Em jeito de partilha fica aqui o testemunho da Catarina, do Grupo NAKUMI que esteve em Itoculo de 1 a 21 de Julho de 2019, vindos da Paróquia de Santo André de Vitorino dos Piães, Diocese de Viana do Castelo (Portugal).
Boa tarde.
Tudo bem?
Era assim que começavam todas as conversas. Mas as pessoas diziam mesmo
se estavam bem ou não, se lhes doía um braço, um dente, mesmo que tivessem tido
malária há um mês contavam e diziam que já estavam melhores e a partir daí não
faltavam temas de conversa.
Foram 3 semanas que pareceram 3 dias e ao mesmo tempo a nível de
experiência de vida parece que se passaram anos.
Fui preparada para encontrar
pobreza, sabia que ia encontrar fome, mas é muito mais do que isso. Falta tudo.
Falta água. Falta comida. Falta escolas. Falta hospitais. Há jovens que nunca
foram à escola como é o caso do Dinis de 18 anos que vive na aldeia da minha
família de acolhimento. Perguntei-lhe porquê que não vai à escola, tinha um
tradutor ao lado porque quem não vai à escola geralmente só fala macua, e ele
disse-me que a escola mais perto ficava a 2 horas de distância. Imaginem 4
horas a pé todos os dias para ir à escola. Como poderia ir quando mal tem o que
comer? O que era suposto eu dizer em resposta aquilo? Perguntei muitas vezes ao
meu tio, o Pe. Raul, o que se diz nessas alturas e ele só me dizia “vais dizer
o quê?”.
Há crianças que têm de viver com
problemas de saúde que seriam logo corrigidos se tivessem nascido aqui, como é
o caso do Ricardo de 5 anos que mal consegue andar por ter os pés tortos, aqui
poderia ser corrigido tão facilmente.
Para além destes dois casos
conhecemos muitos mais que cada um de nós traz consigo no coração.
Como o Jacinto, uma criança da
escolinha com quem estávamos todos os dias, tem 3 anos e já passou por tanto.
Passou por várias casas, por várias famílias. Viu coisas que ninguém deveria
ver e mesmo assim é a criança mais meiga e com o sorriso mais bonito que já vi.
No caminho para a escolinha pegava sempre em alguma coisa para nos oferecer, a
Irmã Adelaide que é quem cuida da escolinha diz que ele quando gosta de alguém
traz nem que seja uma pedrinha para lhe dar.
Falta tudo.
Mentira. Não falta tudo. Não falta o
mais importante. Há alegria como nunca antes tinha visto. Há a bondade de
partilhar tudo o que têm. O mais emocionante nesta viagem foi o que me deram,
pessoas que não têm quase nada deram-me tudo. Dormiram uma noite fora de casa
ao frio para que eu ficasse confortável no quarto deles. Deram-me a comida que
tinham mesmo não tendo para eles. E no fim agradeceram-nos pela visita, tão
felizes.
Acreditem, não é preciso muito para
ser feliz. Não é mesmo.
Apesar de não faltar tudo ainda é
preciso muito.
Eu não fazia ideia da importância do
trabalho do Pe. Raul lá em Itoculo, é graças a ele e a outros espiritanos que
lá estão que muitos jovens conseguem ir à escola porque ficam nos lares,
crianças que têm onde brincar e comer por existir a escolinha. Bebés que não
morrem à fome porque há o centro de nutrição para lhes dar comida. Eles lá não
são só padres e freiras, são tudo, são mesmo tudo para muitas pessoas.
Mas fazem isto tudo porque têm
ajudas de pessoas de cá, padrinhos dos lares que todos os anos dão uma
contribuição, padrinhos de crianças que ajudam a pagar os estudos, padrinhos do
centro de nutrição que permite matar a fome a estas crianças.
As coisas lá são muito mais baratas
o que faz com que uma pequena ajuda nossa consiga mudar muitas vidas.
Este ano, a partir de Novembro, irá
haver muita fome devido aos ciclones que destruíram as plantações. Muitos irão
aparecer no centro de nutrição e acreditem que não há nada que custe mais do
que ver uma criança a chorar de fome.
Antes de ir eu dizia à minha mãe
“toda a gente diz que quando voltar serei uma pessoa diferente, que aquilo muda
as pessoas” e eu não acreditava muito, como é que apenas 3 semanas poderiam
fazer isso? Mas a verdade é que mudou e espero ter conseguido transmitir um
pouquinho da missão de Itoculo a todos vocês, que nos ajudaram a ajudar.
Muito obrigada.
Koxukuro.
CATARINA FELGUEIRAS