Uma festa sem batuque, não é festa. E quando toca o
batuque não há espaço nem tempo que limite a sua acção. Também ninguém é
espectador, todos são intervenientes, todos entram no ritmo. Mas quem mexe mais
são os jovens, e com um ritmo infatigável.
Eu não sou tocador, nem estou a aprender. Isso nasce com
a pessoa, está no sangue, é uma arte. Não se pense que qualquer pessoa o pode
fazer. Há quem toca e quem sabe tocar. Assim é o constante mexer dos
batuqueiros em qualquer festa. Normalmente são três batuques que vão juntos num
ritmo acertado. Podem ser mais, mas estes são o mínimo indispensável para uma
verdadeira festa. Dizem os entendidos que é preciso o nlapa nulupale (batuque
grande), nkitthiya (batuque médio) e o tthotthontto (batuque pequeno).
Na liturgia da comunidade cristã também não faltam os
batuques. Mais ainda neste tempo de alegria pascal. Como se trata de um acto de
culto, tudo é mais comedido, acompanhado pelas palmas em compasso binário. Nas
grandes celebrações à sombra dos cajueiros, com a natureza verdejante
envolvente, o batuque parece esse órgão de tubos de uma catedral da antiga tradição
cristã. O grupo coral e as dançarinas completam o quadro desta animação.
Mas há momentos em que o batuque deve descansar. Quando
isso não se acontece surge milando (problema). Foi assim mesmo durante a Quaresma
com uma família que decidiu celebrar os ritos de iniciação tradicional de uma donzela.
Os cristãos, vizinhos e familiares, aqueles menos esclarecidos, também não faltaram
à festa. De imediato muitos irmãos reagiram contra o sucedido. Pois, a festa,
além do batuque e da dança, traz associada a bebida e outras coisas impróprias
de um tempo de recolhimento e conversão. Tratava-se de uma provocação e de um
desmazelo pontual, que para alguns foi escândalo, e precisava ser recomposto. Foi
o que fizemos ao convidar os irmãos descuidados a peregrinar até à igreja
paroquial.
Nas grandes cerimónias nunca falta o batuque e o que ele
provoca. Para entender melhor o que ele significa na cultura e na tradição
local, deixo aqui as palavras expressivas de Jorge Ferreira.
BATUQUE
Dançar
pular
cantar
gritar
batuque não é só isto:
batuque é ritmo
que mergulha
no sangue
é onde
que envolve a
multidão
é magia
que nasce com
o negro
batuque nos pés
nas mãos
na cabeça
batuque é vida sentida
é dor
expressada
em passos alegres e complicados
batuque
rasgando a noite
é grito
d’alegria
contra espíritos maus
vitória do corpo
sobre o mau olhado.
Jorge Ferreira, «Saudade
Macua» - 1971
1 comentário:
três batuques: O grande, o médio e o pequeno. todos dão o seu contributo precioso à festa. toda uma parábola :)
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