Levar sem licença…
Raul Viana
Itoculo
Aconteceu que um certo dia fomos ao centro da vila do Distrito. Entre as diversas actividades que se fazem nesses momentos com o fim de evitar repetidas viagens, parámos no mercado central. Precisávamos de uns pequenos baldes plásticos para o Centro Paroquial. Aí apreçamos o valor comercial e pareceu-nos demasiado caro. Imediatamente um de nós saiu do carro e penetrou o mercado para encontrar mais barato. Enquanto ficamos no carro aproveitamos para enviar e receber a informação que a rede móvel nem sempre permite fazer no interior. Enquanto se digitalizava um SMS, de janelas abertas por causa do calor abafado que se fazia sentir, uma mão inesperada agarrou o telemóvel e correu de imediato por entre o emaranhado de tendas comerciais do mercado local. Ainda se gritou para apanhar o ladrão, mas nada nem ninguém interveio, apenas o interceptado correu mas sem grande sucesso. E assim, sem pedir licença o rapaz fugiu com o telemóvel... A frustração de ter sido roubado marcou o rosto de quem nada podia fazer face a tanta agilidade e prática na aquisição de bens alheios.
Entretanto, chegou quem foi comprar os baldes com a satisfação de os ter encontrado mais baratos. A partilha dos factos ainda quentes e a decisão do que fazer foi o ponto imediato que misturou sentimentos. Partimos de logo em direcção ao posto da polícia, embora sem grande esperança, pois não parecia haver grande tradição de conseguir apanhar tais larápios. Expôs-se o caso ao chefe de serviço que de imediato dispôs um homem para recolher mais informação. O mesmo carro do assaltado serviu de transporte para «voltar ao local do crime». Em poucas palavras o agente conseguiu os dados necessários sobre o indivíduo em causa. Afinal, ele era um jovem reincidente na matéria. Voltamos ao posto e fez-se o processo de apresentação da queixa de furto. Com o tempo necessário para tudo dactilografar, lá se deixaram os dados pessoais, acompanhados de uma promessa que compensaria o reaver do aparelho. E, assim, meio desapontados, regressamos a casa. Brincando com a situação fizemos uma viagem tranquila.
Passados uns dias, chegou um telefonema para ir ao posto da polícia. O aparelho em causa foi recuperado e o jovem já estava no local daqueles que gostam das coisas alheias. Inicialmente estranhamos tanta eficácia, mas foi mesmo assim.
Chegados ao local confirmou-se o sucedido com factos reais: era o mesmo telemóvel que pouco sofrera do seu estado normal. Ao lado, numa cela que dava para o pátio interno do posto policial, estava retido aquele que o levou sem pedir licença. Não lhe faltava companhia no mesmo espaço em condições indescritíveis. Uma breve visita aproximou a «vítima do criminoso». Separado por um muro e umas grades, lá se incentivou a não repetir as mesmas cenas, apelando a procurar outros modos de ser e estar em sociedade.
Porque era um jovem reincidente, habituado ao crime desde criança, aguardava o julgamento de outros casos. Na verdade, por detrás das grades estava o rosto de quem não come há já alguns dias e sem possibilidade de o conseguir tão facilmente. Face a isto, aquele que fora vítima sentiu-se interpelado a deixar algum dinheiro para comprar pão para o seu ladrão. Da mesma forma, ao ver o estado da situação, decidiu-se avançar com a retirada da queixa-crime que levava a tribunal o acusado, sendo que para isso lá se teve de «dar um refresco» (quantia monetária compensatória), de forma a concluir o todo o processo.
Algum tempo depois foi julgado e sentenciado com catorze meses de prisão, mesmo sem contar este acto ilícito. Lá voltou à cubículo prisional para aí passar mais uns meses. Desta vez terá direito ao reduzido alimento do estabelecimento prisional. Não sabemos mais deste jovem, mas esperamos que consiga resistir e aprender de uma vez por todas…
No fim de tudo isto, sem vontade de voltar ao preço dos baldes, verificamos que eles ficaram bem mais caros do que o esperado… Além disso, não basta ser roubado, é necessário ver como está o ladrão e se preciso for sustentá-lo! Facilmente podemos concluir deste caso que o roubo não compensa ninguém, a não ser aos intermediários do processo. Por isso, também não vamos facilitar a quem gosta da vida fácil, por respeito a quem anda e luta por uma vida cada vez mais digna. Enfim, há que ter cuidado para que ninguém pegue sem pedir licença!
21 de março de 2009
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