20 de março de 2011

«democradura»



Raul Viana
Itoculo

Por opção não temos televisão, a emissora radiofónica nem sempre se consegue sintonizar, a internet geralmente tem fraco sinal, os jornais e revistas chegam com três meses de atraso, agora com a chuva o caminho torna-se uma aventura, etc… Mas no meio de tudo isto tivemos acesso à revista Courrier Internacional que no mês de Janeiro (2011) traz um artigo do escritor guineense, Tierno Monénembo, sobre um neologismo muito actual: «democradura». Segundo o mesmo autor, trata-se de «sistema híbrido (com rosto de democracia e corpo de ditadura) que desencadeia paixões e aumenta a confusão».

Este neologismo resulta de uma observação da realidade política africana com um sentido crítico pertinente. O que está a acontecer no norte de África, e já um pouco por todo o continente, é resultado desta «democradura». Os tunisinos e os egípcios já conseguiram dar um passo em frente. O povo líbio está sofrendo a tirania do seu líder. Outros países (Siria, Iémen…) estão em alerta máximo.

Mas percorrendo todo o continente africano, parecem ser poucos os casos de países que escapariam a este sistema da «democaradura». Aparentemente, muitos dirigentes são eleitos num regime democrático, mas o exercício do seu poder manifesta outro procedimento. Para tal, basta observar as noticias que se repetem.

Com isto não quero dizer que estou num país que também optou pela «democradura». Mas, partindo da realidade onde me encontro, há uma série de coisas que acontecem e que interpelam. São questões para as quais ainda não obtive uma resposta satisfatória, e por isso as coloco aqui em jeito de partilha e na expectativa de uma resposta:
- Porquê se faz um programa de visita a uma localidade e a administração inclui uma hora de comício?
- Porquê as autoridades principais no discurso social apresentam slogans do partido no poder?
- Porquê um funcionário público para garantir o seu posto de trabalho tem de possuir e apresentar o cartão do partido?
- Porquê as candidaturas a cursos de formação específica exigem declaração partidária?
- Porquê se tolera muito pouco o facto de ser da oposição?
- Porquê se canta todos os dias o hino nacional e se faz uma representação de marcha militar antes de se iniciarem as actividades escolares?
- Porquê…?

Para algumas perguntas já obtive alguma resposta. Outras ainda aguardam o seu dia. No meio de tudo isto, confesso que não vivo ansioso na busca definitiva das mesmas. Mas sinto que algumas delas incomodam muita gente. Assim, enquanto não encontrar uma resposta satisfatória, elas continuam a ser «questão» também para mim!


NB: Esta semana tivemos a visita do Governador da Província. Significa que durante algum tempo vamos usufruir do caminho concertado, esperando que a chuva não nos feche esta via de comunicação, como já aconteceu algures...

9 de março de 2011

era sobre o jejum, mas...

Raul Viana
Itoculo

Chegamos no dia 6 de Março à noite e partimos no dia 9 de manhã. Foram dois dias de oração e reflexão para ajudar na vivência deste tempo quaresmal. Uma pausa serviu para fazer uma visita de boas-vindas a nosso confrade congolês Godefroy que acaba de chegar a Nampula.

Desta vez escolhi «o jejum» como tema de reflexão, apoiando-me num pequeno livro de Anselm Grun: «Jejuar. Corpo e alma em oração». Enquanto eu me dedicava a esta oração e reflexão, ao lado estava jovem nigeriano fazendo um jejum de cinco dias sem comer nem beber. Assim, enquanto eu estava na teoria, ele o exercitava!

Porém, aqui não quero desenvolver esta reflexão, pois ainda me falta a prática (que também não tem data marcada), mas afirmo que vale a pena ler o livro que as Paulinas editaram. Em contrapartida quero ressaltar o lugar onde estive e que alguns também o conhecem. Sem querer ser repetitivo, as fotos comprovam o local escolhido.

«Não se pode ser apóstolo se antes não se é contemplativo»
Libermann nos diria que se trata de viver a «união prática». Na verdade, por muito trabalho pastoral que possa existir, e de facto não falta, é essencial esta paragem. Tal como os telemóveis precisam de recarregar baterias e os automóveis fazer a sua revisão periódica, também o missionário precisa deste tempo para fundamentar a sua missão.

«Escuta o silêncio: o Senhor te fala»
Não se trata de fazer muito, mas simplesmente adoptar esta atitude de fé: «Fala Senhor que o teu servo escuta!». O local é adequado ao silêncio e à meditação, longe da confusão da cidade, no sopé de uma montanha, está situado o Mosteiro Mater Dei, nos arredores da cidade de Nampula. Além das vozes infantis do orfanato das irmãs, ouve-se também o tocar do sino para o canto dos Salmos da Liturgia das Horas. É, de facto, um espaço que convida a escutar o essencial.

«Cristo é a nossa paz»
Avançando no espaço do Mosteiro encontramos esta verdade cristã de S. Paulo: «Cristo é a nossa paz!» (Ef 2,14). Fazer a experiencia da oração e do silêncio significa encontrar essa paz que a vida missionária precisa e que os afazeres de cada dia muitas vezes perturbam.

«Senhor, eu Te adoro no templo da natureza»
A capela e a natureza envolvente são um convite à adoração simples. Esse mesmo desejo vem expresso nas informações da hospedaria: «As Irmãs monjas desejam que cada um encontre a PAZ, o SILÊNCIO e a BELEZA da natureza que acompanham a nossa vida de oração e trabalho, e que muito ajudam para o íntimo encontro com Deus, que se revela aos humildes que NELE confiam e se oculta aos soberbos que confiam em si mesmos». Desta maneira, temos os elementos necessários para não desperdiçar a graça que passa.

«Mostra-nos Senhor o teu rosto»
Este é o desejo final de quem se sente amado de Deus. O missionário, irradiador do amor de Deus, tem de espelhar esse mesmo dom. Mas também sabemos que ninguém dá aquilo que não tem. Por isso, a decisão de parar e o desejo de se deixar iluminar são um ponto fundamental para uma missão fecunda, uma vez que não passamos de meros instrumentos onde o Espírito Santo é o protagonista.

«Lixo»
Meio escondido mas estrategicamente colocado está um tambor onde se pode deitar aquilo que já não serve. Também este tempo de recolecção é oportuno para fazer uma limpeza interior, purificando comportamentos e atitudes, desejos e decisões que o pecado manchou.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...