31 de dezembro de 2010

uma faceta da missão

Damasceno dos Reis
Itoculo


Noutras partes do mundo – em Portugal, por exemplo – os assuntos das conversas entre as pessoas no momento mesmo em que se encontram podem variar muito. Dependendo dos acontecimentos recentes, do dia em que se encontram, das pessoas que encontram, etc., qualquer tema pode vir ao de cima. O clima: “Bom dia, hoje está um frio de rachar”; o desemprego: “Boa noite, então o seu filho já conseguiu aquele emprego?”; o desporto: “Olá. E o jogo ontem à noite? 4-0 à Espanha foi uma maravilha…”; a política: “Bah! Os políticos são todos iguais…” e assim por diante. Em Nampula, entre o povo macua, o grande assunto que acompanha a saudação ou a conversa imediata após a saudação inicial é sempre o mesmo: as doenças. Cada um apresenta ao amigo o rol exaustivo das doenças que o afectam a si e à sua família no momento presente. Desde a malária, omnipresente, até à simples tosse, passando pela diarreia, pela dor de coluna ou por uma simples unha encravada, tudo é contabilizado e exibido aos demais. Nas reuniões de formação e programação que regularmente se organizam na nossa missão, já sabemos, a primeira meia hora é sempre para os responsáveis das diferentes comunidades cristãs desfiarem o rosário das suas maleitas. Isto revela como a doença é algo que aflige profundamente este povo. Este lamento quase permanente é talvez a solução possível para quem se habituou a não ter por perto nem postos de saúde, nem medicamentos, nem nada. É uma lamúria que traz algum conforto pelo facto mesmo de ser partilhada com os outros…

Para além destas doenças, digamos, mais convencionais, as pessoas queixam-se também com alguma frequência de ataques de espíritos malignos, de perturbações devidas a forças ocultas e de outros problemas de ordem mais sobrenatural. É um fenómeno que se verifica em todas as sociedades e em todos os tempos. Mas aqui em África talvez isso se faça sentir com mais intensidade. Em muitos casos o que está na origem destes “minepa sonanara” (maus espíritos em macua) não passa de pura superstição e é preciso ajudar as pessoas a entender isso. Leva tempo, e as pessoas sentem-se angustiadas ao deparar-se com coisas que não conseguem entender. Por isso uma parte do trabalho dos missionários desenvolve-se na área da saúde e particularmente na formação sobre as verdadeiras causas e mecanismos das doenças. Mas também é verdade que muitas vezes há situações de fragilidade, de desarranjos psíquicos, etc. que têm a ver com uma autêntica influência demoníaca. O missionário, e mais especificamente o ministro de Deus tem que estar preparado para isso. Deve ter o Evangelho como referência, e Jesus como modelo e força que liberta do mal.

No início deste ano apresentou-se na missão uma senhora que sofria de“majini” (doença de maus espíritos). Como é habitual nestes casos tentamos encaminhar a pessoa para o hospital, procuramos certificar-nos de que não se tratava de alguma malária mal curada, por exemplo. Mas neste caso a senhora já tinha seguido esse percurso, e, esgotadas todas as possibilidades, não melhorou nada. O que lhe estava então a acontecer? Segundo o que ela descreveu, ela era visitada por multidões de espíritos que a queriam obrigar a abandonar a fé católica. Ameaçavam-na e provocavam-lhe torturas de várias espécies para fazer com que renegasse a sua fé e regressasse às práticas pagãs.Tinha já dificuldade em participar com a comunidade na celebração do domingo. Fizemos então uma pequena oração, simples. Leu-se a palavrade Deus e o padre impôs-lhe as mãos. Demos-lhe água benta e instruções para rezar em casa sem desistir. Durante bastante tempo a senhora veio à missão para várias sessões de oração de libertação. Por vezes, enquanto se rezava, reagia com tremores e com uma respiração ofegante,mas aos poucos foi serenando. Decidiu também deixar uma situação de pecado em que vivia, confessou-se e passou a comungar regularmente. Foi dando sinais de novo equilíbrio e alegria de viver. Neste mês de Novembro em que se organizam em toda a paróquia os novos grupos de catequese para o próximo ano 2011, ela apresentou-se com uma lista de crianças a quem irá dar catequese. Ficámos contentes e demos graças a Deus que é fonte da verdadeira saúde em Jesus Cristo seu Filho.

Continuação de um feliz Natal e Ano 2011 cheio do amor de Deus.

20 de dezembro de 2010

uma visita fraterna


Raul Viana
Itoculo



De 8 a 18 de Dezembro tivemos a visita fraterna do Superior Geral – Jean-Paul Hoch – e do Conselheiro Geral – John Kingston. Foi um momento de graça e de comunhão neste tempo que antecede o Natal.

A visita iniciou-se na comunidade espiritana de Nampula, passando depois para Itoculo através de um encontro inter-comunitário na Cabaceira, seguindo para a Beira e posteriormente em Inyazónia, onde se concluiu. Apesar de ser uma visita breve, não deixou de ser intensa e interessante. Assim mesmo estamos agradecidos e confortados na missão espiritana, unidos «num só coração e numa só alma».



Ainda que limitada pela brevidade do tempo, houve momentos para uma inserção comunitária e pastoral, de convivo fraterno e amigo, de partilha franca e conselheira, de celebração simples e profunda.

Para nós, comunidade de Itoculo, foi um feliz culminar das visitas recebidas (do exterior) neste ano de 2010. Com a inauguração do Lar Feminino das Irmãs Espiritanas tivemos a visita do P. Tony Neves e do Faustino Monteiro, que foi antecedida por uma outra visita do leigo Rui Rodrigues. Depois foi a visita do P. Zé Manel - Provincial de Portugal – e do P. Joaquim Pároco da Penajoia. Tudo isto a par da chegada da voluntária missionária Ernestina Falcão, professora de Biologia que permanecerá connosco até Agosto de 2011; da partida em Novembro do estagiário Elson Lopes (cabo-verdiano) e da chegada em Dezembro de outro estagiário espiritano Vicent Akpabi (ganês) ainda às voltas com o português.

Com todas estas chegadas e partidas vivemos assim a missão e a todos estamos agradecidos. Para aqueles que gostariam de ter cá chegado e não puderam, reforçamos a nossa comunhão e sentido missionário. Para aqueles que por cá passaram e aqui viveram um abraço de saudade e esperamos o regresso.

A todos um SANTO e FELIZ NATAL.

4 de dezembro de 2010

levas a tua água?



Zé Manel
Portugal

Depois de 24 horas de viagem e de termos sido acolhidos em Nampula pelo P. Damasceno, a primeira coisa que eu e o P. Joaquim Dionísio, pároco da Penajóia, fizemos na missão de Itoculo – Moçambique, foi participar na Eucaristia do fim da tarde onde, para além dos membros da equipa missionária (4 irmãs espiritanas: Joyce - Nigéria; Rosenir - Brasil; Adelaide - Cabo Verde e Augusta - Portugal; uma leiga voluntária: Ernestina Falcão, um estagiário espiritano: Elson e dois espiritanos: P Raul e P. Damasceno) havia um bom grupo de fiéis, grande maioria homens, que estavam em formação enquanto responsáveis do ministério de justiça e paz nas suas comunidades. Uma das últimas coisas que fizemos naquela missão foi a participação numa hora de adoração, para a equipa missionária, ao final da tarde de domingo, e um jantar convívio de despedida que se lhe seguiu. Pelo meio, naquela missão onde passámos pouco mais de 5 dias, houve muita coisa que só se compreende verdadeiramente na perspectiva do enquadramento de fé que referi.

E daquilo que vivi, partilho as seguintes reflexões:
- 1. A Missão nasce em Deus e volta a Deus. Sem Ele o missionário desfalece e o povo não chega a vislumbrar a Esperança.
- 2. Acreditando na misericórdia e bondade de Deus custa, por vezes, a compreender que haja tanta miséria e tanto sofrimento, sobretudo de crianças. Perante o sofrimento do outro, o missionário, a missionária, está pregado à cruz, como Jesus. Sofre…
- 3. Toda e qualquer sociedade onde o bem comum não está acima do bem egoisticamente pessoal, então muitos serão privados daquilo a que têm direito, por direito inalienável de ser pessoa humana. O missionário, pela sua entrega gratuita, questiona, interpela, sofre e eleva.
- 4. Não há comunidade sem participação e sem colaboração de todos, mesmo quando só alguns assumem funções de responsabilidade e liderança. Mas o que une a todos é o laço do Espírito Santo, sentados na mesa da Eucaristia, mesmo que seja à sombra das árvores.
- 5. As estradas de terra, bem esburacadas, e a escassez de meios levam-nos a valorizar o essencial. Sem uma sobriedade de vida e muita paciência, o missionário não sobrevive, mesmo que sempre tenha um prato de farinha e outro de feijão e até um pouco de galinha, no final de uma celebração de duas ou três horas.
- 6. O luar é bonito, o céu estrelado é belo, os embondeiros são imponentes, mas só o amor de Deus no coração de quem serve é capaz de dar brilho a toda e qualquer paisagem onde o que mais conta é a pessoa humana… sobretudo naquela pessoa onde a imagem de Deus foi "desconsiderada", isto é, está obscurecida pela doença, pela des-educação, pela corrupção ou pela sujeição…

"Levas a tua água?" - "Onde está a minha garrafa?" "Já enchi a tua garrafa!" Estas e outras frases semelhantes fazem parte do diálogo dos missionários quando saem de casa e vão para alguma das 72 comunidades com que é constituída a paróquia/missão de Itoculo. A água por lá não se pode beber sem correr riscos… Mas aquela garrafa que me foi acompanhando e que várias vezes esvaziei bebendo para depois, de novo encher, em casa, antes da nova partida, ficou para mim como um símbolo da vida missionária e daquilo que eu quero aprender a ser em cada dia: garrafa vazia de mim mesmo que se deixa encher do Espírito de Deus para, saindo de mim mesmo e indo ao encontro dos outros, sobretudo dos mais pobres, me derramar totalmente, sendo para eles gota de esperança que os encaminha para a fonte de vida, Jesus Cristo nosso Salvador.

A minha garrafa, de litro e meio, tinha-a comprado no aeroporto de Lisboa e, antes de regressar, tive o cuidado de a deixar lá, ainda em condições de ser usada por outros… Há sempre algo de nós que fica, quando nos damos, mas é quase sempre muito mais aquilo que recebemos e que enche a nossa vida!

P. José Manuel Sabença - Visita a Itoculo de 23 a 29 de Novembro.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...