4 de dezembro de 2010

levas a tua água?



Zé Manel
Portugal

Depois de 24 horas de viagem e de termos sido acolhidos em Nampula pelo P. Damasceno, a primeira coisa que eu e o P. Joaquim Dionísio, pároco da Penajóia, fizemos na missão de Itoculo – Moçambique, foi participar na Eucaristia do fim da tarde onde, para além dos membros da equipa missionária (4 irmãs espiritanas: Joyce - Nigéria; Rosenir - Brasil; Adelaide - Cabo Verde e Augusta - Portugal; uma leiga voluntária: Ernestina Falcão, um estagiário espiritano: Elson e dois espiritanos: P Raul e P. Damasceno) havia um bom grupo de fiéis, grande maioria homens, que estavam em formação enquanto responsáveis do ministério de justiça e paz nas suas comunidades. Uma das últimas coisas que fizemos naquela missão foi a participação numa hora de adoração, para a equipa missionária, ao final da tarde de domingo, e um jantar convívio de despedida que se lhe seguiu. Pelo meio, naquela missão onde passámos pouco mais de 5 dias, houve muita coisa que só se compreende verdadeiramente na perspectiva do enquadramento de fé que referi.

E daquilo que vivi, partilho as seguintes reflexões:
- 1. A Missão nasce em Deus e volta a Deus. Sem Ele o missionário desfalece e o povo não chega a vislumbrar a Esperança.
- 2. Acreditando na misericórdia e bondade de Deus custa, por vezes, a compreender que haja tanta miséria e tanto sofrimento, sobretudo de crianças. Perante o sofrimento do outro, o missionário, a missionária, está pregado à cruz, como Jesus. Sofre…
- 3. Toda e qualquer sociedade onde o bem comum não está acima do bem egoisticamente pessoal, então muitos serão privados daquilo a que têm direito, por direito inalienável de ser pessoa humana. O missionário, pela sua entrega gratuita, questiona, interpela, sofre e eleva.
- 4. Não há comunidade sem participação e sem colaboração de todos, mesmo quando só alguns assumem funções de responsabilidade e liderança. Mas o que une a todos é o laço do Espírito Santo, sentados na mesa da Eucaristia, mesmo que seja à sombra das árvores.
- 5. As estradas de terra, bem esburacadas, e a escassez de meios levam-nos a valorizar o essencial. Sem uma sobriedade de vida e muita paciência, o missionário não sobrevive, mesmo que sempre tenha um prato de farinha e outro de feijão e até um pouco de galinha, no final de uma celebração de duas ou três horas.
- 6. O luar é bonito, o céu estrelado é belo, os embondeiros são imponentes, mas só o amor de Deus no coração de quem serve é capaz de dar brilho a toda e qualquer paisagem onde o que mais conta é a pessoa humana… sobretudo naquela pessoa onde a imagem de Deus foi "desconsiderada", isto é, está obscurecida pela doença, pela des-educação, pela corrupção ou pela sujeição…

"Levas a tua água?" - "Onde está a minha garrafa?" "Já enchi a tua garrafa!" Estas e outras frases semelhantes fazem parte do diálogo dos missionários quando saem de casa e vão para alguma das 72 comunidades com que é constituída a paróquia/missão de Itoculo. A água por lá não se pode beber sem correr riscos… Mas aquela garrafa que me foi acompanhando e que várias vezes esvaziei bebendo para depois, de novo encher, em casa, antes da nova partida, ficou para mim como um símbolo da vida missionária e daquilo que eu quero aprender a ser em cada dia: garrafa vazia de mim mesmo que se deixa encher do Espírito de Deus para, saindo de mim mesmo e indo ao encontro dos outros, sobretudo dos mais pobres, me derramar totalmente, sendo para eles gota de esperança que os encaminha para a fonte de vida, Jesus Cristo nosso Salvador.

A minha garrafa, de litro e meio, tinha-a comprado no aeroporto de Lisboa e, antes de regressar, tive o cuidado de a deixar lá, ainda em condições de ser usada por outros… Há sempre algo de nós que fica, quando nos damos, mas é quase sempre muito mais aquilo que recebemos e que enche a nossa vida!

P. José Manuel Sabença - Visita a Itoculo de 23 a 29 de Novembro.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito obrigado pela partilha e pela visita. Gostamos da vossa amiga e simpática presença, ainda que breve! Apenas um pormenor a anotar: ao referires as 72 comunidades, penso que esquecestes de contar Muhikinikini, Murukurukuni, Muthyapwa, Mwapathya e Namahite!!!!
Raul

Anónimo disse...

eu podia esquecer tudo quando ia nas celebrações e formações mas a garafa de àgua nunca esqueci. até porque a àgua é meia cura e prevenção da malária.
Itoculo estará sempre no meu coração.
Elson

miguelbessemendy@gmail.com disse...

Obrigado Padre Ze Manuel: estas "fotografias" da vida de cada dia e as reflexoës sobre a missaö têm-e bem alimentado (e hydratado!) aqui na Casa dos Exercicios Espirituais de Loyola! ForÇa imäs e cofrades espiritanos!

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...