vai matando a minha vida. Na minha realidade, pouco se sabe de uma tal “água potável”, porque é de onde lavamos as roupas, tomamos banho, é que tiramos água para beber e confecionar o alimentos. Isto te parece normal? Façam algo de jeito, Senhores.
Antes de entrar na sala de aula cantamos orgulhosamente “pátria gloriosa”, mas onde está a glória da minha pátria? É isto que chamamos pátria gloriosa? Eu e os meus amigos ouvimos dizer que no nosso país somos ricos em recursos naturais, ouro, carvão mineral, pedras preciosas, petróleo, gás, etc. Mas estamos tristes sabendo da existência deles e dos seus usos constantemente e nós ainda continuamos a viver nesta pobreza crónica e a ter de suportar todos os dias condições menos humanas. Senhores, nós não estamos a beneficiar do que é nosso, porquê?
Sabemos que nas vossas mesas há lautos banquetes e os restos vão para o lixo, que também se bebe a meia e deita-se fora, enquanto aqui em casa há dias em que não vemos nada na mesa e, para que saibam, nem mesa temos; o nosso copo anseia por algo diferente daquela água suja. Não temos bola nem campo em condições e, quando queremos jogar, como qualquer um que vive em condições normais, improvisamos uma bola de balão (preservativo). Façam algo de jeito, Senhores!
Aqui na zona temos um grupo de amigos missionários, na verdade são verdadeiros amigos, preocupam-se connosco e com o nosso bem-estar, e dentro daquilo que são as suas capacidades ajudam-nos imensos. Atenção, não nos dão ofertas ou prémios, dão-nos pistas para lá chegar. A eles, os nossos agradecimentos de coração; o mesmo dirigimos à ONGD SOLSEF que, em cooperação com Cssp, nos trouxeram o oásis, no meio deste mato, este pedacinho de terra, Itoculo, desconhecido pelos Senhores da casa. Graças a eles, hoje somos crianças e jovens de esperança, de sonhos! À mana Helena e à mana Cristina sejam dirigidas as nossas honras, pois ensinam-nos a ler, escrever, contam-nos histórias, mostram nos filmes, ensinam-nos a sonhar, mostram-nos o mundo que qualquer criança como nós deseja alcançar. Elas fazem-nos sentir meninos e meninas! Na conversa com eles, falam-nos das grandes dificuldades que têm, devido aos sistemas burocráticos do país, para ter o visto de residência, assim como as taxas que devem pagar para tal efeito; isto é-nos incompreensível, sendo que a intenção deles é simplesmente vir ajudar-nos sem receber nada em troca! Façam algo de jeito, Senhores! O primeiro passo para a solidariedade é destruir as fronteiras. Estamos exultantes de alegria na esperança de que algo de jeito seja feito um dia, mesmo não sendo nós a usufruir dele, mas que seja feito, Senhores!"
Hoje é uma necessidade ser voz dos que não a têm! Calar perante as injustiças e abusos dos direitos humanos significa que somos cultivadores dos mesmos. Dar a vida pelo outro, é manifestar a vontade de ser vitorioso, querer a maior de todas as vitórias registada na história. Vemo-la na cruz. Desabafo da madrugada chama a atenção às “políticas esquizofrénicas” e “politicas abstratas” a que estamos habituados. Desabafo na madrugada é um “post-it” de não esquecer-se dos “primeiros”, segundo grau de necessidade. É também um grito em sinal de vida e convida a todos a um olhar mais abrangente. É um toque nas portas do coração, é um “ainda estou aqui, não se esqueçam de mim”, que requer uma lembrança especial, lembrança essa que nos leva às periferias, proporcionando um contacto face a face com os que realmente precisam de ti. É um apelo à promoção do bem-comum, da justiça e paz, e dos direitos humanos que nos são inalienáveis.
Pobreza? Facilmente ouvimos expressões como esta: sou pobre, mas feliz! Parece fácil, mas não é; porque consiste na aceitação do que somos, que é um desafio enorme hoje, das circunstâncias que nos envolvem, também apoiado na esperança de que o amanhã tudo vai melhorar. O pobre feliz é aquele que clama (sal. 34). Hoje fala-se muito da pobreza e no seu combate. De facto, este fenómeno chamado pobreza, como tal, é uma ameaça à vida e torna-se um perigo quando penetra nas estruturas humanas. Mas, humanamente falando, somos todos pobres independentemente das investiduras, títulos, estatutos, castas, bens etc. somos pobres por essência (Gn 2,7). Ao ouvir falar da pobreza, a tendência é de pensar já numa pobreza materializada, e arranca de nós a interjeição: «oh, coitadinhos; Não têm roupas, sapatos, dinheiro, casa, carro, etc»; face a isto, movidos pelos sentimentos de pena, leva-nos a fazer aquele tipo de “caridadezinha”, dando aquela “avassaladora oferta de consumo” (Papa Francisco) que não passa de um serviço social; isto é naufragar os pobres na pobreza. Esquece-se de uma dita “pobreza de ideias!” Esta é perigosa, pois encerra as presas num ciclo de impotência abismático. Na sua presença, vemos e ouvimos, face a qualquer situação, algo parecido: “ah, somos pobres, não podemos fazer isso ou aquilo”. Isto acontece quando o vírus da pobreza contamina o próprio cérebro, eis o perigo da pobreza. Combater a pobreza é mostrar aos pobres e fazê-los sentir que a pobreza não é o fim, pelo contrário, é o começo de tudo (…).
Gilberto Borges, Itoculo aos 30.10.18, in pro-missão IV.

15 de novembro de 2018

Qualificativos


Os adjetivos qualificam os nomes de pessoas e objectos. Têm a função de atribuir uma qualidade a determinado nome e por isso podem engrandecer o desfavorecer essa pessoa ou objecto. Assim, em agosto deste ano acolhemos a Ponte JSF e num dos textos finais apareceram dois adjetivos desqualificativos: mísero e obsoleto.

O primeiro está referido a um «mísero órgão». Trata-se de um instrumento musical pequeno, cor preta, electrónico, com quatro escalas musicais… próprio para quem está a aprender. Isto é, um órgão musical. Foi caracterizado de mísero. Não sabemos o que está por detrás desta classificação, embora saibamos que para uma catedral europeia não passa disso mesmo. Mas aqui não temos outro. Ele é muito bom, ouve-se muito bem no espaço para o qual foi adquirido, e, bem tocado, ajuda bastante na animação litúrgica.


O segundo adjetivo refere-se a seis aparelhos, «alguns obsoletos», dos quais quatro são portáteis e dois de mesa. Funcionam com o Windows 7. Uns foram adquiridos e outros oferecidos. Agradecemos aos doadores. Mas também foram classificados de obsoletos. No entanto, para quem está a dar os primeiros passos no acesso às novas tecnologias, são máquinas que respondem perfeitamente às necessidades locais. Não caíram em desuso nem são arcaicos, apesar de haver muita e grande novidade nesta área das novas tecnologias, e de muito rapidamente serem ultrapassados por novos modelos no mercado digital.

Quer para um caso, ou para outro, acima classificados de mísero e obsoleto, importa dizer também que estamos abertos a acolher novas ofertas. Não ambicionamos acumular nem fazer negócio, mas queremos contribuir para gerar novos conhecimentos, facilitar o acesso às novas tecnologias, possibilitar novas aptidões, favorecer um primeiro contacto a quem não tem outra possibilidade. É pequeno e são poucos, é verdade. Podiam ser maiores e melhores, perfeitamente de acordo. Mas não interessa desconsiderar nem desprestigiar.

É sempre bom ter um olhar crítico, mas também que seja realista. Queremos continuar a acolher pessoas que nos visitam e partilhem connosco um pouco da vida missionária, com experiências de curta e/ou longa duração. Também queremos que valorizem e contextualizem o que encontram. Na vida não faltam ajustes e desajustes, diminuições e exageros, reacções e contradições… mas os adjectivos qualificam e dão atributos. Se não valorizamos, pelos menos não diminuímos o que já existe de esforço e dedicação.

Enfim, com aquilo que temos e usamos na missão, tanto na área do saber e como do lazer, da animação como da formação, são instrumentos e aparelhos normais, não são o «último grito» do mercado, nem de longe. Também não queremos nem estamos interessados em tal rigor e qualidade de produto. Ainda somos principiantes no uso desses instrumentos, e o nosso poder de compra é bastante limitado. Mas a nossa vontade é grande.

21 de outubro de 2018


Brados de Alegria!

“A minha vida é um barco, o destino é Jesus Cristo, o ressuscitado, as suas palavras é o mar, os remos são as minhas orações!”

Sabes o que acontece quando depositas a tua total confiança em Deus e te pões ao serviço dos mais frágeis, mais débeis, mais necessitados? Brados de Alegria. Não se trata de uma alegria qualquer, como estamos habituados hoje em dia: uma alegria do disfarce, enganosa, manipulada, forçada, ora sim ora não. É uma alegria pura, que perdura, nasce espontaneamente do coração, da residência do amor; pois é um brado influenciado fortemente pelo "amor cáritas". É uma alegria que não surge como escapatória perante as dificuldades que nos fazem sentir tristes, aborrecidos, magoados, etc. Pelo contrário, é uma alegria que vem a partir da aceitação destes sentimentos que provoca uma certa frieza na vida de todos os viventes. Ela possui um poder transformador, converte o pranto em júbilo, e obriga-nos buscar a razão do dom privilegiado, único e irrepetível, o dom da vida na face da terra, prefiro gloriar-me mais disto do que o resto. Isto fazendo-o no encontro com os rostos de Deus, variados nas suas formas. Há passos na vida que só se dá morrendo; de facto “se o grão de trigo cair na terra não morrer, sozinho vai ficar; se morrer dará muito fruto”. A experiência dessa alegria é uma graça, da qual somos chamados ininterruptamente a receber. Não posso afirmar que sou feliz, sabendo que a minha “ausência” faz de muitas vítimas de insignificância. Hoje temos uma sociedade mais “ausente” do que “ciente”, perante os sinais dos tempos que já estamos a ver e que ainda há-de vir. Um dos problemas é porque estamos a registar progressos extraordinários nas ciências, pensamos que estamos acordados. O mundo adormeceu o pior sono de todos os tempos: o sono do egoísmo, egocentrismos, racismos, comodismo, etc.

Sou feliz por ser parte integrante dos operários da messe do Senhor. Após um ano do meu primeiro contacto com a missão, missão de Itoculo, queria expressar a minha enorme gratidão ao meu Deus, por tão grande e sublime amor que tem por mim, revelando-o no chamamento que me fez a esta missão, que é vida, que é estar ao serviço dos pobres, que é levar a boa noticia a todos os cativos, oprimidos, aos que não tem vozes, nem vez e nem lugar. Reza o salmo: “a obra do Senhor é perfeita, reconforta a alma; os preceitos do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples”. Os simples reconhecem que há um criador, um Senhor do céu e da terra, reconhecem um Deus, e não têm medo de o anunciar. Isto é a sabedoria, que acaba por ser uma espécie de escada que dá aos simples o acesso às portas do paraíso. Esperas algo melhor que isso? Descobrir Deus em ti e experienciá-lo no outro, reconforta a alma. A minha experiência missionária tem sido isso. Daí, de alma reconfortada, vem o brado de alegria! Mas na missão nem tudo é rosa, nem tudo é perfumado, e nem tudo brilha, apesar do trabalho árduo dos missionários, pessoas que deixam a casa, família, amigos, para se dedicarem aos mais necessitados. A todos os missionários no campo da missão e aos que já terminaram a sua missão por determinadas situações, aproveitando o mês missionário, merecem uma intenção especial nas orações de cada comunidade cristã, e de cada crente, em particular, que reza. Dizia a pouco que nem tudo brilha na missão, e é verdade, mas não obstante estamos rodeados de brilhos de Deus, isto é, quando reconhecemos que cada um de nós é uma missão, é uma criação, tem um toque de Deus. O homem é pecador por essência, mas nesse mesmo homem, outrora pecador, desobediente, perverso nas suas ações, encontra-se um brilho genuíno, que é Deus, e que o faz brilhar como estrelas do mundo (cf. Fil 2, 14-15).

Por conseguinte, esta experiência fez-me descobrir um tesouro que está escondido no campo da missão e no precioso coração de cada missionário, a esperança. De facto a missão nasce, cresce, dá frutos a seu tempo, alimentando da esperança. A esperança é um dos caminhos, entre a fé e a caridade, que nos introduz imediatamente no grande mistério, vida para além da morte, a ressurreição, vida eterna. Eis um recurso indispensável para aqueles que dedicam a vida às grandes causas a fim de ganhar uma morada no reino dos eternos. Que a Virgem Maria, mãe de esperança, interceda por nós junto do seu filho, Jesus Cristo. Após estes minutos de aprendizagem, diria que missão é muito mais que deixar o lar paterno, amigos, pessoas queridas, para ir ao encontro dos pobres durante um tempo, a missão é partilha de vida, a missão é servir, é lavar os pés dos pobres, é transferir Deus em cada aperto-de-mão, em cada palavra, em cada sorriso. É pôr todos os dons, qualidades em comum. É rejeição do meu “eu”, dando lugar a um “nós”. Quando sentes que estás em missão inteiramente, é quando perceberes que nada do que fazes é por teu agrado pessoal, mas sim é para o bem comum, e para a vontade de Deus. Aprendi muito e continuo aprender, recebi mais do que aquilo que dei, e que estou a dar. Sabem os que já o fizeram, e os que o fazem. Desilusão? Sim. Foi mau? Não, foi bom! É preciso ter coragem para dizer isso. Aprendi que não vivo para mim mesmo, daí algumas ideias, pensamentos tive que mudar. Quando estamos nomeados, ou pretendemos fazer alguma experiência missionária numa missão, a tendência é subir alto nas espectativas, mas pouco resulta. Quando há esse choque fica sempre a sensação que estamos a perder o nosso tempo, mas não, é aí que estamos a aprender como se deve fazer. Não é prudente projetar, edificar megas ideias, sonhar alto sem antes ter um primeiro contacto com a missão, proceder de maneira contrária, haverá sempre desilusões. A missão não é muito de ilusão. Muitas experiências missionárias tornam-se amargas por causa desses pequenos detalhes. Mas também, vale a pena sublinhar, que é nos tais choques que vem o impulso de Deus, nos dá força, nos levanta e nos faz caminhar no caminho da verdade. Dizia São Paulo e com razão: “quando sou fraco, então é que sou forte”. Sou feliz, porque disse sim ao chamamento de Deus, que é o mesmo dizer: quero ser feliz, quero que o meu coração exulte de alegria; em brados de alegria faço ressoar a alegria que sinto. Não te esqueças que tudo que é bom, tem um preço. Pague o teu, com a tua entrega total aos serviços de Deus de acordo com a tua vocação, e leve-o contigo. Arrisca-te à missão!

Gilberto Borges, Itoculo aos 16.10.18, pro-missão III.


18 de agosto de 2018

O "nó" que nos une!


O “nó” que nos une!


O “nó” cego, que não se desfaz. O “nó” que só se dá em Deus. O nó que nos dá um irmão. O “nó” que rejeita as indiferenças, destrói barreiras e quebras as fronteiras (lembremos dos quantos e quantos que já perderam vida nas fronteiras devido à falta deste “nó cego”).
O “nó” que nos faz olhar na mesma direção. O “nó” que impõe responsabilidades para com os mais pequeninos, pois eles são a porta do reino do céu (Mt 18, 1-14). É deste nó, precisamente, que pronuncio!
O “nó” que nos congrega e nos faz comungar da mesma comunhão, o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O nó que faz do inimigo um amigo; que faz de um estranho um conhecido; que transforma um coração pobre, num coração nobre e sóbrio. O nó que nos configura à imagem e semelhança de Deus (salmo 8). É a ausência deste “nó” que, na verdade, o mundo reclama!
O “nó” que protagoniza um amor gratuito, que não exige retorno, irreversível, e que estende até aos inimigos, o amor caritas. Deste, o mundo carece. Perante uma sociedade desenfreada, frenética, egocêntrica, é com urgência que sublinho a precisão deste “nó”. O “nó” que alberga dois em um, torna o «outro» num «eu».

A ausência deste “nó” que já se faz sentir, faz-me crer que, a raça humana está constantemente sob ameaças e, o pior, em vias de extinção. Por isso, o mediterrâneo transformou-se num cemitério de esperanças; basta olharmos para o terceiro membro familiar, embora, é lamentável a maneira com que perdeu o seu espaço na família, vemos homens e mulheres de hoje e do amanhã morrendo, sofrendo, ou passando fome injustamente ou à deriva de melhores condições de vida; curiosamente, por outro lado, vemos grandes banquetes, brindes mascarados, vemos lixo feito de comidas enquanto há milhões de lázaros nos oceanos, nas ruas, ao pé da nossa mesa ou porta, esperando que caiam os restos, vemos lixo e mais lixo produzido pelas políticas manipuladoras, ainda vemos o homem a limpar o sangue nas calçadas da sua vítima feito por um ataque terrorista, uma bala perdida, uma manifestação em massa com recursos à violência, etc. repare nisto tudo, tente pôr-se no lugar destes terceiros, e sinta pelo menos uma ponta do sabor amargo da vida nestas circunstâncias, e depois interroga-te a ti mesmo: será que o homem, supostamente humano, é humano? Onde está o humanitarismo? 

Num mundo muito agitado pelos “medias”, tudo que leva o homem ao encontro de si mesmo, ao encontro com Deus face-a-face, é descartado, posto de lado ou em segundo plano. De todos os tarifários que anda por aí, com objectivos, cada vez mais, de conquistar e chamar atenção usando truques, fazendo roubos consentidos, o menos activado é aquele que é justo e verdadeiro com os seus clientes. Isto não é nada mais que as réplicas de uma nação absolvida pelas suas próprias ideias egocêntricas. O que sobrou desta nação? Nada mais que montões de “Marionetes” dos medias. Ativa Deus na tua vida e desfruta das grandes vantagens, que pode mudar a tua vida. Triste é quando o homem dá por ele pendurado num abismo enigmático. ele procura Deus, talvez mesmo que o encontre, porque quem procura encontra, não o compreende; para estes está reservado cuidados paliativo.
Sim, precisamos deste “nó” que invoca a prudência, que nos faz tomar a consciência da nossa essência! No auge dos novos tempos, em que se fala muito da ecologia, este “nó” dita uma «ecologia humana», ou seja, é preciso ser ecológico nos pensamentos, ideias, ações - visto que há ideias, projetos que por si só são sujos - antes de o ser para com o meio ambiente e a sociedade em geral. O “nó” que nos chama a razão e a uma consciência clara tem de ser dado, caso queiramos ver algo belo no nosso habitat.
O “nó” que nos une, é o “nó” que desvenda os rostos da justiça e da paz, radicadas no amor, não só para alguns, mas para todos, para a humanidade no seu todo. Este amor vem do alto se o procurar; não cai do alto para o encontrar ou tirar à sorte. O “nó” que nos une tem de ser dado, se queremos deixar marcas dignas de honras neste mundo. O “nó” que sara as feridas, alivia a dor dos que sofrem, que acolhe os que não têm lar, que dá ouvidos e acolhe as vozes desabrigadas, pairadas no tempo, na maioria das vezes ignoradas pelos sistemas burocráticas, egoísmo, comodismo, etc. Este “nó” que nos une, une corações despedaçados, fortalece os abatidos e oprimidos pela corrupção, pela ausência da democracia ou uma democracia subornada, regimes políticos, etc. É preciso este “nó” que corta o sabor amargo deste mundo. Acima de tudo precisamos deste “nó” que se dá, também, na solidariedade.

Porque este “nó” existe, e há muitos que o querem dar, a paróquia São José acolheu, no passado dia dois de agosto, um grupo de jovens sem fronteiras: Pe. Damasceno, Dino, Raquel, Ângela, Inês e Martina, que abraçaram o projeto Ponte e, que também abdicaram do conforto e das preciosas férias do verão, para pôr se ao serviço dos outros em Moçambique, Província de Nampula, distrito de Monapo, missão de Itoculo. Com certeza que vai ser um mês dando “nós” em cada encontro, em cada sorriso, e em cada toque da missão. De facto é dando que se recebe, pois o maior ato de fé é a entrega total. Rezemos para que Deus ilumine este grupo de jovens para que possam, influenciados pelo espirito de entrega e partilha, colham frutos em abundância nas suas vidas das “sementes” que durante este mês de agosto vão lançando na missão de Itoculo. “Movidos pela pérola, chamados a partir”. Isto, é aquilo podemos dizer: missão com garra e determinação na aurora do “nó” que nos une.

Gilberto Duarte Borges, in pro-missão 2, Itoculo aos 14.06.2018

26 de junho de 2018

VOZ DA MISSÃO

A Solenidade de S. João Batista celebrada na comunidade de São (santa) Mónica, Murucurucuni!
Entre perdidos e achados, uma viatura com quatro missionários, em vias da evangelização! Transportava uma equipa composta por um Padre, uma leiga, um seminarista e um estagiário. Ora bem, apesar do massacre dos caminhos, supostamente estradas, chegamos e estamos vivos (nakumi).
Chegamos por volta das 7h30m. Eram 8h00, ainda a porta do Senhor, que não habitual, estava fechada para os seus colaboradores. Trabalhar na messe do Senhor não é tão fácil quanto parece! O cenário, quando chegamos foi: a casa do Senhor fechada; uma viatura e quatro missionários; rostos comprometidos e surpreendidos das famílias que vivem ao redor da casa do Senhor, para com a chegada dos quatros missionários, pois era uma celebração não marcada (missa surpresa) e nada estava preparado. A casa do Senhor que, em princípio, seria para louvar o Senhor, estava no modo de celeiro, guardava feijões. Pronto, na ausência de pessoas crentes e participantes, ao menos temos feijões crentes, vigiando o Senhor. O Senhor faz maravilhas, acreditamos!
 Entretanto, o ancião da comunidade, num instante, saiu a correr a chamar os fiéis e, de que maneira, que não tardaram a chegar, mas atrasaram. Enquanto isso acontecia, a equipa missionária encontrava-se espalhada no campo da missão, cada um ocupando a sua posição, bronzeando, no meu caso carbonizando, no belo sol de manhã que estava. Notava-se um sorriso tímido da parte dos aldeões, mas o sol sorriu calorosamente para nós. Nas crianças, o mesmo, notava; mas com o tempo o Pe. Amigo dos mais pequeninos, na verdade, um pai carinhoso para com os mais pequeninos, a seu jeito, deu volta à situação.
Enquanto, as mamãs e papás que vinham à casa do Senhor, pouco me parecia que era o costume ir à casa do Senhor aos domingos, à medida que cumprimentávamos partilhavam as infelicidades, problemas de saúde e as suas preocupações.
O impossível é encontrar alguém, da parte das mamãs e dos papás, que diz: «está tudo bem». Infelizmente há sempre uma queixinha por fazer ou partilhar. A missão que vai ao encontro dos pobres, dos frágeis, dos mais debilitados, resume-se na partilha do pouco e que, curiosamente, acaba por ser muito. O engraçado é que, seja qual for a comunidade, a presença da equipa missionária deixa a comunidade sempre com um sorriso estampado no rosto, mesmo que a comunidade tenha motivos para chorar.
Ponto alto do dia foi quando uma mamã, acompanhada da sua bebé ao colo, falou connosco. Como missionários, sendo amigos do povo e carinhosos para com o povo, perguntamos o nome da bebé, e não é que a mamã já tinha esquecido o nome da sua bebé!? Era só dizer “Florinda Samuel”, mamã!
Reunida a comunidade, com a oração de manhã, apesar de que já tinha passado a hora, momentos de reconciliação e o santo sacrifício (a missa) comungamos da mesma comunhão! No geral a celebração litúrgica, ao estilo “macua”, «corria boa, os jovens animou bem com os cânticos». Terminada a celebração, que é momento de conversar, rezar, cantar e dançar com o povo, aproximava-se a hora de regressar a casa. Mas não podíamos regressar sem antes saudar/saborear a mana “xima” e o mano “caril de frango”. É a missão, é a solenidade de S. João Baptista, é a Igreja, somos nós professando a mesma fé, comungando a mesma comunhão! O certo é que fomos à casa do Senhor, o Senhor fez maravilhas, ficamos maravilhados; então que o digam os que foram, e que vão sempre à casa do Senhor aos domingos. Com o coração inflamado pelo amor do Senhor e uma alegria contagiante, o regresso foi mais suave, apesar do ataque do feijão macaco pelo caminho a alguns membros da equipa missionária! É a Missão…mas NAKUMI!!

Gil. D. Borges, in «pró-missão 1», Itoculo aos 24.06.18


13 de junho de 2018

NOXUKHURU, Sr. D. GERMANO


A diocese de Nacala, desde a sua criação, há 27 anos, teve como seu bispo D. Germano Grachane. Depois de completar 75 anos de idade, como manda o direito canónico, o papa escolheu novo bispo para a diocese de Nacala: D. Alberto Vera.
Chegou, assim, o momento de agradecer o Sr. D. Germano pela vida doada e pelo trabalho feito na nossa diocese, mas, como ele mesmo salientou, não se trata de uma despedida, mas sim de graças a Deus por tudo o que foi feito nestes 27 anos de caminhada diocesana e por esta semente que foi lançada e que marca o início da caminhada desta igreja particular de Nacala.
Para D. Germano, certamente, este é o momento de fazer balanços, preparar mudanças e de perspectivar novos rumos. A diocese de Nacala sente-se na obrigação de parar para um agradecimento profundo àquele que foi o seu primeiro bispo diocesano e que passou tantos anos ao leme desta barca de Cristo. Neste sentido, está-se a organizar nas três zonas pastorais (vigararias) que constituem a diocese uma celebração de acção de graças e de agradecimento a D. Germano. Neste périplo pelas zonas pastorais da diocese, no passado dia 10 de Junho, coube à zona pastoral da Carapira (da qual faz parte a missão de Itoculo) prestar a sua homenagem o bispo cessante.
Foi uma celebração simples, mas bastante viva e sentida, onde todas as paróquias e equipas missionárias da zona pastoral se fizeram presentes de forma muito especial. Além das palavras e das ofertas, ficou bem patente a simpatia e amizade que se criou ao longo destes anos. Como foi muitas vezes salientado, o nome de D. Germano estará sempre marcado na história da nossa diocese e gravado no coração cada membro desta diocese (não fosse ele o seu primeiro pastor): a semente que foi lançada neste cantinho moçambicano vai continuar a crescer e frutificar. Isso significa que estamos numa transição para a nova etapa na nossa caminhada diocesana mas não no fim do caminho; temos pela frente ainda novos horizontes a atingir e desafios a ultrapassar, na construção de um Moçambique melhor.
Termino com uma expressão do próprio D. Germano, na Carapira: “é bonito quando alguém vai para a reforma por causa da idade!” Que este sentimento de dever cumprido o acompanhe sempre e, especialmente, na nova etapa da sua vida.

NOXUKHUR’ELA VANJENE BISPO AHU, D. GERMANO!



18 de abril de 2018

Nas periferias da Beira, Chimoio, Nampula e Nacala


Maputo, Beira, Nampula, Nacala…eis as terras por onde passei nesta visita guiada à Missão Espiritana por terras der Moçambique.
Para os Espiritanos, tudo começou em 1996, quando seis Padres foram nomeados por Roma. Três chegaram a Inhazónia, no Chimoio, quase na fronteira com o Zimbabwé. Outros tantos foram para Netia, no interior pobre e abandonado da Diocese de Nacala. A guerra, terminada oficialmente em 1992, ainda ‘mandava’ naquelas paragens, por onde passou com muita violência. O abandono religioso, a que a revolução da independência votou os moçambicanos do interior, fez destas Missões espaços de primeira evangelização, ou quase!

Moçambique a mudar


O país cresce, como quase todos, a diversas velocidades. Os centros das cidades (Maputo, Beira, Nampula…) aceleram o desenvolvimento com novas e modernas construções de bancos, empresas, centros comerciais, hotéis… As estradas que ligam as grandes cidades estão bem e a melhorar, regra geral, como acontece na ligação rodoviária entre a Beira e o Chimoio, dando ligação para o Malawi e o Zimbabwé. Mas as periferias continuam pobres e abandonadas e o interior passa quase ao lado do progresso, sem estradas, escolas, hospitais que valham ao povo simples que ali mora.

Há empreendimentos agrícolas em curso que podem desenvolver o país, é certo, mas que tiram aos pobres agricultores os seus cantinhos de terra. O agronegócio está a ser muito contestado pela Igreja, por causa dos danos colaterais que vitimam as pessoas mais frágeis. A doença do Panamá deu cabo da produção de bananas. As chuvas intensas do início do ano destruíram casas, caminhos e culturas, sobretudo no norte e centro.

A liberdade, nas suas várias expressões, deixa ainda muito a desejar. Não se pode aceitar o assassínio do edil de Nampula nem o rapto e tortura do jornalista Ericino Salema (em Maputo), de que as autoridades judiciais não descobrem os autores. Há muitos postos de recenseamento eleitoral, mas desconfia-se sempre dos resultados das eleições. O mundo da política está envolto em suspeitas graves por causa das ‘dívidas ocultas’ do governo que ninguém quer assumir nem pagar, embora os credores internacionais ameacem.

Nas periferias da Beira

Os Espiritanos inauguraram, há dois anos, uma comunidade nas periferias da Beira que é hoje um pequeno Seminário. Tem seis jovens, apoiados por dois padres (Nicholas - zambiano e Mango - nigeriano) que se encarregam da nova paróquia da Natividade, situada nas periferias pobres e alagadas da cidade. Ali vivi o domingo de Ramos, com uma procissão feita a partir do início geográfico da paróquia, com caminho aberto pelo carro da polícia. Depois, já na nova estrutura que é a Igreja, houve bênção e Missa de Ramos, com a participação de uma multidão de povo, sobretudo crianças e jovens. Nesta mesma Igreja, ali celebrei a Missa de Quinta-Feira Santa, com o lava-pés. Com as chuvas violentas desta época, todos os caminhos e quintais se transformam num charco intransitável e gerador de doenças, dada a proliferação de mosquitos nestas águas sujas e paradas.

A Igreja na Beira continua a celebrar a memória viva do seu primeiro Bispo, D. Sebastião Soares de Resende.

Em Inhazónia e Chimoio

São longas as distâncias que se percorrem em Moçambique. Com o P. John Kingston, percorremos os 200 kms que separam a Beira do Chimoio, para juntar mais 160 até à Missão de Inhazónia, num interior pobre e abandonado, por onde a guerra civil passou e fez muitos estragos. Ali chegamos no meio de uma tempestade tropical que levou a energia, toda ela vinda da barragem de Cahora Bassa. Na área da Missão, os Padres John (irlandês) e Joseph (nigeriano) são apoiados pelas Irmãs do Coração de Maria e Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus. Assistem 30 e tal Comunidades, estando a mais distante a 210 kms, por caminhos de terra batida!

De regresso ao Chimoio, a Terça-feira Santa foi de reflexão para todos os padres, Missa Crismal com o jovem Bispo, D. João Carlos, e jantar com o clero.

Presença em Nampula

Nampula cresce para todos os lados, como acontece a boa parte das cidades africanas. Numa das periferias, os Espiritanos tomam conta de uma paróquia com quatro grandes comunidades: S. João de Deus, S. Rafael, S. Simão e Cristo Rei. Foram fundadas pelos Irmãos de S. João de Deus, idos de Portugal, que ainda lá estão a viver e a trabalhar. Ali vivi uma longa Via-Sacra pelas ruas de S. Rafael, em Sexta-Feira Santa, seguida da celebração da Paixão e Morte de Cristo. Foram muitas horas de Fé intensa e transpiração em bica, tal o calor abafado que se sentia neste ambiente aquecido pela concentração de largas centenas de pessoas. Pude visitar, mais tarde, a Escola de S. Rafael e a Creche de S. Simão, espaços pequenos e sem condições para acolher tantas crianças com fome e sede de aprender. A Comunidade Espiritana é muito internacional, com os padres Alberto (angolano), Desmond (irlandês) e Makimba (congolês).

S. José de Itoculo

A Missão Espiritana tem expressões muito plurais porque tem três Padres (Raul – português, Edmilson – caboverdiano, Vincent – ganês), quatro Irmãs (Ir. Eduarda e Ir. Adelaide – caboverdianas, Ir. Paula- angolana e Ir. Tatiana -centro-africana), o jovem estagiário Gilberto e a Voluntária JSF Cristina. Apoiam 79 Comunidades que se estendem por uma longa geografia de terra batida que, nesta época das chuvas, tornam as visitas muito complicadas. As Irmãs dirigem um Lar de 50 meninas que, residindo na vila podem ir à Escola e têm também uma Creche e um Centro Nutricional. Os Padres dirigem o Centro Pastoral (de formação dos leigos), o Lar de Rapazes e a Biblioteca. Percorrem toda esta área para celebrações e acompanhamento pastoral das Comunidades.

Tive a alegria de viver uma longa e festiva Vigília Pascal, presidida pelo P. Edmilson na Igreja da Missão. Na manhã de Páscoa, fizemos quase duas horas de picada para chegar até Cristo-Rei de Djipwi, onde se celebrou, com muita festa, a Páscoa, presidida pelo P. Raul. Em todas as celebrações pascais houve baptizados e casamentos. Nas paróquias Espiritanas de Nampula e Nacala houve, nesta Páscoa, mais de mil Batismos de catecúmenos! Como sempre acontece em contexto macua, quer no fim da Vigília quer no fim da Missa de Páscoa, houve a tradicional refeição de ‘Xima com frango’, o prato festivo que junta farinha de milho cozida com frango de campo, uma prova forte para dentes que não sejam fracos como os meus!

Na viagem entre Nampula e Nacala (Itoculo) impus paragens obrigatórias nas Missões Combonianas de Carapira e Anchilo para encontrar a Irmã Clarinda e o Irmão Neto. Este trabalha no grande Centro Catequético que publica a revista ‘Vida Nova’. Em Maputo, fui acolhido e mimado pelos Combonianos, os Padres Constantino, Paulo e Albuquerque. Em Nampula, reuni com o P. Benvindo, diretor da Rádio Encontro.

Que Missão agora?

20 anos depois, o panorama está muito mudado. Os Espiritanos mantêm-se em Inhazónia e mudaram de Netia para Itoculo. Foram abertas comunidades em Nampula e na Beira. Sempre com os mais pobres, nas periferias. Tive a oportunidade de visitar as quatro comunidades, encontrar os Espiritanos e Espiritanas que, por terras de Moçambique, partilham o dia-a-dia sofrido dos povos com quem vivem. Celebrei o domingo de Ramos e a Páscoa. Regressei de coração cheio, convencido de que ali se escrevem grandes páginas de Evangelho no meio de enormes dificuldades, mas muitas alegrias. O futuro dos Espiritanos em Moçambique está a gritar por mais presença, mais investimento, mais Missão.

Tony Neves

31 de março de 2018

PASSAR DA MORTE À VIDA

Estamos a viver, nesta semana especial, o acontecimento maior da vida da Igreja. Tal nos convida a dar passos cada vez maiores no nosso compromisso de fé. Cada ano a liturgia nos propõe uma caminhada com Cristo para a morte e a ressurreição contínua. A semana santa, com a sua riqueza incomensurável, nos mergulha com Cristo na sua morte para, de modo tão admirável, nos fazer ressurgir para a vida nova no Espírito Santo.
O tríduo pascal é sem dúvida o ponto alto da semana santa e o culminar da caminhada quaresmal, proposta pela sagrada liturgia romana. A vivência deste tempo forte, na nossa realidade missionária, suscitou em mim esta reflexão que pretendo exteriorizar neste texto em forma de uma partilha informal.
Durante estes dias, entre momentos mais reflexivos e outros mais festivos, a imagem da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo aparece, como nos apresenta São Paulo, como o centro da vida cristã e do anúncio da salvação. E eu me pergunto: será que, numa realidade onde o sofrimento e a dor nos entra pela vista adentro, continua a ser pertinente o anúncio da cruz de Cristo? Ou ainda: num mundo onde cada vez mais se tende a evitar, esconder e olhar para a dor, o sofrimento e a morte como algo quase obsceno, ainda faz sentido um anúncio que leva como estandarte a mensagem do Crucificado? Diante desta inquietação, só uma resposta me pareceu plausível e adequada: hoje mais do que nunca o mundo precisa escutar esta mensagem e aprender a lição da suprema doação materializada na Cruz de Cristo.
A mensagem do Calvário não é anúncio de uma desgraça, da mesma forma que o acontecimento do Gólgota não é nem nunca poderia ter sido uma fatalidade ou o infortúnio de um mensageiro não compreendido pelos seus contemporâneos. Ao olhar para a cruz, o que vemos é um dom incondicional e o amor maior que o ser humano jamais pôde contemplar. É o verdadeiro amor que Deus sempre manifestou para com o Homem, agora, incarnado na doação total do próprio Filho do Altíssimo. É grande este mistério! Não menos importante é a mudança que isto acarreta sobre a nossa maneira de ser e de viver; antes de mais o sofrimento já não pode ser visto como uma desgraça do destino, mas podemos olhar para ele como possibilidade de manifestação do dom. A morte também pode ser o lugar de graça e de esperança. Se, na sua morte, Cristo nos deu a vida, isso significa que a morte pode ser a semente lançada à terra para que a vida germine e cresça.
Se olharmos assim para a nossa vida, certamente, a dor e a morte poderão também encontrar um lugar no seio da nossa existência. Quando conseguimos integrar a morte e o sofrimento na nossa vida e na nossa sociedade, mais facilmente compreenderemos que o único caminho para viver bem e com dignidade não é a fuga, mas a doação. Abraçar a cruz de Cristo é também passar pelo monte das Oliveiras e viver a noite da dor e da solidão em atitude de esperança. O que torna a dor ainda mais insuportável é o desespero e o sentimento do vazio: se não houver a esperança de que ainda resta algo pelo qual eu posso lutar e que está ao meu alcance, a dor se torna desumana e a eutanásia, o suicídio ou outras formas de «não-vida» se apresentam como a única solução viável. Ora, em Cristo aprendemos que a morte não significa «não-vida», mas também é um lugar onde Deus se manifesta. Será que no mundo de hoje já não há lugar para esta mensagem? A nossa sociedade pode ser privada deste anúncio? E se nos omitirmos a esta missão, quem pode levar esta mensagem de vida aos Homens de hoje e de amanhã? Que neste tempo pascal cada um de nós possa levar esta Cruz de Cristo gravada no nosso coração ao encontro dos irmãos. A Páscoa nos convida, em cada ano, a olhar para a cruz e ver, não já o instrumento de suplício, mas sim a árvore que produz frutos de vida divina. A todos uma feliz e santa Páscoa, repleta das maiores bênçãos de Cristo o cordeiro de Deus que nos salva do pecado.

2 de março de 2018

Um mês de Itoculo...


Um mês de sol, de sorrisos, de terra vermelha, de buracos na estrada, de capulanas de cores vivas, de muitos "ta ta vó" a caminho das comunidades, de encontro com Deus, de muitos nomes, de Macua, uma língua que não entendo, mas que começa a tornar-se familiar aos meus ouvidos... Um mês de muitas novidades, "Ihali?", palavra que se repete todas as vezes que nos cruzamos com alguém que, não cumprimenta somente, mas também pára para saber as novidades daqueles que vivem na sua comunidade e fazem parte dos seus dias. " Salama!", "Está tudo bem!", nem sempre é a resposta que se ouve, porque a resposta é sempre sincera... "Normal!, Doença!, Fome! Malária!" são algumas das respostas que diariamente ouvimos por aqui. Acima de tudo, tem sido um mês de muitas pessoas, pessoas que enchem o meu dia e que alentam o meu coração que ainda fica pequenino quando vê as dificuldades do povo e os desafios dos cristãos e sente as necessidades das crianças e dos jovens, que, muitas vezes, agigantam-se de tal forma que parece não haver maneira, não haver lugar para a esperança nos seus corações.

Procuro caminho e em Deus encontro direção para dar o melhor de mim e tentar ser um pouco dessa esperança que parece perdida. Aqui e aí, Deus chama-nos, a todos os Cristãos, para olharmos para o nosso Irmão e colocarmos ao serviço todos os dons com que Ele nos abençoou. Tenho aprendido com aqueles que me acompanham nesta missão que esses dons são sempre mais do que julgamos... podemos sempre dar um pouco mais de nós. Basta voltar ao Senhor de todo o coração e com toda a nossa vida, como nos diz o Papa Francisco na mensagem para esta Quaresma, mensagem que ressoa nas palavras dos padres da missão, sempre que falam às comunidades... mais do que ler o Evangelho, Deus quer que O vivamos!

Um mês de Itoculo...um mês que veio transformar a casa me recebeu no meu lar, um lar que acolhe todos os que aqui estão, todos os que por aqui passaram e todos os que nunca estiveram em Itoculo, mas têm o seu coração aqui. O Itoculo do P. Pedro, do P. Damasceno, da Rita, da Xana, da Joana, do Miguel, da Ernestina, da Helena e de tantos outros tornou-se também o meu Itoculo... a missão é a minha casa e eu encontrei o meu lugar! Estamos vivos, estamos juntos e juntos continuaremos a caminhar com e pelo povo de Itoculo. 

25 de janeiro de 2018

UMA DÚZIA

Quem vai ao mercado, ou à feira, pode facilmente ouvir dizer que «à dúzia é mais barato». Aqui na Missão de São José – Itoculo este ano, com a recém-chegada Cristina Fontes, completamos uma DÚZIA de Leigos Missionários Voluntários nestes 14 anos de presença espiritana em Itoculo. Muitos outros Padres e Irmãs Missionários do Espírito Santo, e também os jovens estagiários espiritanos em formação (até ao momento já somam 9 estagiários), ajudaram a embelezar esta Missão, sempre no ritmo missionário de chegar e partir.



Mas com a chegada da Cristina, no dia 23 de Janeiro deste ano, completa-se o total de 12 Voluntários/as que marcaram presença e deram uma parte das suas vidas a esta Missão. Cada um na sua área profissional de formação deu o seu contributo generoso que recordamos com grata memória. A diversidade da acção missionária local acolheu cada um na sua particularidade, e também permitiu descobrir novos talentos que a necessidade obrigou a despontar. Cada um que o diga!

Trata-se de uma lista que começa a meter respeito!

1-Logo no início, vindo ainda da Missão de Netia, estava o enfermeiro Christophe Héveline (francês-2003). E numa missão, não muito distante, estava Natacha, que não esquecemos.

2-Depois veio o Hugo Rodrigues (JSF de Tires-2004) que os alunos recordam como bom professor de português, mas muito exigente.

3-Seguiu-se a Engenheira Celeste Reis (de Lisboa-2006) que ajudou a construir o Centro Paroquial São Francisco Xavier que ainda hoje permite a formação de muitos agentes de pastoral.

4-Depois veio a Joana Pedro (JSF de Monte-Abrãao-2008), também formada na área da engenharia ambiental e animadora de jovens.

5-Continuou com a Ernestina Falcão (de Esposende-2010) professora de biologia e amante dos livros e da leitura, promotora das escolas comunitárias.

6-Outra Joana (JSF de Serzedelo-2012) ocupou o lugar valorizando ainda mais os livros e a biblioteca, não fosse ela arquivista de formação!

7 e 8-Uma dupla, Xana Martins (JSF de Mértola-2013) e Rita Coelho (JSF de Lordelo-2013) e , animaram a juventude e inauguraram a nova biblioteca. Pouco antes tinha chegado a Clemence, enfermeira francesa, mas que não foi autorizada pelo governo moçambicano a trabalhar na área da saúde e regressou.

9 e 10-Seguiu-se a Babuxa (de Sintra-2014) e o Miguel Campos (JSF de Carvalhal-2014) que coordenou os trabalhos na construção do Lar masculino de estudantes para acolher 40 rapazes este ano.

11-Mais recentemente a Helena Carvalho (de Braga-2017), economista de formação mas empreendedora e muito ‘faladeira’ por natureza.

12-E agora a Cristina Fontes (JSF de Fiães-2018) professora de português e inglês e outras coisas que vamos descobrir, e que ainda não podemos dizer…

Uma lista que merece ser continuada pela riqueza da sua diversidade. Se alguém ainda tem dúvidas destes da grandeza e da pertinência destes projectos, aqui fica esclarecido. Também, se alguém ainda hesita em arriscar dar um passo que leva a viver este tipo de Missão, aqui mesmo encontra muitos exemplos de entrega e dedicação. Parabéns a todos/as que por aqui passaram e nesta Missão deixaram as suas marcas. Agora estão um pouco distantes fisicamente, mas tentando sempre ficar próximos. A todos reafirmamos esta certeza que estamos juntos!


Para a Cristina Fontes damos as boas-vindas com votos de boa missão por terras de Itoculo, na Diocese de Nacala.

20 de janeiro de 2018

DEPOIS DAS CHUVAS INTENSAS

O dia começou com uma chamada telefónica do animador de uma zona da paróquia a informar que muitas casas caíram com as chuvas que se fizeram sentir esta semana. Dois dias antes o jovem de uma comunidade informava que na sua comunidade caíram 35 casas. No dia seguinte rectificava e dizendo que subiu para 78, e hoje confirmava serem 85 casas, com possibilidades de aumentar nos próximos dias. Tudo isto resultou de um SMS enviado aos animadores para recolherem os dados e trazerem para o Conselho Paroquial a realizar-se no final do mês.

Após o mata-bicho, juntamente com o jovem Gilberto, seminarista estagiário, demos uma volta pelos bairros, era a sua primeira incursão a fundo por Itoculo. Cruzando pelo espaço da escola fomos na direcção do bairro Sanhote. Encontramos o Sr. Bento que estava a sachar o milho num pequeno terreno junto de casa, onde espera apanhar as primeiras massarocas para comer mais tarde. Saudamos e seguimos rumo à casa do chefe do núcleo de Santa Isabel, que encontramos quando regressava a casa com dois torrões de capim para transplantar e resguardar a sua casa das águas da chuva. Uma planta que serve também para afastar os mosquitos e dá um chã agradável para situações de indisposição. 



Este encontro deu-se quando estávamos a saudar o responsável da família da comunidade de São José, que estava a cortar um cajueiro que caiu em cima da sua latrina. Entretanto chegou um jovem que ia visitar um seminarista e combinar a viagem para Maputo. Também o seguimos nesta visita quando vimos que estava uma conjuntivite há já duas semanas. Saudamos toda a família e continuamos viagem, passando pela casa do Sr. Luís que estava de cama. Entramos para saudar e desejar as melhoras, pois já tinha estado bastante mal, pouco tempo atrás.

Por entre as casas do bairro seguimos até apanhar a estrada principal. Aí encontramos três estudantes que também iam visitar o colega que estava doente. Continuamos mais um pouco e cumprimentamos a mamã Lucinda que estava com a sua criança recém-nascida, também ela com conjuntivite. Descemos mais à frente saudando as pessoas e observando as várias casas caídas ou em risco de cair. O nosso objectivo era chegar à casa do Ancião da comunidade, mas ‘encontramos quando ele lá não estava’.

Na volta, tomamos o lado contrário da estrada e passamos pela casa do Sr. Cássimo onde estava apenas a esposa com as crianças, lamentando-se dos estragos que a chuva causou na cozinha e no celeiro. Continuamos viagem e uma senhora nos interpela para saudar e dizer que está mal da garganta, mas, como tinha entrado no hospital, conseguiu algum medicamento que vai tomar. Desejamos as melhoras e seguimos até ao mercado pela estrada central. Passamos por um grande cajueiro que tombou sobre uma casa e que agora estava cheio de crianças penduradas como num baloiço e em forma de trapézio. Aquilo que era uma tragédia para uns, para estes infantes começou a ser um centro de brincadeira e animação. Talvez seja uma maneira alternativa e mais animada para olhar esta triste realidade.

Daí cruzamos para o cemitério dos monhés que estava fechado. Mais à frente entramos na zona do bairro Novo onde muitas casas também sofreram com as chuvas intensas. De seguida penetramos no bairro de Talalane passando por uma grande mangueira que estava a ser bem abanada nos seus frutos ainda verdes. De tanto abanar se encheu todo o chão de mangas verdes, era a fome e a vontade de apanhar mangas comestíveis. O pior é que amanhã não terão outras mangas para comer, porque tudo ficou estragado no chão. Hoje apanham algumas e amanhã não terão nada, apenas mais fome. Esta é a lógica da pobreza que leva à miséria.

Sofrendo da real pobreza estava uma mamã que se aproximou e nos pediu ajuda porque a sua casa caiu totalmente com as primeiras chuvas. Sem ter onde ficar, abrigou-se provisoriamente na casa da filha. Uma situação que se terá de prolongar no tempo, pois este não é período para novas construções. Uma situação provisória por tempo indeterminado.

Continuamos e avançamos até ao núcleo de São Lucas, onde estava o Sr. Paulo com os seus amigos sentados com sinais de quem está a tomar uma ‘primeirinha’ (aguardente local). Também a sua casa foi danificada num dos lados, mas a sala do núcleo estava intacta. Nada de pânico nem alarme, pois ‘Deus enviará o sol para repor tudo no sítio certo’, dizia ele animado pelo espírito da bebida. Aí encontramos também o jovem Okeya, conhecido de todos pela insuficiência mental, mas muito calmo e simpático. Ele nos acompanhou e era o centro das atenções até chegarmos a casa.



Enfim, foi uma volta rápida e atenta que ajudou a ver o estado da situação provocado pelas chuvas intensas de uma depressão atmosférica vindas do Canal de Moçambique. São muitos casos que precisam de uma acção imediata da assistência do Governo local e central com activação do plano de emergência, mas até agora pouco ou nada se fez. E tudo isto situa-se apenas em Itoculo-sede, pois se considerarmos todos os bairros do Posto Administrativo, certamente que iremos ultrapassar as 2500 famílias desabrigadas.

Como Igreja não temos recursos para socorrer estas situações. Mas vamos pensar um plano que possa ajudar na reconstrução das casas. Não apenas na aquisição de material, mas orientação para um tipo de construção que minimize estas situações, onde prevaleçam as casas com cobertura de quatro águas. Mesmo se a maioria das construções são precárias, com adobes de barro amassado, também é possível que sendo bem-feitas elas possam suportar estes fenómenos naturais, vencendo essa precariedade.


«Que Deus nos ajude e seja favorável». É isto que queremos para este ano 2018, quando somos confrontados com situações imprevistas e bastante danificadoras. Ao mesmo tempo, tudo isto representa para nós um desafio à nossa capacidade rigorosa e eficaz de trabalhar. Estamos vivos. Vamos em frente.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...