21 de março de 2009

Levar sem licença…


Raul Viana
Itoculo



Aconteceu que um certo dia fomos ao centro da vila do Distrito. Entre as diversas actividades que se fazem nesses momentos com o fim de evitar repetidas viagens, parámos no mercado central. Precisávamos de uns pequenos baldes plásticos para o Centro Paroquial. Aí apreçamos o valor comercial e pareceu-nos demasiado caro. Imediatamente um de nós saiu do carro e penetrou o mercado para encontrar mais barato. Enquanto ficamos no carro aproveitamos para enviar e receber a informação que a rede móvel nem sempre permite fazer no interior. Enquanto se digitalizava um SMS, de janelas abertas por causa do calor abafado que se fazia sentir, uma mão inesperada agarrou o telemóvel e correu de imediato por entre o emaranhado de tendas comerciais do mercado local. Ainda se gritou para apanhar o ladrão, mas nada nem ninguém interveio, apenas o interceptado correu mas sem grande sucesso. E assim, sem pedir licença o rapaz fugiu com o telemóvel... A frustração de ter sido roubado marcou o rosto de quem nada podia fazer face a tanta agilidade e prática na aquisição de bens alheios.

Entretanto, chegou quem foi comprar os baldes com a satisfação de os ter encontrado mais baratos. A partilha dos factos ainda quentes e a decisão do que fazer foi o ponto imediato que misturou sentimentos. Partimos de logo em direcção ao posto da polícia, embora sem grande esperança, pois não parecia haver grande tradição de conseguir apanhar tais larápios. Expôs-se o caso ao chefe de serviço que de imediato dispôs um homem para recolher mais informação. O mesmo carro do assaltado serviu de transporte para «voltar ao local do crime». Em poucas palavras o agente conseguiu os dados necessários sobre o indivíduo em causa. Afinal, ele era um jovem reincidente na matéria. Voltamos ao posto e fez-se o processo de apresentação da queixa de furto. Com o tempo necessário para tudo dactilografar, lá se deixaram os dados pessoais, acompanhados de uma promessa que compensaria o reaver do aparelho. E, assim, meio desapontados, regressamos a casa. Brincando com a situação fizemos uma viagem tranquila.

Passados uns dias, chegou um telefonema para ir ao posto da polícia. O aparelho em causa foi recuperado e o jovem já estava no local daqueles que gostam das coisas alheias. Inicialmente estranhamos tanta eficácia, mas foi mesmo assim.

Chegados ao local confirmou-se o sucedido com factos reais: era o mesmo telemóvel que pouco sofrera do seu estado normal. Ao lado, numa cela que dava para o pátio interno do posto policial, estava retido aquele que o levou sem pedir licença. Não lhe faltava companhia no mesmo espaço em condições indescritíveis. Uma breve visita aproximou a «vítima do criminoso». Separado por um muro e umas grades, lá se incentivou a não repetir as mesmas cenas, apelando a procurar outros modos de ser e estar em sociedade.

Porque era um jovem reincidente, habituado ao crime desde criança, aguardava o julgamento de outros casos. Na verdade, por detrás das grades estava o rosto de quem não come há já alguns dias e sem possibilidade de o conseguir tão facilmente. Face a isto, aquele que fora vítima sentiu-se interpelado a deixar algum dinheiro para comprar pão para o seu ladrão. Da mesma forma, ao ver o estado da situação, decidiu-se avançar com a retirada da queixa-crime que levava a tribunal o acusado, sendo que para isso lá se teve de «dar um refresco» (quantia monetária compensatória), de forma a concluir o todo o processo.

Algum tempo depois foi julgado e sentenciado com catorze meses de prisão, mesmo sem contar este acto ilícito. Lá voltou à cubículo prisional para aí passar mais uns meses. Desta vez terá direito ao reduzido alimento do estabelecimento prisional. Não sabemos mais deste jovem, mas esperamos que consiga resistir e aprender de uma vez por todas…

No fim de tudo isto, sem vontade de voltar ao preço dos baldes, verificamos que eles ficaram bem mais caros do que o esperado… Além disso, não basta ser roubado, é necessário ver como está o ladrão e se preciso for sustentá-lo! Facilmente podemos concluir deste caso que o roubo não compensa ninguém, a não ser aos intermediários do processo. Por isso, também não vamos facilitar a quem gosta da vida fácil, por respeito a quem anda e luta por uma vida cada vez mais digna. Enfim, há que ter cuidado para que ninguém pegue sem pedir licença!

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...