20 de dezembro de 2011

leigos missionários, os GRANDES


Damasceno

Itoculo


Itoculo está desde finais de Agosto deste ano sem leigos missionários. Não é a primeira vez que tal acontece no decorrer dos já oito anos de vida desta missão espiritana. Mas é, mesmo assim, estranho. Esta missão já se habituou a eles. É a missão dos leigos, e a ausência deles como que a descaracteriza. Os missionários e missionárias do Espírito Santo ficam desamparados quando se dá um tal interregno. Felizmente está para breve a chegada da Joana Cruz, já em Janeiro próximo.

Os leigos são fundamentais na missão de evangelização da Igreja. Esta é uma certeza que nós verificamos de um modo absolutamente inequívoco aqui em Itoculo, tal a imensa riqueza que os leigos missionários já nos trouxeram. O seu testemunho é único: pelo facto de não serem nem padres nem irmãs, eles conseguem uma credibilidade diferente junto do povo, conseguem outro tipo de aproximação. A sua influência evangelizadora faz-se sentir até nos próprios religiosos com quem os leigos convivem, edificando-os com a sua vida de oração e fé. Além do mais, os leigos têm geralmente uma especialização profissional, uma qualificação técnica que muito contribui para a eficácia da actividade missionária: como saber que a areia para construção tem uma determinada granolometria… ou entender que as sementes podem ser dicotiledóneas! Tudo coisas muito úteis. – Estes são exemplos caricatos, evidentemente…


Uma das apostas do trabalho pastoral em Itoculo nos últimos dois anos tem sido a criação e promoção de grupos de oração e de renovado envolvimento eclesial. Ora, até neste plano, o papel dos leigos se tem revelado determinante. Senão vejamos:

Estão a funcionar neste momento dois grupos da Legião de Maria. Todos os sábados se reúnem para rezar, para planear e avaliar as suas actividades de evangelização. São eles que vão, dois a dois, de porta em porta, cada semana, à procura de ovelhas tresmalhadas ou em auxílio de pessoas em situação de extrema necessidade. Este é claramente um movimento de leigos e, além do mais, foi pensado e fundado por um leigo, que nunca pôs os pés em Itoculo, um irlandês, Frank Duff. E já lá vai um par de anos.


Raul Marcos. É um jovem leigo espanhol que há alguns anos trabalha como director da universidade Católica de Pemba, província de Cabo Delgado. Com bastante frequência, e aproveitando o escasso tempo que lhe permite a sua posição na universidade, viaja até Nampula (a mais de 400 Km de Pemba) para assistir grupos de oração ligados à comunidade de Jerusalém, do Renovamento Carismático, a que ele próprio pertence. Trata-se de uma dedicação comovente, que por si só já nos evangeliza. Em meados deste ano propôs-se vir também a Itoculo orientar alguns dias de oração e de reflexão com alguns dos nossos animadores. Nasceram, a partir desta experiência, alguns grupos de oração carismática na paróquia, que semanalmente se reúnem para uma oração mais espontânea e ao sabor do Espírito de Pentecostes.


A Ernestina, leiga missionária que esteve connosco no último ano, deixou-nos a herança dos encontros de Taizé. Incutiu nos jovens o gosto pela oração cantada a várias vozes, à maneira dos coros celestiais. E, agora, como ela já cá não está e nós nem sempre encontramos vagar para preparar o esquema da oração e organizar ensaios, são os jovens que nos recordam: “Então? Este mês não temos oração de Taizé?” E temos mesmo que nos mexer.


Enfim, quando se menciona o termo “leigo missionário” logo surge em nós um sentimento de agradecimento: obrigado ao Christophe Héveline, à Celeste Reis, ao Hugo Rodrigues, à Joana Pedro e à Ernestina Falcão, que desde 2004 por aqui passaram e aqui viveram. Agradecemos ainda a tantos que se preparam ainda para vir. Mas damos uma palavra de apreço também àqueles que, de forma muito discreta, na retaguarda, se interessam pela missão. São aqueles que, mesmo sem apanhar o avião, atravessam outros “mares”, transpõem as fronteiras dos seus próprios interesses para atender às imensas necessidades de um próximo que vive tão longe. Com a sua oração, sacrifício e solidariedade material “empurram” para a frente os missionários que se encontram no terreno. Obrigado à LIAM e a tantos que, mais ou menos anonimamente, nos têm apoiado.


Recentemente estive na África do Sul. Lá reencontrei amigos de longa data. E entre a comunidade portuguesa que vive naquele país, tive a sorte de experimentar a mesma hospitalidade que o apóstolo Paulo exalta nalgumas das suas cartas. Naquelas terras muitas famílias cristãs continuam a dar testemunho de comunhão com os mais pobres e com os missionários. Este testemunho é tanto mais assinalável quanto sabemos que nem sempre estas famílias vivem economicamente desafogadas. Obrigado.


O pequenino menino Jesus deve sentir-se muito confortável no enorme coração destes leigos.


Feliz Natal 2011 e um santo ano 2012



Damasceno

15 de dezembro de 2011

insignificâncias




Raul Viana
Itoculo



Na vida há acontecimentos profundos, momentos intensos, encontros distintos, situações relevantes… e muitas outras coisas insignificantes. Hoje escrevo aqui algumas destas coisas que pouco interessam, e apenas valem por serem insignificantes.

1- Nos últimos dias de Novembro a nível da pastoral estivemos com a renovação das listas de catequese. Trata-se de ver quem aprovou ou reprovou na etapa que frequentou este ano. Ao mesmo tempo são apresentadas as listas daqueles que vão iniciar a sua formação catequética em 2012. No total temos uma média de 200 grupos de catequese em toda a paróquia, de adultos e de crianças. Para adultos são 3 etapas e para crianças e adolescentes são 6 etapas, isto é, cada etapa corresponde a um ano de formação. Assim, no meio de tudo isto apanhei algumas listas com 40 e 50 crianças para iniciar a catequese. Mas o mais surpreendente foi encontrar uma lista com 1 único catequisando já da 6ª etapa. E o mais curioso é o que catequista é o próprio pai. Quase que podemos dizer que as sessões da catequese podem ser dadas em casa e diariamente!!!!
2- Esta época de Novembro – Dezembro é bastante seca cá pelo norte moçambicano. A falta de água faz-se sentir por toda a parte e quem sofre mais são as famílias que passam muitas horas e muitos quilómetros à busca deste precioso líquido. As plantas também sofrem com a seca, mas o orvalho da noite ajuda a refrescar. Mesmo assim, a tonalidade árida da paisagem afigura-se por toda a parte. Os animais domésticos (galinhas, porcos e cabritos…) também passam as suas dificuldades para encontrar verdura. No nosso quintal decidimos semear repolho e com um pouco de água que conseguimos ter, lá vamos fazendo uma pequena produção para consumo próprio. Qual foi o espanto de ver os cabritos andar no meio das couves sem as comer. O mesmo já não aconteceu com a mandioca e outras pequenas folhas que vão despontando de arbustos. Afinal os cabritos daqui são bem educados, em algumas coisas!!!


3- A malária/paludismo é a doença que causa o maior número de vítimas mortais no mundo, de modo especial faz aumentar em muito a mortalidade infantil. É uma doença dos países pobres, e por isso ainda se mantém, até aos nossos dias, sem um medicamento preventivo ou inibidor do «mosquito palúdico». Contrariamente a outras doenças mais recentes, como é o caso das doenças cancerígenas, que têm evoluído de forma eficaz o modo de tratamento nos países ocidentais. Para nós estrangeiros numa terra quente dominada pelo «mosquito palúdico» (norte de Moçambique) facilmente ficamos apanhados e obrigados a cancelar os planos que tínhamos previsto. Assim aconteceu agora mesmo comigo onde tinha calculado fazer uma série de coisas, mas que ficaram adiadas porque a malária não permite sair de casa, nem fazer muitos esforços até que fique totalmente curada. Por outro lado, permitiu escrever algumas coisas insignificantes como estas…

4- Outros assuntos insignificantes poderia escrever, como por exemplo, acerca da «prisão industrial de Nampula», ou sobre o facto de «levar as crianças para o Rio» quando estão doentes, ou ainda preparar e comer «rato assado», etc… Mas tudo isso, são apenas insignificâncias.

7 de dezembro de 2011

OBRIGADO
pelas felicitações

Obrigado a todos aqueles e aquelas que, ao perto e ao longe, vivem connosco missão fazendo-nos chegar as felicitações pelos nossos 15 anos de vida missionária espiritana em Moçambique. Porque foram muitas e significativas as mensagens recebidas, também queremos (de forma anónima, apenas nomeamos a do Superior Geral, Jean-Paul Hoch) deixá-las aqui publicadas em sinal de verdadeira comunhão. Bem-haja a todos/as e cada um/a. P. Raul Viana

Via correio electrónico:
- Je vous remercie pour votre bon message rappelant que l'implantation spiritaine au Mozambique fête déjà son XV° anniversaire. J'ai lu avec beaucoup d'intérêt le texte de mémoire que vous avez rédigé à cette occasion. Vous avez bien fait de mentionner les noms des spiritains et associé(e)s qui, depuis le début ont contribué si bien à l'implantation de la Congrégation au Mozambique, parmi lesquels John Kingston, votre correspondant qui vient de partir pour une longue visite de la Province de l’Angola. Personnellement, j'étais très heureux d'avoir pu, en sa compagnie, visiter vos communautés l'an passé et me faire une idée de tout le travail que vous accomplissez. Une nouvelle page s'ouvre pour votre Groupe, avec en particulier la fondation de la communauté de Beira et l'engagement dans la formation initiale. Je suis sûr que l'Esprit-Saint vous donnera les grâces nécessaires pour affronter ces nouveaux défis, dans la joie et la confiance. Je vous souhaite un fructueux temps de l'Avent, une joyeuse fête de Noël ainsi qu'une Bonne Année 2012.
Jean-Paul

- Gostaria desde já endereçar as minhas felicitações pela passagem demais um aniversário da presença espiritana em Moçambique. Certamente os frutas da presença serão visíveis, pês embora muito ainda está por fazer. Junto-me a vós nestas celebrações. A comunidade aqui … também vos saúda. Unidos numa só alma e num só espírito!

- Parabéns nestes quinze anos de missão colaborando com as dioceses locais, e as províncias espiritanas vizinhas.

- Greetings on love and peace… Many thanks for the mail though I could only read the names. In future I will learn this language. Thank you so much…

- Obrigado por esta informação para me dar uma ideia clara da missão e aqueles que trabalham diante de nós. Desejo a todos feliz aniversário.

- Muito obrigado por me ter lembrado desta data e deste número de anos que já estamos em Moçambique. Parabéns.

- Parabéns a todos os missionários e missionárias espiritanos (as) em Moçambique. Rezo para que o Espírito Santo vos fortaleça sempre mais na missão e vos dê a graça de vocações locais para a vida missionária na Congregação.

- Parabéns a todos e espero que para a celebração das bodas de prata possa estar aí para ajudar na preparação e a dar o meu contributo. Cor unum et anima una.

- Então parabéns! Já significa muita vida! Muito dinamismo e muita entrega.

- Já que mais ninguém nos canta, cantamos nós. Parabéns! Reparei que a lista dos estagiários e voluntários é bastante grande. Ainda bem. E uma das últimas voluntárias (Ernestina) deve ter deixado boas memórias. Assim passará com todos os outros que estão e estarão.

- Bonjour. Il m’a fait plaisir de lire l’information que tu as envoyé sur la présence spiritaine au Mozambique. Je voudrais simplement t’informer qu’il manque un nome parmi ceux qui ont été stagiéres au Mozambique en 2002-2003, celui de Baltazar Hernandez, du Mexique… Il est actuellement en afectation missionaire en République Dominicaine. Bonne continuation au Group du Mozambique. Fraternellement.

- Parabéns por este aniversário. Não imaginava que já tanta gente tinha passado por aí e outros permaneceram. Bom trabalho pastoral…

- Parabéns e boa missão! Desejo boa caminhada em Advento com esse povo. Votos de muita coragem para continuar a missão. Um abraço

- Obrigado pelo mail e pelo rescaldo histórico dos que passaram pela missão espiritana em Moçambique e também pelos estão a dar o melhor de si. Quinze anos de trabalho missionário ao serviço dos irmãos é verdadeiramente uma bênção. Em relação aos nomes dos estágios falta o padre Pilali Mwatresse de Sousa (fez o estágio em Netia) e o Baltazar (mexicano, estágio em Inyazónia).

- Parabéns aos missionários CSSp de Moçambique, e desejo de continuação de missão com fervor no Espírito

- Parabéns au grupo de Moçambique. Obrigado pelas mensagens.

- Aproveito para dar o meu muitos parabéns!! É com muita alegria que recordo o pouquíssimo tempo que passei por Moçambique. Que venham mais 15 anos de missão e outros 15 anos. Abraços

- Parabéns a todos e que esta presença continue eficaz e com o apoio e comunhão de todos.Beijinho e sempre aqui em união- Parabéns à comunidade que está e aos que estarão no futuro. E que a história da missão espiritana se continue a escrever com a coordenação dos padres, a ajuda dos voluntários e projetos de cooperação e desenvolvimento em prol da população local. Last but not the least tudo isto com a ajuda de Deus :)


Via SMS:
- Muitos parabéns por este caminho percorrido até aqui. Que o Senhor nos ajude a semear a Sua Palavra para que a Igreja tenha muitos e bons frutos.

- Muito obrigado e desejo-lhe tudo de bom. Que cada vez vá ficando mais comprometido o nosso compromisso.

- Muitos parabéns e muita força e luz para continuar essa missão bem espiritana.

- Parabéns. Sempre e tudo pela missão, todos unidos em comunhão, assim a missão vai cada vez
mais longe.

- Parabéns. Coloco cem euros na vossa conta para beberes um copo.

- Obrigado. Parabéns por ser animador nesta época.

- Unidos na mesma missão perto ou longe! Um abraço forte e cheio de fé

- Parabéns a todos. Estamos unidos na oração e na missão.

- Obrigado.

25 de novembro de 2011

PARABENS!
15 anos

Os Missionários do Espírito Santo iniciaram a sua presença missionária em Moçambique a 28 de Novembro de 1996. Precisamente há 15 anos atrás. Por isso estamos todos de PARABÉNS, tanto aqueles que por cá passaram como aqueles que ainda cá estão.

Não são muitos anos, mas foram marcados por momentos intensos (alguns também tensos) e bem missionários. É a história espiritana que se constrói em Moçambique.

Aqui apenas quero deixar os nomes de quem andou por estas terras e fez missão com este povo. Se alguém está esquecido desta lista, façam o favor de aqui mesmo o repor, pois todos somos (e fomos) importantes para a missão espiritana em Moçambique

O Grupo inicial era composto por:
Alberto Tchindemba (Angola)
Cangueno (Angola)
Antony Ugoh (Nigéria)
Lourence Nwaneri (Nigéria)
Pedro Fernandes (Portugal)
Domingos Vitorino (Portugal)

Depois deste passo inicial aconteceu que uns saíram e outros chegaram… Aqui ficam os nomes (os que estão a negrito significa que ainda cá estão):
Damasceno dos Reis (Portugal)
John Kingston (Irlanda)
Yves Mathieu (França)
Fran Kearns (Irlanda)
Guilhermo Gil Torres (México)
Ronan White (Irlanda)
Damien Mbaouya (Rep. Centro-africana)
Cayetano Micaela (México)
Noel Gama (Malawi)
Chrislain Bienvenue (Congo)
Raul Viana (Portugal)
Desmond Arigho (Irlanda)
Nicholas Chendamukandwa (Zâmbia)
Godefroy Massengo (RD Congo)

Estagiários e Voluntários nas nossas Missões (Netia, Inyazónia, Itoculo e Nampula):
Tiago Barbosa (Português)
Saturnino Afonso (Cabo-verdiano)
Jacob Sisifo Thusi
António Luís Matias (Angolano)
Christophe (Francês)
Tony Adelino (Moçambicano)
Jesús Gabriel (Mexicano)
John Manguja (Zimbabwiano)
Maria Celeste (Portuguesa)
Hugo Rodrigues (Português)
Oliver (Zimbabueano)
Joana Pedro (Portuguesa
Ricardo Maia - (Português)
Edmilson Semedo (Cabo-verdiano)
Elson Lopes (Cabo-verdiano)
Ernestina Falcão (Portuguesa)
Vicent Ntri-Akpabi (Ganês)
Isaac Segovia (Paraguaio)
Edward Apambila (Ganês)
Joseph Mberenjere (Malawiano)

Esperamos brevemente:
Urbain Makimba Tambwe (Espiritano da RD Congo).
Joana Cruz (Voluntária Portuguesa)
Etc…

Se ainda não teve oportunidade de nos felicitar, não deixe passar esta oportunidade e faço-o agora mesmo! A missão e os Missionários em Moçambique agradecem.
Sempre «cor unum et anima una»

14 de novembro de 2011

um dia em cheio

Raul Viana

Itoculo

Depois das férias a vida volta ao seu normal. Assim aconteceu neste domingo dia 13 de Novembro. Logo de manhã à hora do sol nascer (4:30h) começamos a carregar o nosso carro com 50 chapas de zinco para entregar em duas comunidades cristãs da nossa Paróquia que querem renovar a cobertura da sua capela. Isto é um sinal de que as nossas comunidades já se estão organizando para melhorarem o seu espaço de culto.



Assim, cautelosamente fomos percorrendo o longo caminho que nos esperava. Em Renu, a 15km da missão, deixamos as primeiras 20 chapas. Avançamos mais um pouco e encontramos a comunidade de Havara que terminara de renovar a sua capela. Mais à frente parámos na comunidade de Supitani que nos informou que iria fazer o mesmo na semana seguinte. Depois passamos na comunidade de Murutho-Velho onde entregamos as restantes 30 chapas. Por fim, chegamos à comunidade de Namialo, tendo percorrido já 45Km com 2:30h de viagem.

Tivemos a companhia do Sr. Ernesto Najope animador geral da região de Djipwi e do Sr. José Ali animador regional da pastoral da Saúde. Conhecedores do estado do caminho, eles nos indicaram a via mais curta que se pode fazer durante este tempo seco, e assim economizamos 10km. Para mim, era a primeira vez que passava por este caminho que durante a chuva fica cortado ao trânsito.


Em Namialo, à nossa chegada estava uma pequena comunidade reunida com os seus catecúmenos. Iniciamos a celebração dominical pelas 8h, e às 11:30h estava tudo concluído. No fim almoçamos a nossa «chima» com galinha, falando de seguida com os animadores para resolver pequenas questões locais.

Foi então que surgiu o caso de um antigo animador que em 2010 havia retirado uma certa quantia de dinheiro da comunidade cristã para fins pessoais. Dialogando com ele, depressa manifestou vontade de resolver a questão logo que vendesse a sua castanha de caju. Imediatamente me prontifiquei a comprar essa castanha e a vende-la a fim de obter o dinheiro que nos foi desviado. E assim decidimos ir a sua casa e resolver tudo.

Foram mais uns quilómetros que percorremos no meio da savana florestal. Quando chegamos deparámo-nos com uns panos brancos ao fundo do seu quintal. Muito serenamente pedi-lhe uma explicação do que se tratava, pois ele faz parte da comunidade cristã. Logo me disse que foram os «curandeiros» que montaram todo esse escaparate por causa do «magini» (demónio) que tinha entrado na sua vida.


Na verdade este é um assunto muito delicado e enraizado na cultura local, mas que contraste com a nossa fé cristã. No decorrer da conversa ele manifestou vontade de se libertar desse mal, e não sabia como fazê-lo. Foi então que tomei a iniciativa de fazer algo por esta família, de modo que a Paz e Graça de Deus aí permanecessem. Juntamente com os animadores e familiares presentes (todos eles cheios de medo) nos sentamos no pátio da casa em ambiente de oração. Rezamos, benzemos a casa (por dentro e por fora) e fomos ao local destruir essa tenda montada pelos curandeiros tradicionais, manifestando o poder da Graça de Deus sobre todo o mal. Quando terminamos este assunto ofereceram-nos comida em sinal de comunhão e compromisso com tudo o que fizemos. Ficou-nos a impressão que esta família ficou livre de um mal que lhe adviera e continuamos a rezar para que assim seja. Porém não ignoramos todo o meio envolvente de sincretismo e superstição, do qual não é fácil livrar-se dele.

Por fim, tratamos do motivo principal que nos trouxe ali e regressamos a casa, percorrendo mais 45km. Chegamos pelas 16h fatigados por uma viagem cheia de sol e calor, mas agradecidos pelo bom desenrolar dos acontecimentos. Este foi, também, o motivo que preencheu a nossa Hora de Adoração comunitária ao fim da tarde. E o dia terminou com o jantar convívio de toda a Equipa Missionária.


E assim, com estes e outros acontecimentos, vai acontecendo a vida missionária por estas terras…

2 de novembro de 2011

Vai vende tudo e segue me!


Aldino André



Harare


Diante do desejo do rico joven em seguir Jesus, isto è, em partilhar a sua vida diária, o seu sofrimento, a sua condenação, a sua morte e por fim a sua ressureição, Jesus não responde impondo uma sèrie de requisìtos, como se tem feito quando desejamos ocupar uma vaga numa instituição.

Jesus não olha pelo passado do jovem, não se interessa de onde ele vem, qual è o seu comportamento; simplesmente Jesus se interessa em satisfazer a vontade do jovem e a resposta è tão simples e direita: "vai, vende tudo o que tens e vem segue me". Isto não è assim tão fácil, especialmente quando o que temos nos serve de conforto, de defesa e nos faz sentir importantes.

São os nossos bens materias, são as nossas atitudes e comportamentos e a familia è o ambiente de casa que sempre se considera melhor. Mas para seguir Jesus se deve fazer um esforço a mais, se deve deixar algo por traz, se deve perder para ganhar algo maior, se deve deixar o egoismo para dar lugar aos outros, enfim se deve morrer para viver.


O único requisito que Jesus faz ao jovem rico parece ser defícil ou se não mesmo impossivel. Podemos dizer que a sua riqueza o tinha tornado cego e não era capaz de ver quanto ganharia ao vender tudo por uma nobre causa, seguir Jesus Cristo. Isto trata-se de um examplo de como muitas vezes não somos capazes de sacrificar coisas menores para coisas maiores, não somos capazes de sacrificar esta vida pela vida eterna a qual Jesus nos propõe. Mas não podemos ignorar o facto de que existem pessoas que ouvem o chamado de Deus e sacrificam, literalmente, tudo com fé para o seguir.

A Bíblia, nos apresenta duas personagens como modelo de disponibilidade a seguir, com fé, o chamado que Deus nos faz para o servir. Penso em Abraão, o nosso pai na fé, que com fé deixou a sua terra natal para um destino incerto, com fé viveu como refugiado no estrangeiro, com fé a sua esposa concebeu mesmo na velhice, com fé aceitou sacrificar o seu único filho. E como resultado Deus prometeu uma grande fortuna, a sua descendência seria como as estrelas do céu.

Ainda a Bíblia apresenta-nos a imagem de Maria, um outro exemplo de fé; ela não hesitou em aceitar carregar Jesus no seu ventre, pesembora para alguns fosse uma vergonha conceber fora do casamento.

Estas duas figuras deviam ser um exemplo para nós, que tudo é possivel quanto dizemos sim ao convite que Jesus nos faz para O seguir. De facto, gente há que renuncia os seus bens e o seu futuro brilhante para seguir Jesus. Penso em particular do nosso primeiro fundador Cláudio Poullart des Places, que renunciou a sua carreira de juiz que, de certeza, o tornaria famoso e rico para enveredar pela vida religiosa e preferiu viver pobre e com pobres. Penso de tantos missionários e misssionárias, leigos e leigas que deixaram o conforto de primeiro mundo (Europa e não só) e decidiram vir para África ou América do Sul para partilhar o sofrimento do povo e em certos casos trate-se de pobreza extrema, onde estes homens de Deus se encontram nessas situações anuanciando a Boa Nova de Jesus ressucitado.

Durante este tempo em que estou a caminhar com os Missionários do Espirito Santo, testemunhei estas situações de missionários que escolheram tornar-se pobre com os pobres e isto me leva a questionar-me se eu não agiria como aquele jovem ao ser convidade para la ir viver! Mas acima de tudo estou convencido que se Deus me chama seguramente tem planos superiores para mim e como Cláudio Poullart des Places disse: “estou decidido a seguir o caminho que ele me indicar.” Pois acredito que o mesmo Deus que escolheu e guiou o povo de Israel, tambem me guiará.

Vem junta-te a nós nesta aventura e deixa-te guiar pelo Espirito Santo!

1 de setembro de 2011




Era uma vez uma biblioteca…


Ernestina Falcão

Itoculo


...que, naturalmente, tinha livros. Não eram assim muitos, muitos, muitos, mas qualquer livro que se preze gosta de ser folheado, cheirado, lido, “saboreado”, e os desta biblioteca, nada … ninguém lhes ligava nenhuma e, por isso, eram livros tristes…Até que apareceu uma leiga missionária voluntária, que gosta muito de livros e que se interessou muito por eles e muito mais ainda pelas pessoas que podiam beneficiar deles. Então, ela mostrou-os, deu-os a conhecer, fez publicidade deles, chamou à atenção para eles.
A biblioteca de que falamos é a biblioteca paroquial de São José de Itoculo e a leiga missionária sou eu mesma… a Ernestina. Bom, dinamizar esta biblioteca foi um trabalho a que me dediquei e que me deu muitas alegrias. O P. Raul, o P. Damasceno, depois o Vincent e, por último também o P. Desmond tinham que me aturar quando eu regressava da biblioteca, nos primeiros dias de abertura, um pouco triste porque não aparecia ninguém e depois cheia de alegria e entusiasmo que não era capaz de guardar e tinha que partilhar com eles quando numa tarde (apenas duas horas) me apareciam na biblioteca 10, 15, 20 alunos e o máximo foram 44.
Os livros mais requisitados / procurados são os manuais escolares moçambicanos da 8ª classe, mas também começaram a aventurar-se na pesquisa. Como só temos dois manuais de cada disciplina e os alunos eram muitos, então eles procuravam noutras prateleiras os assuntos que queriam pesquisar.
Foi muito bom e gratificante ver aquele espaço, transformar-se num local de encontro, de estudo e de descoberta de novos saberes para muitos jovens estudantes. Actualmente são 84 os leitores da biblioteca e alguns deles são já frequentadores assíduos da biblioteca. É com grande alegria que os recebo na biblioteca e os vejo estudar, pois os manuais escolares (o de Biologia em especial...) são os mais procurados.
A terça-feira, dia 9 de Agosto foi dia de festa, pois foi registada a requisição número mil na nossa biblioteca paroquial. Teve direito a registo escrito (na folha de requisições) e fotográfico.
A partir de meados de Junho, a biblioteca paroquial já não tinha só livros…, passou a ter também um computador - estava no cartório meio abandonado e resolvemos dar-lhe uso. Notei que os livros ficaram um pouco enciumados, pois as maiores atenções deixaram de ser para eles e passaram a ser para aquele aparelho lá colocado em cima da secretária…Mas tudo se resolveu porque o computador era só um e a pessoa que podia ensinar a trabalhar com ele também era só uma e por isso os livros continuaram a ser muito requisitados. O número de leitores anuais, pois só estes teriam acesso ao computador, é que cresceu: passou de 29 em 14 de Junho (data em que foi colocado o computador na biblioteca) para os 48.
Também a partir de 19 de Julho, na nossa biblioteca apareceu outra novidade: o jogo de xadrez. Este é um jogo que, reconhecidamente, desenvolve o raciocínio e, por isso a capacidade de aprendizagem. Pois bem, desafiei o P. Damasceno, que gosta de jogar xadrez e não tem companhia, a ensinar os utentes da biblioteca a jogar. Ele, depois de alguma resistência, aceitou o desafio e foi até à biblioteca ensinar, mas logo se queixou das capacidades de aprendizagem dos meus alunos.Um passarinho segredou no meu ouvido que um projecto novo está a nascer, para a criação de um novo espaço para a biblioteca, um espaço maior com sala de leitura própria (até à data, é o refeitório do centro paroquial que serve de sala de leitura e de estudo) e também com espaço para a informática. Pois essa é uma excelente ideia e que vou apoiar com tudo o que me for possível.

28 de julho de 2011



novos espiritanos


Raul Viana

Itoculo



No dia 26 de Julho em Petermariztburg (África do Sul) 10 jovens fizeram a sua Primeira Profissão Religiosa (4 do Malawi, 3 do Zimbabwe, 2 da Zâmbia e 1 de Moçambique).

Foi uma celebração simples, profunda e cheia de alegria, em vista de um verdadeiro compromisso missionário espiritano. Eu tive a graça de estar presente e nela participar, pois tratava-se também do primeiro jovem moçambicano a assumir tal compromisso.

Na verdade, este é já o segundo espiritano na nossa Congregação. O primeiro é o P. João Luis Dimba (de Tete) que actualmente integra o Grupo Internacional do Malawi. O Aldino André é natural de Nampula, oriundo da Paróquia Espiritana de S. João de Deus e fica a pertencer, a partir de agora, ao Grupo Internacional de Moçambique.



Acreditamos que este seja o começar de uma nova temporada para a nossa pequena Circunscrição. Depois de quase 15 anos de presença missionária espiritana em Moçambique, chega o tempo de começar a colher alguns frutos. Além do apoio directo à Igreja local onde nos inserimos, queremos desenvolver também a pastoral vocacional espiritana.

Sentimos que a formação inicial para a Vida religiosa Espiritana no nosso Grupo é vital. É também uma necessidade que se impõe para garantir a nossa continuidade nestas terras, bem como para o enriquecimento da Igreja Moçambicana através da riqueza do nosso carisma Espiritano.

Alguns candidatos à vida espiritana vão surgindo, apesar de não fazermos divulgação. Porém a falta de meios e estruturas nos dificulta esta missão. Por outro lado, já estamos a trabalhar para que no futuro se possa acolher, acompanhar, formar os jovens candidatos à vida e missão espiritanas em Moçambique. Trata-se do projecto de uma futura comunidade na cidade da Beira, que esperamos desenvolver o mais rápido possível.


Mesmo assim, vamos acolhendo alguns candidatos. O Moisés Mário é um jovem moçambicano, na etapa do Postulantado, que em breve seguirá para o Malawi. Podemos dizer que são pequenas gotas que mais tarde poderão formar um oceano. Neste sentido, pedimos a Deus que ilumine e fortaleça o coração destes jovens que apostam na vida missionária espiritana, e vá suscitando no coração de outros tantos o desejo de uma vida consagrada, missionária e espiritana.

26 de junho de 2011

encontro do grupo espiritano

em moçambique


Raul Viana


Itoculo


De 20 a 25 de Junho tivemos o nosso encontro anual. Somos três comunidades que nestes dias formamos uma única comunidade espiritana.



O primeiro dia ficou marcado pelas viagens. Da comunidade de Inyazónia (Chimoio) chegaram o P. Damien (Rep. Centro Africana), os jovens estagiários Joseph (Malawi) e o Eduard (Ghana), e os PP. Godefroy (Congo K.) e Nicholas (Zambia), aprendizes de português na Cidade da Beira. Da comunidade de Nampula chegaram o Ir. Ronan (Irlanda), o P. Chrislain (Congo B.) e o jovem estagiário Isaac (Paraguay). Em Itoculo os PP. Damasceno e Raul (Portugal), o P. Desmond (Irlanda) e o jovem estagiário Vincent (Ghana) prepararam e acolheram os que chegavam. Estavam ausentes os PP. Yves (França) e o Alberto (Angola).


No segundo dia, depois de recuperados da viagem, em especial aqueles que precisaram de 17h para chegar, fizemos uma visita local à povoação itoculense. Iniciamos formalmente o nosso encontro relembrando as palavras do Superior Geral na sua carta de Pentecostes: «o espiritano não é definido pelo que faz, nem pelos locais de trabalho, mas por três qualidades fundamentais que fazem dele uma pessoa “laboriosa” (quer dizer trabalhadora), “capaz” (ou seja competente) e “desinteressada” (isto é disponível).»


O terceiro dia ficou marcado pela partilha dos mais velhos e dos mais novos, alguns recentemente chegados. Conhecer a nossa história, partilhar o nosso viver, pensar o nosso futuro… foram assuntos que nos preencheram completamente.


Para mudar de ambiente, aproveitamos o quarto dia para sair de casa e visitar a Ilha de Moçambique, o berço da nacionalidade moçambicana. Sentindo os ares do Índico, não resistimos a um mergulho na praia da Cabaceira.

O quinto dia começou com uma reflexão e meditação a partir de uma carta de Libermann cheia de bons e sábios conselhos para a vida missionária (in ND VII, p.191-195). O fim o dia ficou marcado pela celebração Eucarística com Renovação de Votos do estagiário Joseph e o convívio final que avançou pela noite dentro.


Terminado o Encontro do Grupo cada comunidade logo de madrugada regressou ao seu local de missão. Enfim, foi um encontro intenso e bem vivido com espírito jovem e alegre, onde não faltou o compromisso e comunhão para viver a nossa missão espiritana em Moçambique. Que o Espírito Santo seja sempre a nossa força e a nossa luz.

19 de junho de 2011

régulo mepóva



Raul Viana



Itoculo



Num destes dias visitei um dos nossos Régulos (autoridade tradicional macua) numa das nossas Regiões da Paróquia. A finalidade desta visita incidia na apresentação de um pedido de autorização para extrair pedra dentro do território do seu regulado em vista da construção que estamos a fazer no Centro Regional de Xihir.

Este pedido enquadrava-se, também, no respeito e atenção pela «autoridade tradicional», dono desse território. Como chefe territorial, a ele compete as decisões relativas à exploração da terra.
Acompanhado de um animador cristão, aproximei-me da casa, pedindo licença para entrar. Na varanda da casa estava ele deitado na sua quitanda (cama típica dos macuas) muito recolhido e com familiares à volta. Estava mesmo doente.

Como habitualmente fazemos, começamos pela saudação e respectiva partilha de novidades. Logo ele iniciou apresentando o seu estado doentio, bastante visível. Trocamos algumas palavras e disse-lhe que estava disponível para o trazer ao Centro de Saúde de Itoculo, para fazer um tratamento medicamentoso. Porém, recusou dizendo que o seu estado iria melhorar. Nesse caso adiantei que o carro voltaria a passar nesse caminho dentro de dois dias e, caso não melhorasse, podia seguir para o hospital. Essa seria a nossa colaboração, visto que a sua casa dista do centro de Itoculo cerca de 15km.

No meio de tudo isto ainda hesitei apresentar o pedido que me levava aí sobre a extracção de pedra dentro do seu regulado. Mas ele insistiu no porquê da visita e então apresentei a questão, à qual deu uma resposta imediata e positiva. Nada havia a impedir a não ser a debilidade do seu estado de saúde. E assim falando em macua, disse que podíamos extrair essa pedra, visto que se trata de uma construção que também vai servir o seu povo. Agradecendo a colaboração concedida, nos despedimos desejando as melhoras e rápida recuperação.



Passados dois dias o carro da missão voltou a passar nesse caminho e logo foi mandado parar para informar que o Régulo não podia seguir para o hospital porque primeiro tem de consultar a «Tradição». Ou seja, tem de ir primeiro aos curandeiros e adivinhos, como mandam as regras locais. E assim uma vez mais ficou adiada a sua vinda para o hospital central.

De facto, a situação agravou-se. E a primeira coisa a fazer é recorrer à «tradição» consultar as «forças locais». Deste modo não foi de estranhar a notícia da sua morte passados poucos dias. Tratava-se apenas de uma infecção urinária ou prostatite, que o hospital central podia resolver.

Este Régulo Mepóva é apenas um exemplo dos inúmeros casos que acontecem neste meio sócio-cultural macua. De facto, a «tradição» é muito forte e inflexível, e é a primeira a ser procurada. Posteriormente se recorre aos serviços do centro de saúde e/ou hospitalar. Esta prioridade local é por vezes uma solução eficaz, quando se trata de pequenas doenças que a medicina natural resolve. Mas na maioria das vezes, apenas agrava a situação dificultando ou mesmo impossibilitando a sua cura. Noutros casos, como aconteceu com este Régulo, termina com a morte do paciente.

Mesmo disponibilizando tempo e meios, o peso da «tradição local» dificulta o nosso trabalho pela qualidade de vida deste povo. Isto que se verifica no campo da saúde, cujos os casos são imensos, também se verificam no campo da Pastoral Paroquial. Na verdade, trata-se de um verdadeiro desafio à evangelização que estamos realizando, o qual nos faz ver que a inculturação do Evangelho é ainda um caminho muito longo a percorrer, um processo que requer tempo e entrega.


É assim mesmo, que a Missão continua.

8 de junho de 2011

sol radiante, lua cheia



Damasceno

Itoculo




Passou o mês de Maio. E mais uma vez, como já vem sendo hábito, a comunidade cristã da paróquia de Itoculo se organizou para rezar o terço na casa de uma família diferente cada noite. Para nós, missionários, era um momento privilegiado de encontro com Maria e de confraternização com os fiéis nas suas casas, nos seus lares... depois do jantar, de foco na mão, saíamos, quais peregrinos, às apalpadelas, pelo meio do bairro até chegarmos ao “presépio” dessa noite... qualquer que fosse a família, ou a parte do bairro onde morava, o ambiente era sempre o mesmo: noite apenas iluminada pelo candeeiro a petróleo ou por uma lanterna de pilhas baratas. Mal se viam as caras dos que iam chegando à medida que o terço não começava. A mobília era meia dúzia de esteiras, a condizer com o capim do telhado. E começava o terço. E quando começava não mais parava. Porque era rezado naquele ritmo corridinho que o povo gosta, quase a cantar. Foi bom.

Talvez encantado e lançado por esse ambiente do Maio de Maria veio-mo à cabeça, já em pleno Junho, uma poesia que partilho agora convosco. Não dizem que “de poeta e de louco todos temos um pouco”? Então cá vai:


Sol Radiante, Lua Cheia

Senhor, tu és Sol
Brilhante, iluminas
Dás beleza às criaturas
Senhor, tu és Sol
Para nós te inclinas
Nos afagas das alturas

Senhor, somos lua
Minguante, deserta
Sem coragem de luar
Senhor, somos lua
Crescente, desperta
Ao calor do teu olhar

Senhor, somos lua
Inunda de ouro
O chão que por ti anseia
Senhor, só Maria
Arca do tesouro
Te acolheu em lua cheia

Mosteiro “Mater Dei”, Nampula
07 de Junho 2011

19 de abril de 2011

Um “A”




Damasceno dos Reis
Itoculo

Um mísero “A”.
Quando não se tem mais nada para dizer, quando faltam ideias, um reles “A” pode servir perfeitamente. Além da frequente falta de imaginação para compor um sermão ou para escrever qualquer coisa de jeito para o blog, também pode acontecer que o tempo nos atraiçoe e decida mirrar quando mais precisávamos dele (ou nós provocamos o Deus do tempo adicionando à agenda um irreflectido e desmedido número de compromissos?), por isso esta é uma opção legítima. Escrever um “A”. Quanto mais não seja, evita-se dizer muitas barbaridades.

Pois bem. Não há tempo para responder aos mails dos amigos? não fique uma eternidade sem dar sinal de vida. Dê uma martelada na tecla do “A” e envie. Sempre estará a fazer uma coisa mais personalizada do que muitos que simplesmente reencaminham PowerPoints ou anedotas do Sócrates. Aliás, muitos PowerPoints são uma autêntica seca e acabamos concluindo que abrir tal ficheiro foi perda de tempo (sobretudo para quem não tem net por cabo nem computador com drezagigabytes).

Podemos aproveitar e ir com o mesmo guião até à capela. E, diante do sacrário, dizemos apenas “A”. Nosso Senhor vai ficar contente. Um “azito” para Ele basta. Conhecem a parábola do pobre que não sabia rezar e que se limitava a declamar o alfabeto, para que depois Deus lhe ordenasse as letras numa oração com pés e cabeça? Não é preciso tanto. Com a colaboração do nosso “A” o Senhor nos dará tudo o resto: o AAAAMOR; a VIDAAAA; etecéterAAAA… Além do mais, depois de sair o “A”, não custa nada meter-lhe à frente um “H”. E assim se obtém uma exclamação com tons de louvor: “AH! Como é grande o nosso Deus!” Este “Ah!” pode até transformar-se num sorriso mais escancarado. Toda a gente sabe que Deus é humor. Também se pode acrescentar um “i”. Assim se exprime a nossa dor e recordamos o mistério da cruz. Um “Ai!” sempre vem a propósito (na semana santa).

Este princípio pode servir até para a vida. Se um dia nos levantamos sem energia para muitas falas, esforcemo-nos ao menos em distribuir um meio sorriso. Um pequeno esforço é suficiente para provocar uma reacção em cadeia e alegrar a alma dos que nos rodeiam. É como a sopa de pedra. O ingrediente pedra é apenas um excelente isco para obter umas boas couves… e um fiozinho de azeite, já agora.

Ok. Já sabem – aqueles meus amigos que estão há anos sem dar notícias – não há justificação para tanto apagão... é só digitar uma letra qualquer e enviar-ma assim mesmo, crua e sem tempero, que eu lá a cozinho. Mas não abusem.

20 de março de 2011

«democradura»



Raul Viana
Itoculo

Por opção não temos televisão, a emissora radiofónica nem sempre se consegue sintonizar, a internet geralmente tem fraco sinal, os jornais e revistas chegam com três meses de atraso, agora com a chuva o caminho torna-se uma aventura, etc… Mas no meio de tudo isto tivemos acesso à revista Courrier Internacional que no mês de Janeiro (2011) traz um artigo do escritor guineense, Tierno Monénembo, sobre um neologismo muito actual: «democradura». Segundo o mesmo autor, trata-se de «sistema híbrido (com rosto de democracia e corpo de ditadura) que desencadeia paixões e aumenta a confusão».

Este neologismo resulta de uma observação da realidade política africana com um sentido crítico pertinente. O que está a acontecer no norte de África, e já um pouco por todo o continente, é resultado desta «democradura». Os tunisinos e os egípcios já conseguiram dar um passo em frente. O povo líbio está sofrendo a tirania do seu líder. Outros países (Siria, Iémen…) estão em alerta máximo.

Mas percorrendo todo o continente africano, parecem ser poucos os casos de países que escapariam a este sistema da «democaradura». Aparentemente, muitos dirigentes são eleitos num regime democrático, mas o exercício do seu poder manifesta outro procedimento. Para tal, basta observar as noticias que se repetem.

Com isto não quero dizer que estou num país que também optou pela «democradura». Mas, partindo da realidade onde me encontro, há uma série de coisas que acontecem e que interpelam. São questões para as quais ainda não obtive uma resposta satisfatória, e por isso as coloco aqui em jeito de partilha e na expectativa de uma resposta:
- Porquê se faz um programa de visita a uma localidade e a administração inclui uma hora de comício?
- Porquê as autoridades principais no discurso social apresentam slogans do partido no poder?
- Porquê um funcionário público para garantir o seu posto de trabalho tem de possuir e apresentar o cartão do partido?
- Porquê as candidaturas a cursos de formação específica exigem declaração partidária?
- Porquê se tolera muito pouco o facto de ser da oposição?
- Porquê se canta todos os dias o hino nacional e se faz uma representação de marcha militar antes de se iniciarem as actividades escolares?
- Porquê…?

Para algumas perguntas já obtive alguma resposta. Outras ainda aguardam o seu dia. No meio de tudo isto, confesso que não vivo ansioso na busca definitiva das mesmas. Mas sinto que algumas delas incomodam muita gente. Assim, enquanto não encontrar uma resposta satisfatória, elas continuam a ser «questão» também para mim!


NB: Esta semana tivemos a visita do Governador da Província. Significa que durante algum tempo vamos usufruir do caminho concertado, esperando que a chuva não nos feche esta via de comunicação, como já aconteceu algures...

9 de março de 2011

era sobre o jejum, mas...

Raul Viana
Itoculo

Chegamos no dia 6 de Março à noite e partimos no dia 9 de manhã. Foram dois dias de oração e reflexão para ajudar na vivência deste tempo quaresmal. Uma pausa serviu para fazer uma visita de boas-vindas a nosso confrade congolês Godefroy que acaba de chegar a Nampula.

Desta vez escolhi «o jejum» como tema de reflexão, apoiando-me num pequeno livro de Anselm Grun: «Jejuar. Corpo e alma em oração». Enquanto eu me dedicava a esta oração e reflexão, ao lado estava jovem nigeriano fazendo um jejum de cinco dias sem comer nem beber. Assim, enquanto eu estava na teoria, ele o exercitava!

Porém, aqui não quero desenvolver esta reflexão, pois ainda me falta a prática (que também não tem data marcada), mas afirmo que vale a pena ler o livro que as Paulinas editaram. Em contrapartida quero ressaltar o lugar onde estive e que alguns também o conhecem. Sem querer ser repetitivo, as fotos comprovam o local escolhido.

«Não se pode ser apóstolo se antes não se é contemplativo»
Libermann nos diria que se trata de viver a «união prática». Na verdade, por muito trabalho pastoral que possa existir, e de facto não falta, é essencial esta paragem. Tal como os telemóveis precisam de recarregar baterias e os automóveis fazer a sua revisão periódica, também o missionário precisa deste tempo para fundamentar a sua missão.

«Escuta o silêncio: o Senhor te fala»
Não se trata de fazer muito, mas simplesmente adoptar esta atitude de fé: «Fala Senhor que o teu servo escuta!». O local é adequado ao silêncio e à meditação, longe da confusão da cidade, no sopé de uma montanha, está situado o Mosteiro Mater Dei, nos arredores da cidade de Nampula. Além das vozes infantis do orfanato das irmãs, ouve-se também o tocar do sino para o canto dos Salmos da Liturgia das Horas. É, de facto, um espaço que convida a escutar o essencial.

«Cristo é a nossa paz»
Avançando no espaço do Mosteiro encontramos esta verdade cristã de S. Paulo: «Cristo é a nossa paz!» (Ef 2,14). Fazer a experiencia da oração e do silêncio significa encontrar essa paz que a vida missionária precisa e que os afazeres de cada dia muitas vezes perturbam.

«Senhor, eu Te adoro no templo da natureza»
A capela e a natureza envolvente são um convite à adoração simples. Esse mesmo desejo vem expresso nas informações da hospedaria: «As Irmãs monjas desejam que cada um encontre a PAZ, o SILÊNCIO e a BELEZA da natureza que acompanham a nossa vida de oração e trabalho, e que muito ajudam para o íntimo encontro com Deus, que se revela aos humildes que NELE confiam e se oculta aos soberbos que confiam em si mesmos». Desta maneira, temos os elementos necessários para não desperdiçar a graça que passa.

«Mostra-nos Senhor o teu rosto»
Este é o desejo final de quem se sente amado de Deus. O missionário, irradiador do amor de Deus, tem de espelhar esse mesmo dom. Mas também sabemos que ninguém dá aquilo que não tem. Por isso, a decisão de parar e o desejo de se deixar iluminar são um ponto fundamental para uma missão fecunda, uma vez que não passamos de meros instrumentos onde o Espírito Santo é o protagonista.

«Lixo»
Meio escondido mas estrategicamente colocado está um tambor onde se pode deitar aquilo que já não serve. Também este tempo de recolecção é oportuno para fazer uma limpeza interior, purificando comportamentos e atitudes, desejos e decisões que o pecado manchou.

24 de janeiro de 2011

por terras de moçambique


Pe. Joaquim Dionísio

Pároco de Penajóia – Lamego


As estradas têm sempre gente que caminha: para vender ou comprar, arranjar lenha ou conseguir água, ir ao médico ou participar nas celebrações cristãs... A estrada ou o carreiro no meio da vegetação são pontos de passagem, de encontro e de busca. As boleias são uma alegria que não chega a todos. As bicicletas e as motos já aparecem, mas os carros estão ausentes, nesta terra onde o salário mínimo ronda os 40 euros (mais ou menos 2.000 meticais).

As construções são simples e utilizam materiais locais: a terra vermelha para fazer tijolos, a madeira para suportar a cobertura de capim que não livra totalmente da chuva. No interior, há esteiras para o descanso da noite e alguns utensílios para o dia-a-dia. Tudo o resto precisa ser encontrado algures. E assim se passam horas e se gastam forças, em busca da água que refresca, da lenha que possibilita cozinhar e do alimento que sustenta. A “machamba” já está limpa, o fogo vai queimando arbustos e ervas e deixará cinzas para a próxima sementeira e plantação (milho, feijão, mandioca), quando a chuva chegar e saciar esta terra forte e seca.

A fé à sombra da árvore

O fruto das árvores é procurado, consumido e comercializado. Mas há outra realidade que a árvore grande oferece: a sombra que protege do calor intenso e que congrega à volta de realidades comuns. Ali se conversa, se observa quem passa, se espera a chegada de alguém e se celebra a fé em dia de festa. E todos os domingos são dias de festa. A capela é pequena, mas tem por vizinha a árvore frondosa, à sombra da qual se juntam os fiéis. Sentam-se em pequenas pedras, em pequenos troncos ou no chão e ali estão durante horas, sem cansaço nem ruído, livres de agendas cheias ou de telemóveis indesejados. Homens de um lado, mulheres do outro e as crianças e jovens à frente, com as suas vozes, os seus tambores e um ritmo singular. Algumas mães carregam filhos às costas, a quem amamentam com naturalidade. Há fiéis leigos com responsabilidades ministeriais nas comunidades que se organizam para que tudo esteja pronto, para liderar celebrações, organizar reuniões, fazer avisos, anunciar iniciativas paroquiais, convidar para a formação, mas também para que não falte a água, a “chima”, o feijão ou a galinha nos dias de encontro.

Carências evidentes

O contacto directo com as populações mostra-nos necessidades evidentes por parte desta gente que tem tão pouco e que ainda não tem o hábito de se organizar para exigir ou de se juntar para reivindicar direitos e denunciar práticas menos democráticas e injustas. O silêncio está presente nos pais impotentes perante a doença do filho cuja cura existe longe e também naquela mãe que já perdeu oito dos treze filhos… Há organizações internacionais que gastam muito do que recebem para se manterem a si mesmas e que nem sempre trazem o mais óbvio ou urgente para as populações… Há empresas que exploram quando não pagam o preço justo ou quando subornam para manterem monopólios… Estamos longe da cidade e dos centros onde a realidade começa a ser diferente, mas estamos perto de um povo que não desiste.


O mar ali tão perto

Itoculo não está muito longe do litoral, onde encontramos a Ilha de Moçambique, capital deste país até há pouco mais de um século. Ali encontrámos o forte que permitiu defender estas terras dos corsários holandeses e também a primeira capela cristã edificada no hemisfério sul. Aqui paravam marinheiros e missionários a caminho da Índia, buscando especiarias e anunciando o Evangelho. Mas aqui chegaram também mercadores orientais que se fixaram e levantaram mesquitas para rezarem a Alá. O Oceano Índico estava calmo, reflectindo cores claras e convidando para um mergulho nas águas quentes que molhavam a areia branca.

Nesta ilha encontrámos o Palácio do Governador, onde funcionou um Colégio dos Jesuítas e onde agora está sedeado um museu. O passado dos portugueses pode ter algumas páginas menos agradáveis, mas apresenta-nos muitas outras que nos deixam entusiasmados e orgulhosos. Um pequeno país, com pouca gente e escassos meios fez coisas grandes que continuam a merecer a nossa atenção e a serem motivo de visita por esse mundo fora.

18 de janeiro de 2011

BAptizar à LUz do NAtal

Raul Viana
Itoculo

No decorrer do tempo litúrgico do Natal realizam-se os baptismos dos bebés, que vulgarmente chamamos «crianças de colo», «anamwane» em macua. Criança, pai, mãe e padrinho (ou madrinha conforme o género) são presença obrigatória nestas celebrações, tal como exige o cerimonial.

A noite de consoada do dia 24 de Dezembro é o começo destas celebrações. À luz da vela e de uma pequena lanterna celebramos a «Missa do Galo» e baptizamos os 17 primeiros bebés (Malema). No dia seguinte, dia de Natal, fomos noutra zona (Marerene) e repetiu-se a mesma cena com 14 baptismos, tal como no Domingo da Sagrada Família onde apenas duplicaram os números dos baptismos: 35 (Djipwi).

Terminado o ano civil, iniciamos 2011 com mais 18 baptismos (Namahite). Como a noite de fim-de-ano parece mais curta, também escolhemos uma zona mais próxima para estas celebrações. Além da novidade do ano iniciado, foi novidade também o baptismo de uma criança nascida às 2h desse primeiro dia. A família já tinha duas crianças para baptizar, mas agora chegava uma terceira recém-nascida, e que a mãe apresentou e presenciou o baptismo da sua filha mais nova. Era uma menina que ficou com o nome de Maria. Foi a criança mais jovem que eu baptizei logo ao começar o novo ano.


O segundo dia do ano ficou marcado pelo baptismo de 67 crianças (S. Miguel). Apesar do alpendre para o celebrante e alguns animadores, o que valeu foi o imponente cajueiro que abrigou toda essa multidão do sol escaldante, pois com estes números é natural que a celebração também se prolongue um pouco mais.

Para equilibrar os números, no dia 6 de Janeiro foram apenas 7 baptismos (Namiro). Um número idêntico de crianças (9) foram baptizadas no sábado à tarde dia 8 (Santa Inês-Ramiane). Em todas estas celebrações a alegria (o «elulu» das mulheres e o «Aleluia!» dos homens) é parte integrante desta festa. Mas neste dia não foi bem assim. Um surto de cólera percorria a zona e várias famílias estavam enlutadas, outras cuidavam dos seus doentes acamados. É uma situação preocupante que exige sérios cuidados.

Das cinco comunidades desta zona pastoral, apenas estavam presentes duas comunidades. As outras não apareceram por medo de serem contaminadas. O desconhecimento e ignorância da origem desta doença tinha gerado no fim-de-semana passado muita confusão no bairro, onde alguns líderes locais foram espancados e acusados de serem eles os causadores de tal epidemia. Com muita superstição à mistura as pessoas desconfiam de tudo e de todos. E quando a razão dá lugar apenas ao sentimento pode-se chegar a atingir verdadeiros dramas como foi o caso.

No meio de tudo isto estava, então, a decorrer esta celebração de baptismo, onde a água, como sabemos, é um elemento essencial deste ritual. A água que é fonte de vida, mas, se contaminada, também é geradora de morte.

Com a festa do Baptismo de Jesus (Naiopa) terminei as celebrações baptismais com mais 13 crianças. E somando tudo, são agora 180 novos cristãos pertencentes a uma família mais alargada, a Igreja de Jesus Cristo.

Enfim, louvado seja Deus.

26 - A alegria completa

– Netia-Itoculo/2003-2004 «Um homem não pode tomar nada como próprio, se isso não lhe for dado do Céu. […] Pois esta é a minha alegria! ...