27 de outubro de 2010

“a música não se privatiza…”


Damasceno
Itoculo


Todos os domingos, depois de termos celebrado e almoçado nas comunidades, à tardinha, juntamente com a comunidade das irmãs, temos na missão uma hora de adoração ao Santíssimo. Mais do que um preceito, esta hora representa para nós um momento de verdadeiro repouso, revitalizante, no fim de um longo dia de trabalho fora de casa.

Em Itoculo, com a chegada da energia eléctrica (em 2007), começaram a proliferar, um pouco por todas as esquinas, palhotas tipo clube de vídeo e discoteca. A partir de uma certa hora, a malta jovem, e não só, vai toda assistir a algum filme de kung-fu chinês ou de Rambo americano. Filmes com argumentos daqueles em que os diálogos só atrapalham. O máximo que se produz são monossílabos, ou grunhidos, sem necessidade de legendas. Em cada uma destas barracas se tenta vender o peixe o melhor que se pode. A técnica para atrair a clientela é a mesma de sempre. Tentar dar nas vistas, ou melhor, nos ouvidos, falar mais alto que o concorrente. Por isso cada “videoclube” está munido do seu altifalante de alta potência decibélica para se fazer notar, infernizando toda a povoação e arredores. Pelo som não se paga nada, só pela imagem – um metical cada sessão (equivalente a 2 cêntimos de Euro). Num dos seus brilhantes romances, Mia Couto coloca esta sábia sentença na boca de um dos personagens: “a música em África não é para ser privatizada”! hum, hum…

E agora metamos os dois parágrafos anteriores no mesmo saco. É que uma dessas salas de “cinema” encontra-se exactamente em frente da capela onde fazemos a nossa adoração! É uma situação no mínimo insuportável. Ao longo de várias semanas foram-me vindo à cabeça algumas estratégias para pôr cobro a isto. Algumas delas partilhei com o resto da equipa missionária. Outras não.

PLANO A: montar uma aparelhagem e um projector de vídeo no centro paroquial e passar filmes de borla para arrasar de vez com o adversário.

PLANO B: Comprar o espaço à frente da capela e fazer assim com que o espectáculo vá, pelo menos, um pouco mais para longe.

PLANO C: Ir ter com o homem do altifalante e lançar-lhe uma praga de racha pessegueiro (ou cajueiro, para ser mais inculturado). Talvez pudesse combinar com os homens da EDM (Eletricidade de Moçambique) para provocarem um black out um pouco depois do meu oráculo ameaçador.

PLANO D: Escavar um túnel de nossa casa até ao terreno do inimigo e depositar por lá uns explosivos…

Alguns destes planos têm inconvenientes, reconheço. E o pior é que foram detalhadamente engendrados, ponderados, reelaborados... precisamente durante o tempo de adoração ao Santíssimo Sacramento. É um pouco decepcionante, e humilhante até, deparar-se com esta colecção de ideias ao cabo de uma devota hora de meditação. Mesmo assim, graças a Deus. Este conjunto de PLANOS, de A a Z, é o símbolo da minha fragilidade. Símbolo da incapacidade de me abster do ruído exterior para mergulhar no amor silencioso de Deus. Símbolo da minha incapacidade de perdoar, de relativizar, de serenar, não dando azo à irritação. – E é esta a minha oração, Senhor. Por uma fracção de segundos, esta simples constatação se transformou em oração, me ocupou por inteiro a alma, sem que o rapper ou o pop beat do vizinho me perturbassem mais. Por este momento apenas, esta hora de adoração já valeu a pena.

Graças e louvores se dêem em todo o momento.

4 de outubro de 2010

construção-comunhão-chave-missão

Raul Viana


Itoculo

A mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2010 do Papa Bento XVI convida cada cristão a renovar o seu compromisso de anunciar o Evangelho, um dever de toda a igreja “missionária por natureza”. Portanto, trata-se de “promover o anúncio do Evangelho no coração de todas as pessoas, povos, culturas, raças e nacionalidades, em todas as latitudes”. Protagonista do compromisso da Igreja missionária, cada um é convidado a “estender o olhar do coração sobre os imensos espaços da missão” e a dar a sua colaboração através da oração e da partilha fraternal.

A partir do tema da Mensagem - «A construção da comunhão eclesial é a chave da missão» - deixo aqui uma pequena partilha da vida missionária em Itoculo/Moçambique:

CONSTRUÇÃO:
Construir, destruir, reconstruir… são acções e comportamentos que todos vivemos no nosso dia-a-dia. Quando realizados em comunidade, em vista do bem comum, exigem um esforço maior. A nossa presença no meio deste povo – paróquia de S. José de Itoculo – visa esta construção eclesial. Mais do que a «pastoral do tijolo», é importante a pastoral evangelizadora junto de cada pessoa. Seguindo esta ordem de factores, chegou também o momento construir um espaço físico para que os nossos encontros pastorais tenham um mínimo de condições.
(Desde já agradecemos a todos aqueles que generosamente nos ajudam nesta tarefa).

COMUNHÃO:
Quando impera o individualismo a tarefa da comunhão é uma necessidade que exige redobrados esforços. Mais do que juntar pessoas, a nossa missão é criar laços de união, que com o dom da fé se transformam em comunhão. A dispersão das pequenas comunidades por toda a paróquia é grande, para isso investimos na formação e informação dos nossos diferentes animadores pastorais através dos encontros semanais para despertar à unidade paroquial e eclesial, consolidando a opção alcançada pelo baptismo.

ECLESIAL (Igreja):
A Igreja é a assembleia dos convocados, daqueles que foram chamados para viver e celebrar a sua fé cristã em comunidade. Uma convocação que se torna mais evidente cada domingo na Celebração Comunitária da Palavra, ou na Celebração Eucarística quando há Sacerdote para tal. Como não é possível entrar todos os domingos nas 77 comunidades da Paróquia, cada padre centra-se numa delas e com ela celebra o mistério da fé. Isto significa que são precisos mais padres missionários!
CHAVE:
Desde muito cedo aprendemos a lidar com as chaves de casa para abrir e fechar portas. Sabemos da importância de as guardar bem seguras e do cuidado de não as perder. Se elas são importante para fechar, são ainda mais importantes para abrir. Deste modo, podemos ir ao encontro daquilo que temos guardado e também descobrir outros tesouros e abrir novos horizontes na nossa vida. Numa cultura muito diferente daquela onde nascemos e crescemos é importante cultivar esta atitude de abertura e acolhimento.

MISSÃO:
Já todos sabemos que a Missão é ‘atemporal’ e não há território específico para se ser missionário/a. Ela é de todos e em todo o tempo e lugar. Isto mesmo partilhamos aqui com os nossos cristãos, também eles chamados a serem missionários pela oração e partilha. A sensibilização vocacional e missionária a par do ofertório para as missões (por mais pequeno que seja) são dois pontos comuns neste Mês Missionário.

Concluindo, importa recordar que «o Pai nos chama a ser filhos amados em seu Filho, o Amado, e a reconhecermo-nos todos irmãos Nele, Dom de Salvação para a humanidade, dividida pela discórdia e pelo pecado, e Revelador do verdadeiro rosto de Deus que ‘amou tanto o mundo que Deus o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna’ (Jo 3,16)».

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...