24 de janeiro de 2011

por terras de moçambique


Pe. Joaquim Dionísio

Pároco de Penajóia – Lamego


As estradas têm sempre gente que caminha: para vender ou comprar, arranjar lenha ou conseguir água, ir ao médico ou participar nas celebrações cristãs... A estrada ou o carreiro no meio da vegetação são pontos de passagem, de encontro e de busca. As boleias são uma alegria que não chega a todos. As bicicletas e as motos já aparecem, mas os carros estão ausentes, nesta terra onde o salário mínimo ronda os 40 euros (mais ou menos 2.000 meticais).

As construções são simples e utilizam materiais locais: a terra vermelha para fazer tijolos, a madeira para suportar a cobertura de capim que não livra totalmente da chuva. No interior, há esteiras para o descanso da noite e alguns utensílios para o dia-a-dia. Tudo o resto precisa ser encontrado algures. E assim se passam horas e se gastam forças, em busca da água que refresca, da lenha que possibilita cozinhar e do alimento que sustenta. A “machamba” já está limpa, o fogo vai queimando arbustos e ervas e deixará cinzas para a próxima sementeira e plantação (milho, feijão, mandioca), quando a chuva chegar e saciar esta terra forte e seca.

A fé à sombra da árvore

O fruto das árvores é procurado, consumido e comercializado. Mas há outra realidade que a árvore grande oferece: a sombra que protege do calor intenso e que congrega à volta de realidades comuns. Ali se conversa, se observa quem passa, se espera a chegada de alguém e se celebra a fé em dia de festa. E todos os domingos são dias de festa. A capela é pequena, mas tem por vizinha a árvore frondosa, à sombra da qual se juntam os fiéis. Sentam-se em pequenas pedras, em pequenos troncos ou no chão e ali estão durante horas, sem cansaço nem ruído, livres de agendas cheias ou de telemóveis indesejados. Homens de um lado, mulheres do outro e as crianças e jovens à frente, com as suas vozes, os seus tambores e um ritmo singular. Algumas mães carregam filhos às costas, a quem amamentam com naturalidade. Há fiéis leigos com responsabilidades ministeriais nas comunidades que se organizam para que tudo esteja pronto, para liderar celebrações, organizar reuniões, fazer avisos, anunciar iniciativas paroquiais, convidar para a formação, mas também para que não falte a água, a “chima”, o feijão ou a galinha nos dias de encontro.

Carências evidentes

O contacto directo com as populações mostra-nos necessidades evidentes por parte desta gente que tem tão pouco e que ainda não tem o hábito de se organizar para exigir ou de se juntar para reivindicar direitos e denunciar práticas menos democráticas e injustas. O silêncio está presente nos pais impotentes perante a doença do filho cuja cura existe longe e também naquela mãe que já perdeu oito dos treze filhos… Há organizações internacionais que gastam muito do que recebem para se manterem a si mesmas e que nem sempre trazem o mais óbvio ou urgente para as populações… Há empresas que exploram quando não pagam o preço justo ou quando subornam para manterem monopólios… Estamos longe da cidade e dos centros onde a realidade começa a ser diferente, mas estamos perto de um povo que não desiste.


O mar ali tão perto

Itoculo não está muito longe do litoral, onde encontramos a Ilha de Moçambique, capital deste país até há pouco mais de um século. Ali encontrámos o forte que permitiu defender estas terras dos corsários holandeses e também a primeira capela cristã edificada no hemisfério sul. Aqui paravam marinheiros e missionários a caminho da Índia, buscando especiarias e anunciando o Evangelho. Mas aqui chegaram também mercadores orientais que se fixaram e levantaram mesquitas para rezarem a Alá. O Oceano Índico estava calmo, reflectindo cores claras e convidando para um mergulho nas águas quentes que molhavam a areia branca.

Nesta ilha encontrámos o Palácio do Governador, onde funcionou um Colégio dos Jesuítas e onde agora está sedeado um museu. O passado dos portugueses pode ter algumas páginas menos agradáveis, mas apresenta-nos muitas outras que nos deixam entusiasmados e orgulhosos. Um pequeno país, com pouca gente e escassos meios fez coisas grandes que continuam a merecer a nossa atenção e a serem motivo de visita por esse mundo fora.

18 de janeiro de 2011

BAptizar à LUz do NAtal

Raul Viana
Itoculo

No decorrer do tempo litúrgico do Natal realizam-se os baptismos dos bebés, que vulgarmente chamamos «crianças de colo», «anamwane» em macua. Criança, pai, mãe e padrinho (ou madrinha conforme o género) são presença obrigatória nestas celebrações, tal como exige o cerimonial.

A noite de consoada do dia 24 de Dezembro é o começo destas celebrações. À luz da vela e de uma pequena lanterna celebramos a «Missa do Galo» e baptizamos os 17 primeiros bebés (Malema). No dia seguinte, dia de Natal, fomos noutra zona (Marerene) e repetiu-se a mesma cena com 14 baptismos, tal como no Domingo da Sagrada Família onde apenas duplicaram os números dos baptismos: 35 (Djipwi).

Terminado o ano civil, iniciamos 2011 com mais 18 baptismos (Namahite). Como a noite de fim-de-ano parece mais curta, também escolhemos uma zona mais próxima para estas celebrações. Além da novidade do ano iniciado, foi novidade também o baptismo de uma criança nascida às 2h desse primeiro dia. A família já tinha duas crianças para baptizar, mas agora chegava uma terceira recém-nascida, e que a mãe apresentou e presenciou o baptismo da sua filha mais nova. Era uma menina que ficou com o nome de Maria. Foi a criança mais jovem que eu baptizei logo ao começar o novo ano.


O segundo dia do ano ficou marcado pelo baptismo de 67 crianças (S. Miguel). Apesar do alpendre para o celebrante e alguns animadores, o que valeu foi o imponente cajueiro que abrigou toda essa multidão do sol escaldante, pois com estes números é natural que a celebração também se prolongue um pouco mais.

Para equilibrar os números, no dia 6 de Janeiro foram apenas 7 baptismos (Namiro). Um número idêntico de crianças (9) foram baptizadas no sábado à tarde dia 8 (Santa Inês-Ramiane). Em todas estas celebrações a alegria (o «elulu» das mulheres e o «Aleluia!» dos homens) é parte integrante desta festa. Mas neste dia não foi bem assim. Um surto de cólera percorria a zona e várias famílias estavam enlutadas, outras cuidavam dos seus doentes acamados. É uma situação preocupante que exige sérios cuidados.

Das cinco comunidades desta zona pastoral, apenas estavam presentes duas comunidades. As outras não apareceram por medo de serem contaminadas. O desconhecimento e ignorância da origem desta doença tinha gerado no fim-de-semana passado muita confusão no bairro, onde alguns líderes locais foram espancados e acusados de serem eles os causadores de tal epidemia. Com muita superstição à mistura as pessoas desconfiam de tudo e de todos. E quando a razão dá lugar apenas ao sentimento pode-se chegar a atingir verdadeiros dramas como foi o caso.

No meio de tudo isto estava, então, a decorrer esta celebração de baptismo, onde a água, como sabemos, é um elemento essencial deste ritual. A água que é fonte de vida, mas, se contaminada, também é geradora de morte.

Com a festa do Baptismo de Jesus (Naiopa) terminei as celebrações baptismais com mais 13 crianças. E somando tudo, são agora 180 novos cristãos pertencentes a uma família mais alargada, a Igreja de Jesus Cristo.

Enfim, louvado seja Deus.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...