12 de abril de 2020

ESTE ANO A PÁSCOA É DIFERENTE


Homilia do Domingo de Páscoa em Itoculo


Este ano a celebração da Páscoa é diferente.
Todos sabemos porquê.
Mas todos os anos a Páscoa é diferente, não se repete.
Não há repetição em cada Páscoa,
ela é sempre nova e traz novidade, é um memorial sempre atual,
é a alegria da ressurreição sempre nova cada ano.
Também já todos sabemos disso.

Mas a nossa Páscoa em Itoculo ia ser MAIS diferente.
Não só pela nova organização paroquial de 2020
que ia trocar alguns caminhos de sempre,
ou talvez seria apenas apanhar outros caminhos,
mas também porque há novas caras, entre nós aqui, para lá chegar.

A nova região de Monetaca ia possibilitar mais um centro
de distribuição da Sagrada Eucaristia para as comunidades,
mais um polo de irradiação onde Cristo Ressuscitado
iria brilhar na grande Noite da Vigília Pascal em cada comunidade.

A nova zona da Senhora da Graça
também ficaria mais agraciada com a luz pascal de Cristo Ressuscitado
percorrendo os caminhos de Napepele e Muhikinikini
até ao centro da localidade de Murruto.

Os irmãos da zona de Cristo-Rei
vendo diminuídas as suas comunidades
teriam de comparecer em maior número para não sentir tal mudança,
e manifestar que, de facto, Cristo é Rei na zona de Cristo-Rei.

Na zona de Hamade a presença real de Cristo na Sagrada Eucaristia
seria certamente um alívio e alento para a luta contra a cólera
que mata famílias e deixa casas vazias, como acontece em Muacotaia,
onde parece haver menos preocupação com esta velha doença
do que com esse novo mal do coronavírus, que mata muito e longe,
mas aqui ao perto parece que ninguém faz nada com a velha doença.

Os irmãos da zona de Thamela não estariam tão distantes e isolados
mas iriam sentir-se mais próximos, mais em comunhão,
não só pelas visitas dominicais dos animadores regionais,
mas também pela própria celebração pascal que congrega os irmãos
que suaviza as distâncias e aproxima os corações.

Em Namatite o fogo da noite pascal iria acender com forte vigor,
como já aconteceu em anos passados.
A escuridão da noite iria contrastar com o lume novo.
Cristo vivo e ressuscitado seria a luz de cada cristão-novo.

Os irmãos da zona de Naiopa prolongariam o canto
da entrada triunfal do Domingo de Ramos até ao mês de Junho.
Certamente que a alegria da Páscoa nãos lhes faltaria
como já começa a faltar a água de cada dia.

Em Mavule, como em todas as comunidades, a intercessão dos santos:
São Martinho, Apóstolo São Bartolomeu,
Santa Teresinha do Menino Jesus, Nossa senhora do Rosário…
seriam uma invocação de proteção e animação da fé,
porque neles se encontra um verdeiro exemplo de discípulo fiel.

Na zona de Namahite, e arredores,
o canto do Aleluia Pascal iria abafar o boato difamador,
a suspeita e o medo, a acusação e o engano dos «comprimidos da cólera»…
E Jesus Cristo ressuscitado tornar-se-ia a causa maior para falar e seguir.

Os irmãos de Reno estariam todos reunidos na noite Santa,
uma noite de luar, mas à volta do mesmo fogo,
também pedindo a chuva para as plantas da machamba
para assim conseguir uma produção agrícola que este ano está sofrida.

Em Carracane o domingo de Páscoa seria abençoado com os
Sacramentos do Batismo, Eucaristia, Confirmação, Confissão e Matrimónio.
Seria um grande dia mas que hoje se celebra de maneira diferente
nesta nova sede de zona paroquial onde está o Centro de Monetaca
à espera de algo novo que possa acontecer.

Em Santa Madalena, de Pajó a São Miguel, chegando até Namina e Namakete
Os irmãos iriam ter uma Pascoa sem catecúmenos,
também esta seria diferente dos outros anos.

Os irmãos da zona de Nicane,
espalhados ao longo do caminho da feira dominical até Filipi,
sempre tentados a trocar o essencial pelo secundário,
iriam anunciar aos viajantes: Cristo Ressuscitou! Aleluia!

Em Ramiane, por entre os extensos campos de sisal,
rodando por Mwatikiti até Mueri e Congo,
a força dos irmãos reunidos cantando ao ritmo do batuque,
com Cristo ao centro e em primeiro lugar,
a Páscoa seria verdadeiramente festa universal.

Na zona de Mueravale, no corredor da estrada alcatroada,
muitas famílias estariam em grande festa pelo dom do Sacramento matrimonial,
novos lares seriam abençoados com a graça de Cristo ressuscitado.


Os irmãos da zona de Namiro estariam animados e esperançados.
Depois de ficarem mais reduzidos pela saída da comunidade de Filipi,
teriam um novo alento com os irmãos de São Francisco de Nawawane.
A esperança continuará forte para eles.

Aqui em Namalima, na comunidade da sede paroquial, São José,
ficamos reduzidos a pouco mais de uma dúzia,
nós aqui que fazemos parte da Equipa Missionária.
Os nossos irmãos, aqui ao lado, a rezar em casa e a igreja vazia,
que espanto, que dor, que privação, que sentimento estranho…

Aqui em Itoculo a nossa Páscoa ia ser MAIS diferente!
Talvez não! Talvez a Páscoa fosse a mesma…
Mas nós é que ficamos MAIS diferentes.

Diferentes, não porque ficamos privados do encontro e do convívio,
da proximidade e do aperto de mão sincero,
mas diferentes porque Cristo ressuscitou verdadeiramente em nós.
E isso é novo cada ano, para nos dar um novo olhar,
um novo sentir, um novo pensar e um novo agir.

Cristo ressuscitou, venceu a morte! Ele vive, é o Senhor!
O nosso Deus está vivo e quer de nós pessoas vivas
com essa vida que faz vencer todas as formas de morte
social e pessoal, física e psicológica, presente e futura…

O nosso Deus está vivo! Aleluia!
Ele ressuscitou! Aleluia!
Isto nos basta saber para encontrar nova forma de viver.

Sim, a nossa Páscoa este ano é MAIS diferente
porque nós também somos e estamos MAIS diferentes,
mas principalmente porque nós nos deixamos encontrar
por Cristo ressuscitado nesta manhã da Ressurreição.

Amém. Aleluia!

6 de abril de 2020

"Entrada messiânica, benção Urbi et Orbi"



Do nada Este aparece caminhando sozinho nas ruas, muito debilitado, pois, por razões de quarentena obrigatória, nem o jumento escapou; o Outro, acompanhado por uma dúzia de pessoas e por causa do cansaço, veio montado num jumento emprestado (um rei que nem um jumento tem, ao menos para constar no testamento); para Este não estava ninguém no local à espera, a não ser umas dezenas de câmaras e o silêncio, representando milhões; para o Outro estavam umas centenas de pessoas à espera, com ramos e cânticos: "hossana Ó Filho de David"; Este beijou a cruz e rezou (alguém já o tinha feito antes); o Outro lavou os pés, rezou, bebeu do cálice, e embriagado, carregou a cruz; Este, provavelmente, vai ser preso por desacato das ordens das autoridades, pois, quarentena obrigatória é para todos, mas Ele esteve a andar pelas ruas; o Outro foi preso, julgado e condenado; Este deu a bênção Urbi et Orbi; o Outro morreu, dando a vida Urbi et Orbi. Ora, o Espírito Santo está muito mais perto de nós do que imaginamos. Mas....

O mundo anda virado ao avesso, ninguém percebe e consegue explicar esta confusão toda e também constato que a crença das pessoas, num período crucial da história, também anda completamente baralhada. Uma das razões é quando estás em casa a verificar a carteira e a recheias de notas para ir a mais uma sessão de cura do pastor, e vês os teus amigos da assembleia partilhando na tua página uma informação que diz que o pastor suspendeu a sessão de cura por causa de uma doença que, infelizmente, não tem cura e que ele ainda não descobriu a reza que cure a tal doença. E grito: “Pastor, precisamos de ti para nos livrares desta doença” e o pastor diz “Eu não sou Deus; se queres a cura, fica em casa, mas mantém-te ligado à TV e à NET para acompanhar todas as atualidades”. Continuo, insistindo: "Mas nós pagamos-te pelas curas", mas o pastor realça: “O dinheiro não é mais importante do que a vida, meu servo fiel, portanto, fica em casa, guarda o teu dinheiro e acompanha as atualidades pela NET ou TV". Pois, as atualidades... Vejamos as atualidades.

 De Roma vem o pedido do Supremo Pastor, marcando uma data e hora, para a oração do Pai-nosso em comunhão com toda a igreja católica e os seus fiéis, especialmente pelas vítimas do grande inimigo invisível que anda vagueando pelo mundo. Mas será que, das inúmeras vezes, em que rezei o Pai-nosso fui egoísta? Não era em comunhão com todos os fiéis católicos da igreja?
De Roma vem também a "bênção urbi et Orbi" do Supremo Pastor e a situação de pânico agravou-se. Mau! A intenção do Pastor era de acalmar o pânico dos seus fiéis, seguidores, amigos, simpatizantes, etc. Sei que milhões tiveram a preocupação de acompanhar pela NET e pela TV; confesso que eu esqueci desta "cena" que o Pastor pediu, espero que não agrave o meu cadastro com S. Pedro.
Mas agravou o pânico porquê?
Simples! Vou explicar. Em primeiro lugar, estava a falar com alguém que me disse que esteve a acompanhar a "bênção urbi et orbi" e que foi uma grande seca, e, pela voz da pessoa, percebi o desespero e a dimensão da desilusão. Claro, nunca vais encontrar Deus na televisão, muito menos, os pedidos que Lhe fazes vão ser transmitidos em direto. O lugar de Deus é o teu coração, só aí, palpando o silêncio, podes conectar e comunicar com Ele em direto. Esta não é a primeira, não é a segunda e nem a terceira "benção urbi et orbi" que o Supremo Pastor já deu, enquanto aquece a cátedra de S. Pedro. Ah! Mas este é especial. Especial? Que tem este de especial? A indulgência plenária e a intenção pelo fim da pandemia Coronavirus. Oh! Desde há muito que nós andamos em pandemia, não sabias!? Acorda... Sem dúvida, esta bênção talvez tenha tido mais impacto, mais visualizações, porque, ao fim e ao cabo, ninguém quer morrer e o medo de morrer cedo, sem realizar os sonhos, as vontades, o desejo do fim da pandemia para retomar a vida normal, obriga as pessoas a invocar Deus, a rezar a Deus, por desespero. Nada mal, mas não é de livre e espontânea vontade, não é com o coração, não é com a alma, até porque, passando a pandemia, muitos dos que hoje estão fervorosos na fé vão fechar Deus no cacifo, e isto faz toda a diferença. Mas percebe-se, estamos numa situação em que a fé é comunicada mais no real virtual e digital. O problema que isso vai trazer, e acredito que ainda não estamos conscientes disso, são as versões da fé que venham a surgir, porque sabemos que, no real virtual, a cada dia temos novas versões que nos obrigam a atualizar mesmo que estejamos conformados com a nossa versão herdada de Abraão. E isto pode levar a fé ao esgotamento, ainda mais numa realidade em que o sistema é instável, vai sempre abaixo. Deus não precisa de microfones, de megafones, de equipamentos radiofónicos para comunicar connosco; "Fala, Senhor, que o teu servo escuta"(1 Sm 3, 9); Deus precisa é de falar mais no coração de cada um. Este barulho dos media nesta pandemia tem só atrapalhado a obra de Deus no meio de toda esta bagunça. O pensador Jesus Cristo dizia, em Mt 6, 6: "Tu, porém, quando partes, entra no teu quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu pai, pois ele, que vê o oculto, há de recompensar-te". O isolamento e o silêncio têm uma preciosa ajuda para combater este inimigo invisível. Mas o barulho que andamos a fazer e o caos que temos provocado, através dos media, não ajuda em nada.

Segundo, é que, como faço parte do mundo (penso eu), se calhar alguém roubou a minha bênção e, por isso, estou em pânico; vou ficar privado das Graças que esta bênção contém, porque acho que a bênção não chegou a mim. E a propósito disso já começo a questionar-me a mim mesmo se tenho fé ou não. E acho que muitos, neste momento, já começam a questionar-se e, no mais extremo, a abandonar a fé. O abandono da fé é uma das possíveis consequências desta passagem do Covid19. Embora, o otimismo nos leve a crer que o Covid19 vai recuperar a pedra angular, porém, rejeitada para a construção de muitas vidas que, com o tempo, os agentes erosivos destruíram. Portanto, estou baralhado.

Em terceiro lugar, o mundo, neste caso, os crentes, os cristãos, esperam pelo milagre; valia-nos mais uma aparição de Nossa Senhora. Mas será que é desta que vamos registar mais uma teofania na história? Não sei. Mas sei que o milagre que tanto se espera é que cada um se volte para si mesmo, bata à porta do seu coração até ela se abrir, entrar, reconciliar-se e fazer tudo de novo. Haverá milagre maior do que este? Duvido! Contudo, os cristãos dos novos tempos, sim; mas cristãos de modas, não.

Abraço fraterno do vosso amigo eleito
GDB, bênção urbi et orbi, 28.03.20 
#rumoaumcristianismomaisautêntico#

4 de abril de 2020

"Pistolas sem balas, Deus desarmado"

             

Numa partilha à mesa sobre a situação da rápida propagação do Covid19, o meu colega fez uma observação muito pertinente, diz ele: “Engraçado, os ateus não acreditam em Deus, (...) mas no Covid19 sim!". Pus-me a pensar (algo que gosto de fazer)... um ateu diz não a Deus e uma das razões talvez seja por Deus ser invisível; um cético duvida de tudo, se Deus existe, se Ele é tão bom e misericordioso, por que é que não elimina o Covid19?; ora, um cristão, não só aceita a existência de Deus, como lhe atribui toda criação, dos visíveis aos invisíveis. Posto isto, só faltava culpar os cristãos como responsáveis pela pandemia, se calhar portaram-se mal e foram castigados, e todos devemos juntamente com eles sofrer o castigo... Ainda bem que o Covid19 não é um castigo de Deus. Hoje todos acreditam na força e no poder do invisível!

Falar do Covid19 e de Deus é falar da guerra dos invisíveis. Um tira a vida, o outro dá a vida. O Covid19 é "invisível" a olho nu, e Deus também é invisível, mesmo a “olho vestido”. E, simultaneamente, Ele é tão visível, ao ponto de as objetivas do microscópio recusarem capitá-Lo. Para começar, parece-me, e espero estar enganado, que Deus não pode fazer muito por nós se não acreditamos Nele. Esta pandemia Covid19 tem produzido um efeito estranho nos donos da casa, isto é, fazer com que eles limpem o pó do nome de Deus.

O grande mestre revolucionário Emanuel (não o francês, Emanuel Macron), popularmente conhecido por Jesus Cristo, usava sempre uma expressão no fim de cada obra que ele realizava, que hoje nos deixa confusos: "A tua fé te salvou!” Será que a nossa fé pode salvar-nos desta pandemia, Covid19?! Este mesmo mestre, Jesus Cristo, num belo dia, desiludido com a crença dos seus discípulos, que não conseguiram expulsar o demónio de um jovem epilético, repreendia-os assim: "Em verdade vos digo: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: 'muda-te daqui para acolá', e ele há de mudar-se; e nada vos será impossível"(cf. Mt 17, 20). Se tivéssemos um grãozinho de fé, acredito que hoje estaríamos livres da pandemia. Por causa de uma fé <demasiado grande> (diria Tomás Halík), já se começa a ver Deus nesta pandemia do Coronavírus. Por favor, não metam Deus onde não é o Seu lugar! Convém sermos obedientes "e não invocar o Santo nome de Deus em vão".

No livro, A noite do confessor, de Tomás Halík, somos chamados a atenção do perigo de termos uma fé demasiado grande: "Por vezes, a «pouca fé» pode conter mais vida e confiança do que a «grande fé». Será que não podemos aplicar à fé aquilo que Jesus disse na parábola acerca da semente, que tem de morrer a fim de produzir grandes benefícios, porque desapareceria e não prestaria para nada se permanecesse imutável?" O grande risco dos cristãos é que isto de pandemia pode converter-se num panteísmo. Já se vê Deus nos médicos, enfermeiros, etc… Certo… Logo vai-se ver Deus nos ventiladores, nas vacinas, nas ambulâncias, nas camas, porque não?! E não me admirava nada que alguém me dissesse que o próprio Deus, por não obedecer as autoridades, saiu de casa e andou vagueando em todos os lados, foi infetado pelo novo coronavírus, mau!

Pistolas sem balas, cristãos sem fé; logo, Deus fica desarmado. E eis que o inimigo está a dominar tudo. Terá que vir o Gabriel e companhia de novo para acordar todos os Josés do sono e interromper a leitura de todas as Marias para lhes dizer que são a arma de Deus e que devem agir como tal. Mas vejo que o Gabriel está atrasado… mau! Uma das hipóteses que tenta justificar este atraso é o ensaio do coro dos anjos. Como o Gabriel é o organista mor, deve estar à espera do Miguel e ambos estão indecisos e com algumas dificuldades em descobrir se pertencem à naipe dos tenores, contraltos, sopranos ou barítonos. Enfim, coitados, percebem mais de "travar batalhas" contra o demónio do que cantar a vozes... mas ele virá! Paciência nesta quarentena por causa do atraso do Gabriel... ou talvez ele já tenha vindo e tenha sido ignorado! Aí a quarentena vai demorar mais um bocadinho, até que venha o mestre, que, como já está velhinho, demora mais tempo no caminho! Vale-nos a milícia celeste nesta luta contra o inimigo Covid19!

O Papa Francisco é, realmente, um homem de fé e humildade. Acredito que ele não age por iniciativa própria, mas, pela ação do Espírito Santo. Prova disso, foi o pedido da oração do Pai-nosso que ele fez a todos os cristãos. Perante esta calamidade, ele podia estar todos os dias a produzir orações, a gravar vídeos, etc. Mas, simplesmente, pede para rezar a oração do Pai-nosso, que é a oração de Jesus, que, para afiliação daqueles que não sabiam rezar, ensinou-os a rezar. A oração do Pai-nosso é a oração dos pobres, dos simples, dos humildes, dos fracos, dos menos intelectuais. E, nesta quarentena, basta a oração do Pai-nosso, mais nada. Estávamos a ver e a acompanhar que tudo que é feito pelo homem, pela sua iniciativa própria, corre mal; Coronavírus é um deles. É inútil andarmos a montar as palavras em forma de orações pedindo a proteção de Deus. Só o Pai-nosso nos basta quando é rezado com uma fé pequenina, igual a um grão de mostarda.

Abraço fraterno do vosso amigo eleito!
GDB, Pistolas sem balas, Deus desarmado, in pro-missão VIII; 26.03.20




3 de abril de 2020

"La Remontada (a reviravolta)"


Houve tempos, segundos antes da atuação do Covid19, em que a internet, os media, os telemóveis eram vistos como os culpados pelas mudanças pessoais, sociais e pela desvalorização da moral e da ética, sobretudo na camada juvenil. Os jovens foram vítimas da internet, pois passaram a ter comportamentos inadequados, dizem os graúdos! É verdade, tenho constatado isso, sobretudo nas missas, mas, muitas vezes, quando toca um telemóvel, digo a mim mesmo: é dos graúdos. E, na verdade, quando dou uma espreitadela é um graúdo que vejo a mexer-se atrapalhado a tentar desesperadamente desligar ou atender o seu telemóvel. São os únicos momentos em que adivinho. O meu truque é o som das chamadas que é qualquer coisa graúdo também. Mas o que mais me impressiona e, às vezes, me irrita é a incapacidade dos graúdos de usar a razão, quando alguns, até a meio da missa, atendem a chamada e falam tão baixinho que todos percebem que está falando para Deus. Chegamos ao ponto em que desligar ou não atender uma chamada é pecado. E o sacerdote, presidente, como é natural, fica incomodado, chateado, de rosto desfigurado, e, oportunamente, aproveita a homilia para dar uma descascadela na assembleia dos graúdos.

Primeira reviravolta: em várias assembleias, antes do sino de entrada, pede-se para desligar os telemóveis ou pôr em modo de silêncio, para não haver interferência com a santa missa. Acho bem e deve ser. Mas, hoje, o cenário é outro, face a esta pandemia que obriga todos a ficar em casa, a Igreja, na sua estratégia, para levar a palavra de Deus a todos, manda ligar a TV, ligar o rádio, aceder à internet para ouvir, assistir, ou acompanhar a santa missa; estes que outrora eram tidos como "inimigos". Belo dia, pego no meu smartphone, ligo a net, abro o meu Facebook e a minha primeira reação: "Olha, que engraçado! Estão a dar várias missas no Facebook, deixa-me aproveitar já que não posso sair de casa para ir a igreja!” De facto, o meu Facebook nunca esteve tão cristão como agora. Mas disse o Papa, na sua audiência semanal, a 26 de fevereiro de 2020, Quarta-feira de Cinzas e no início da Quaresma para católicos de rito latino: "É a hora certa de desligar a televisão e abrir a Bíblia. É a hora de desconectar os celulares e nos conectar ao Evangelho". Quando o impossível parece possível, concordo com o Papa; missas on-line parecem-me mais uma sessão de cinema do que uma celebração eucarística. Estamos de quarentena, vamos desligar tudo o que nos prende aqui, e voltemos à igreja primitiva, pois, cada lar, cada família, é uma igreja. Que mania de transmitir missas on-line!

Uma segunda reviravolta: depois do Covid19, há fortes perspetivas de mudança de paradigma do mundo; umas dessas mudanças que, pela segunda vez, vai surpreender a Igreja com uma reviravolta inesperada, a de que todos os padres devem formar-se em comunicação social, uma vez que, depois de três meses ou mais de quarentena, os fiéis vão habituar-se a missas on-line e, mesmo acabando a quarentena, vão querer continuar com estas celebrações virtuais. A oração é a única rede invisível, mas que é real, a que todos nós devemos aceder, até porque é a única que nos pode garantir a comunhão, a ponte, com Deus e entre todos nós. Hoje, as basílicas, as capelas, as sinagogas, as plataformas digitais não nos servirão de nada, mas só e apenas a oração nos serve perfeitamente; é sapato que tem todos os tamanhos disponíveis para os diferentes tipos de pés dos cristãos.

Uma terceira reviravolta: houve tempos em que a Igreja apelava ao abandono das zonas de conforto, isto é, deixar famílias, casa, televisão, internet e ir às periferias; hoje a frase mais usada, mais lida em todos os lados, da parte dos governos e da Igreja é: "fiquem em casa", ou seja, não precisas de ir para a rua, ir à praia, a casa de um amigo, ao trabalho; cria a tua zona de conforto em casa com a tua família! Que reviravolta! Andamos assim, numa fase de desilusões; tudo que tínhamos dito ou feito, antes do covid19, merece ser revisto, relido e repensado. Estamos a viver um momento único na história e felizes somos nós que estamos a ver isso, a ver o mundo parado, porque quando cantarmos isso aos nossos netos vão pensar que é só mais uma lenda ou, na pior das hipóteses, uma história inventada pelo avô, como ele já é graúdo!

Abraço fraterno do eleito...
GDB, La Remontada (A Reviravolta)! 22.03.2020

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...