22 de março de 2014

Apontamento histórico - Parte IV

Breve apontamento histórico da Evangelização e da Igreja de S. JOSÉ DE ITOCULO - IV
Raul Viana

5. Razões da opção por Itoculo

Porquê que os Espiritanos deixaram a Paróquia-Missão de Netia e vieram para Itoculo? De facto, como acabamos de ver, durante vários anos os Espiritanos fizeram a viagem de Netia para Djipui (Itoculo B), desde quinta-feira à noite ou sexta-feira de manhã até domingo. Havia reuniões de formação e terminavam com a celebração eucarística dominical, regressando depois a Netia. Mas à medida que o tempo avançava os Espiritanos foram-se dando conta de que Netia era uma paróquia que oferecia boas garantias não só ao nível de maturidade cristã do seu povo, mas também em termos de sustentabilidade material… Por isso, com naturalidade, chegou-se à conclusão que esta seria uma Paróquia a entregar ao clero diocesano.

Neste sentido, ainda em 1998, os espiritanos de Netia conceberam a hipótese de, num futuro a preparar, deixar Netia e assumir uma outra missão, no centro de Moçambique, que realmente necessitasse da presença missionária e que, ao mesmo tempo, permitisse aos espiritanos presentes em Moçambique concentrarem-se numa única região, uma vez que a exiguidade do número e a sua relativa fragilidade pareciam aconselhar essa concentração. Algum tempo de discernimento conduziu o Grupo num outro sentido: já que os espiritanos asseguravam, desde o princípio da sua presença no país, a cura pastoral de Itoculo B, que era uma área inteiramente necessitada de missionários e longe de poder ser entregue ao clero diocesano, faria todo o sentido que a atenção se concentrasse aí, deixando-se Netia, logo que pertinente, para o clero da diocese. Na verdade, logo à chegada os espiritanos tinham constatado que Netia, mesmo no entender do corpo missionário da diocese, seria a paróquia com melhores condições para confiar ao clero local. Entretanto, em 1996, ano da chegada dos espiritanos, o clero diocesano contava com um único sacerdote, que na altura estudava em Roma. Desde logo, portanto, os espiritanos assumiram como certo que, assim que as circunstâncias o aconselhassem, a melhor opção missionária seria deixar Netia.

Nos anos subsequentes o clero diocesano foi aumentando lentamente. Nos inícios de 2000 era já possível começar a vislumbrar um quadro de distribuição do clero local que incluísse a paróquia de Netia. E foi nesse sentido que uma primeira proposta foi apresentada a D. Germano Grachane, que a acolheu com muita abertura. Depois de muito diálogo entre os espiritanos, os combonianos e a diocese, um primeiro parecer positivo foi emitido pelo conselho presbiteral da diocese. Em 2002 um acordo formal se estabeleceu, prevendo que em dois anos os espiritanos criassem em Itoculo as condições necessárias para aí se estabelecerem. Foi ainda previsto que, antes de deixarem Netia, uma equipa de padres diocesanos seria nomeada e enviada para Netia, a fim de se assegurar um período de transição e entrega da paróquia de Netia.

Embora durante todo o tempo em que assistiram Itoculo B o seu lugar de permanência fosse Djipui, os espiritanos decidiram que deveriam estabelecer o novo centro missionário no centro de Itoculo-sede. Tal permitiria um trabalho multifacetado, também na área da saúde e da educação, e possibilitaria também um melhor acesso ao exterior da paróquia, em todas as épocas do ano (embora nesta época a estrada entre Itoculo e a N8, que liga Nampula a Nacala, ainda não estivesse reabilitada e, por isso, ficasse por longos períodos intransitável ou quase). Depois de encontrado e adquirido o terreno, fez-se a prospeção de água; vários meses mais tarde, abriu-se um furo artesiano, em Outubro de 2002. Em Março de 2003, começaram as obras de construção da residência dos espiritanos. Em 8 de Março de 2004, os espiritanos deixaram Netia e estabeleceram-se definitivamente na casa recém-construída em Itoculo.

No início desse ano, tinha-se também começado a construir a Casa dos leigos missionários, pensada para uma equipa de três missionários leigos, dos quais, se possível, ao menos dois se dedicassem à saúde e eventualmente um à educação.


6. A criação da paróquia de S. José de Itoculo

A Provisão dada por D. Germano Grachane a 22 de Fevereiro de 2004 (Nota: Provisão Registada no livro Competente sob o nº 41-22-2-04 na Diocese de Nacala)  faz saber que a quási-paróquia de Itoculo manifesta bons «sinais de crescimento das comunidades cristãs na fé adulta, operosa na caridade, na participação ativa nas obras de evangelização, na qualidade e número de fiéis, de famílias cristãs, de vocações à especial Consagração no sacerdócio e na vida religiosa». O bispo continua afirmando que é «necessário prover urgentemente ao melhor e maior proveito espiritual, moral e humano-social» desta porção da Igreja diocesana. Assim, depois de «uma longa e atenta auscultação» das autoridades eclesiásticas e civis, nos termos do Cânon 515 parágrafos 1-3, Itoculo foi ereta em Paróquia autónoma.

Assim se lê na Provisão: «De hoje em diante, o território de Itoculo fica definitivamente desmembrado da jurisdição paroquial da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Mweria, da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Netia e da Paróquia do Imaculado Coração de Maria da Carapira, e o mesmo território passa a constituir paróquia autónoma que se chama S. José de Itoculo. Os limites do território da nova Paróquia de Itoculo coincidirão com os do foro civil, a saber: ao Norte, o Distrito e a Paróquia de Nacarôa; ao Sul, o Distrito e a Paróquia do Mossuril e parte do território da Sede do Distrito e Paróquia do Monapo e Paróquia do Imaculado Coração de Maria da Carapira (do mesmo Distrito de Monapo); a Nascente, o território do Distrito de Nacala-a-Velha e Paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Mweria (no mesmo Distrito); a Poente, o território da localidade e Paróquia de Netia». Está dito ainda, «A nova Paróquia de Itoculo terá como Padroeiro S. José, o casto e esposo da Santíssima Virgem Maria, cuja festa litúrgica se celebra em toda a Igreja no dia 19 de Março, ao passo que a sua sede paroquial ficará situada na Povoação que é a atual sede do Posto Administrativo do mesmo nome, Itoculo».

No mesmo dia foi passada outra Provisão onde se faz saber a nomeação do Pároco para a recém-criada Paróquia de S. José de Itoculo, em ordem ao «crescimento espiritual e material dos fiéis e de todos os homens e mulheres de boa vontade». São então nomeados Párocos in Solidum o P. Pedro Fernandes (moderador), o P. Alberto Tchindemba, o P. Damasceno dos Reis e o P. Guilhermo Torres, todos espiritanos. Mais tarde, em Junho de 2009, com a mudança de pessoal missionário espiritano é nomeado pároco o P. Damasceno dos Reis, que continua até à data presente.


7. Vida e estruturas paroquiais e missionárias

Ereta canonicamente a Paróquia de S. José de Itoculo a 19 de Março de 2004, dia do seu Padroeiro, S. José, as denominações de Itoculo A e B deixaram de existir, passando a ser uma única paróquia com três centros regionais: S. Pedro de Djipui, Nossa Senhora do Rosário de Chihire e S. Carlos Luanga de Congo. Estas três regiões subdividem-se em 15 zonas pastorais com 77 Comunidades cristãs, mais algumas salas de oração e catequese. 

Esta nova realidade representou uma opção pastoral que resultou de um longo processo de discernimento. Os espiritanos estavam cientes de que Itoculo A e B tinham funcionado durante muito tempo como paróquias realmente autónomas. Desde que os espiritanos tinham assumido a cura pastoral em Itoculo B, um estilo diferente de animação se tinha também iniciado, o que tornava mais distante, entre as duas “paróquias” o modo de conduzir a vida pastoral. Com a reunificação, um novo desafio se colocava: caminhar para uma realidade paroquial una que, respeitando as diversidades, correspondesse a um verdadeiro sentido de pertença e identidade paroquiais. Desde cedo se promoveram encontros de diálogo e concertação entre os conselhos paroquiais de Itoculo A e os conselhos regionais de Itoculo B (Chihire e Djipwi). Um grande sentido de Igreja e uma visível boa vontade marcaram a atitude de todas as partes, desde o princípio, o que tornou possível que realidades pastorais bastantes díspares fossem, pouco a pouco, encontrando um caminho comum e construindo em conjunto um projeto paroquial em que todos se revissem. Este foi um período desafiante, cheio de aspetos sensíveis, mas de grande riqueza para o crescimento e consolidação pastoral da nova paróquia de S. José de Itoculo.

Mesmo a escolha do padroeiro pretendeu apontar para uma figura que fosse por todos identificada como comum. Assim, a figura de S. Carlos Luanga, padroeiro da quási-paróquia ereta nos anos 70, tinha-se de facto tornado o padroeiro da secção de Itoculo A; as figuras de S. Pedro e de Nossa Senhora do Rosário eram percebidos como os padroeiros de Djipui e Chihire. Para que o patrono paroquial fosse, como se pretende, fator de unidade e coesão, a escolha de um novo santo padroeiro pareceu apropriada. Sendo S. José patrono da comunidade de Itoculo-sede (Nacuca), e havendo já uma devoção especial dos espiritanos de Netia por este santo (que até era o padroeiro da comunidade espiritana), pareceu ser esta a figura que convinha à nova realidade pastoral. A nova paróquia viria a ter S. José como seu patrono, mantendo cada uma das suas regiões paroquiais com os seus padroeiros originais.

A paróquia conta com um Centro Paroquial – S. Francisco Xavier – construído entre 2006 e 2007 com capacidade para acolher 65 animadores. Trata-se de um Centro para formar e capacitar os diferentes animadores de todos os ministérios existentes na paróquia. Este Centro comporta também um espaço de culto para a comunidade local de S. José, e esse mesmo espaço serve provisoriamente de «igreja paroquial». Além deste centro paroquial, existe ainda outras construções de alvenaria e respetivo terreno legalizado:

- Djipui: uma casa pequena (onde pernoitavam os missionários vindos da Mueria, Carapira e Netia), uma capela e duas salas de formação, mais uma cozinha e dispensa; a legalização do terreno em 2012 comporta uma área de 12.942m2 (processo legal 3280/2011).

- Chihire: uma capela em alvenaria juntamente com uma casa e cozinha (onde pernoitavam os missionários vindos de Mueria e Carapira). Estes dois espaços foram recuperados em 2012, e neste mesmo ano foi construído um salão e sala anexa para os encontros de formação; a legalização do terreno em 2012 comporta uma área de 6.514m2 (processo nº 3281/2011).

- Congo: uma capela em alvenaria construída em 2001, um salão, dispensa e cozinha construídos em 2013; a legalização do terreno em 2001 comporta uma área de 3.747m2 (processo nº 281/96).

- Capela da comunidade de S. Paulo Monetaca construída em alvenaria e alguns terrenos de outras comunidades com documentos reconhecidos pelas autoridades locais.

Atualmente está em curso a construção de um Centro de Estudos (Biblioteca e sala de informática) para apoiar os estudantes da escola secundária. Igualmente faz parte deste projeto a construção de um lar para estudantes, que a seu tempo aparecerá e se apresentará como mais uma obra para apoiar a camada estudantil masculina com maior dificuldade.

Além desta estrutura material, a paróquia conta sobretudo com a sua força viva, que são os seus cristãos (Nota: Os animadores regionais gerais de DJIPUI: Mauricio Ntavi (2002-2006); Ernesto Najope (2006-2012); Calisto Assuate (2012-). CHIHIRE: Acácio José (2000-2006); Júlio Obede (2006-2012); Cornélio Chanfar (2012-). CONGO: João Antique (2004-2010); Bernardo Adelino (2010-2011); António Salimo (2011-2014).) Neste sentido o quadro estatístico pode ajudar a compreender o ritmo atual da vivência e participação sacramental. Trata-se de um quadro que considera os bebés que foram batizados, bem como muitos catecúmenos jovens e adultos. Alguns destes últimos receberam também o Sacramento do Matrimónio. Tudo isto se pode ver melhor no quadro que apresenta estes números gerais desde a criação da Paróquia (19/03/2004) até ao fim de janeiro de 2014.

Relativamente ao Sacramento do Crisma, durante estes 10 anos, por duas vezes o Sr. Bispo D. Germano Grachane visitou a paróquia para ministrar este Sacramento (2005 com 175 crismandos e 2012 com 96 crismandos). Em 2004 o Crisma foi ministrado pelos PP. Pedro Fernandes e Damasceno dos Reis mandatados pelo Bispo. Em 2008 veio o Vigário Geral da Diocese, P. Firmino Cusini, mandatado pelo mesmo Bispo D. Germano. E em 2009 e 2011 o Crisma foi ministrado na unidade dos três Sacramentos da Iniciação Cristã durante o Tempo Pascal, com 68 e 130 crismandos respetivamente. Ou seja, um total de 1.219 jovens e adultos que foram crismados de 2004 a 2012.

8.       A Consolidação da Paróquia-Missão

Após a criação da Paróquia, em 2005, chegaram as Irmãs Missionárias do Espírito Santo (Nota: As Irmãs que chegaram a Itoculo em 2005 foram: Ir. Alice Areias (portuguesa: 2005-2009), Ir. Carmo Barros (portuguesa: 2005-2006). Depois vieram a Ir. Felicité (centro-africana: 2006-2008); Ir. Adelaide Teixeira (cabo-verdiana: 2006-); Ir. Joyce Abi (nigeriana: 2006-2012); Ir. Augusta Vilas Boas (portuguesa: 2006-). Mais tarde chegou a Ir. Rosenir Soares (brasileira: 2009-2012), e a Ir. Luísa Barros (cabo-verdiana: 2012-) que, juntamente com os Missionários do Espírito Santo, formam a Equipa Missionária com a tarefa de animar toda a paróquia nos seus diferentes ministérios. Também parte integrante desta animação missionária são os voluntários que chegam a Itoculo e dão o seu contributo profissional nas diferentes áreas profissionais. Do mesmo modo, foi muito significativo a presença e participação dos estagiários espiritanos que passaram por Itoculo como já referimos atrás.

Na parte referente às Irmãs é de salientar o trabalho de promoção feminina que se foi desenvolvendo, quer pela formação geral das mulheres, quer pela costura e pelo Lar de acolhimento a jovens estudantes que iniciou em 2010. Paralelamente, é muito significativo o Centro Nutricional para crianças desnutridas inaugurado em 2009. Em 2013 iniciou-se um trabalho mais coordenado de apoio à infância com a criação do centro pré-escolar «Baquita». Tudo isto além de muitas outras iniciativas de caráter geral em vista do desenvolvimento integral da pessoa, especialmente da mulher macua.

Uma das condições para ser criada uma paróquia é a existência de sinais claros ao nível das vocações de especial consagração ao Sacerdócio e Vida Religiosa. Assim, quatro anos após a sua criação, a Paróquia de Itoculo celebrou efusivamente a Ordenação Presbiteral de um dos seus membros, o jovem Bartolomeu Cipriano, da comunidade cristã de S. Marcos-Carracane, foi Ordenado Sacerdote a 27 de Abril de 2008 em Itoculo-Sede. Em 2012 iniciou o minicentro vocacional de Itoculo com a implantação da Escola Secundária em Itoculo sede. Assim em 2014 a Paróquia conta com vários jovens vocacionados e outros jovens em formação nos seminários e casas de formação: 3 no Seminário diocesano de Nacuxa (Rapson Tarcisio, Bonifácio André e Felisberto Mário); 3 nos Verbitas em Maputo (Albertino Raimundo, Adelito Adriano e Abusai Adriano); 1 na Consolata em Maputo (Juma Mário); 2 nos Salvatorianos em Maputo (Eunido Silvério e Ramos Francisco); 1 nos Franciscanos no Chimoio (Vihene Munathapa); 1 nos Francelianos em Maputo (João Batista); 1 nos Espiritanos (Magalhães Altino) ; e 2 jovens raparigas nas Irmãs Espiritanas em Itoculo (Argentina Alfredo e Felismina Bento).


CONCLUSÃO

Esta é uma simples e familiar apresentação da história da Igreja e da evangelização de Itoculo, onde muito ficou por escrever. Primeiramente porque se trata de uma história recente ainda carente de uma reflexão, e depois porque queremos que seja exposto, num ponto seguinte, através de testemunhos escritos por cada uma das comunidades cristãs que compõem a Paróquia.

Independentemente de tudo isso, verifica-se uma trajetória evolutiva com um ritmo de vida e compromisso cristãos a crescer de dia para dia. Este é também o dinamismo da atividade missionária e evangelizadora da Igreja. Não obstante, estão a crescer também muitas comunidades protestantes, algumas delas sem grande referência e compromisso cristão. A par desta realidade, está a comunidade muçulmana que é significativa e que juntamente com uma minoria da religião tradicional requerem da parte da Igreja católica um espaço de abertura e diálogo religioso.

Pelo que fica exposto constata-se que a Paróquia foi criada canonicamente seguindo todos os trâmites necessários para tal. Porém, é interessante verificar que na data da sua criação não existia uma estrutura física que tornasse visível a sede paroquial. Além do documento escrito da criação da mesma, só a residência dos missionários dá esta marca local. Por sua vez isto é revelador do tipo de Igreja ministerial presente na Diocese e na Igreja em Moçambique, uma Igreja espalhada por pequenas e diversas comunidades. Porém, mais tarde, com a construção do Centro Paroquial, que incluía um espaço para uma ampla capela, adotou-se a mesma como «igreja paroquial» para eventos gerais da paróquia. Contudo, agora que passaram 10 anos de vida paroquial, talvez seja o momento de iniciar a construção de um espaço digno desta jovem Paróquia de S. José de Itoculo. Entretanto, a solidificação de uma igreja vai mais além das construções em alvenaria, para se centrar no rosto concreto de cada pessoa cada vez mais firme na fé. Acreditamos que o Espírito de Pentecostes continua vivo em cada um que se deixa iluminar e guir por Ele, de modo a procurar e se empenhar por uma nova e constante evangelização e transmissão da fé.

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