19 de abril de 2013

breve história de ITOCULO
(PARTE III)
por Bento Veligi

10.       Os usos e costumes:
Quando morresse um Mwene o tratamento do defunto era diferente de qualquer outra pessoa. No enterro do Mwene tinha que se preparar farinha de mapira que cada membro familiar punha um pouco na mão do falecido, e cada um pedia o que quisesse, desejando-lhe boa receção no Deus dos deuses. Pois reconheciam a existência do Deus verdadeiro. O último interveniente nesta cerimónia era o sucessor do falecido, e, até hoje, é a pessoa que guarda a ephepa (farinha de cerimónia) que existe em cada tribo. A sucessão no trono pertencia à parte materna (sobrinhos e irmãos), mas nunca aos filhos. Portanto, uma linha matrilinear.

Falando da resolução de problemas sociais, era da responsabilidade do Mwene deliberar de acordo com a gravidade do caso:

- As relações sexuais com mulher do Mwene tinha um castigo severo, podendo ser assado ou queimado vivo; ou então andar enformado ou despido e circular completamente nu no meio da população, como forma de tornar público o mal cometido.

- Os roubos eram punidos e exigiam a total devolução. Aqui envolvia-se toda a família da parte materna que era obrigada a devolver tudo que tinha sido roubado.

- Todo o homem de sexo masculino tinha de ser submetido aos ritos de iniciação, isto é, ser circuncidado e receber conselhos tradicionais durante um longo período de tempo que podia atingir a duração de um ano ou mais. Aqui aprendia algumas táticas de guerra tribal, o modo como proceder nos enterros, a construção de casas, a resolução de alguns problemas familiares, o modo como tratar um doente; o conhecimento de aspetos próprios da mulher, tais como a menstruação e a gravidez.

Por sua vez, as mulheres também faziam os seus ritos e recebiam uma educação para respeitar as pessoas, em particular o marido. Aprendiam, através de alguns sinais, a maneira de mostrar ao marido quando estavam menstruadas. Por exemplo, o uso de roupa vermelha, o facto de mandar o marido meter sal no caril, e outros sinais que eram do conhecimento dos dois.


11.       O traje e o modo de vestir:
- Os homens vestiam mukotha, ou tanga, que tapava apenas os órgãos sexuais, fixando-se através de um cordel na cintura.
- As mulheres usavam um traje melhor do que o dos homens. A sua roupa envolvia toda a nádega, cobrindo as coxas. Usavam ainda missangas à cintura, enquanto que os homens punham apenas ao pescoço.

12.       As lutas tribais:
Os regulados sempre viveram com lutas de poder. Todos os Régulos tinham a sua tropa local de guarda e ataque. Nas lutas tribais usavam armas locais: flechas com ponta envenenada, pedras, fogo, magias, orações... Como fardamento usavam missangas, tatuagens, pinturas na cara, máscaras, chapéus de palha e de penas de aves.


13.       A religião:
Neste tempo a religião cristã ainda não tinha chegado nesta região. E quando chegou com os colonos portugueses, era considerada «religião dos colonos». Por isso, as pessoas rezavam junto dos embondeiros; nas montanhas; nas grandes tocas; junto dos muros de mochem; nos cemitérios onde estavam enterrados os Mwenes. Para todas as orações nunca faltava a farinha, preferencialmente de mapira (ephepa). Usava-se farinha de mapira porque era um dos mais antigos alimentos desta região.

14.       As fases do crescimento de Itoculo (Nakhuka)
Nakhuka começou por ser habitado pelos portugueses no século XIX, no tempo da grande perseguição ao Mwene Maru-haa. Inicialmente fundou-se um quartel em Cotocwane (Thamela). Aqui era a sede que funcionou durante a luta aberta dos portugueses contra os dois Mamwene: Maru-haa e Mukuthumunu de Namarral. Depois da derrota dos dois Mamwene, os portugueses fixaram-se definitivamente zona de Nakhuka, junto ao atual rio Sanhote. Mais tarde, passou à categoria do Posto Administrativo no ano de 1959, quando era Chefe de Posto um cabo-verdiano de nome Carlos Gamboa Matos. Assim, deixou de ser chamado Chefe de Localidade para passar a ser Chefe de Posto.

15.       Uma tentativa de explicação do comportamento das pessoas da área de Nakhuka
Muitos anos antes da dominação colonial as pessoas de Itoculo sofreram muita opressão. Por exemplo, quando morresse um Mwene, no seu enterro tinha que se arranjar uma donzela (emuali) que se enterrava viva com o Mwene; ou quando o Mwene estivesse a comer por exemplo ao meio-dia ou o jantar, alguns escravos tinham que estar perto para logo que o Mwene terminasse de comer, eles lutassem para tirar pratos de junto dele; da mesma maneira, o Mwene não podia fazer uma cova para defecar, mas eram os escravos que deviam tirar as fezes dele e enterrá-las; noutras situações o Mwene sentava-se em cima da cabeça de uma pessoa viva fazendo dela a sua cadeira; os homens evitavam ter uma mulher mais bonita que a do Mwene, senão ele tirava-lhes a mulher; também quando o Mwene cortava o cabelo, logo arranjava uma outra cabeça de pessoa ou leão para se sentar enquanto lhe cortavam o cabelo; por sua vez, ninguém podia ter relações sexuais com a mulher do outro, visto que esta prática estava sujeita à morte ou ao pagamento de grandes taxas ao dono da mulher e ao próprio Mwene.


16.       Nihimus mais comuns
O povo de Itoculo é de raiz macua. Os nihimus mais comuns são: Mirashi, Laponi, Mulima, Celegi, Mirekoni, Lucagi, Mali, entre muitos outros. Este último, Mali, da zona de Xihire, eram os ‘donos’ (operadores) da circuncisão dos rapazes nos ritos de iniciação. Geralmente este nihimus estão relacionados com os regulados. Por exemplo, Maru-haa é do nihimu Laponi, Thamela, Muripa, Mepova são do nihimu Mirashi.

Conclusão:
Esta é uma breve história de Itoculo feita a partir de um conhecimento local e com base num diálogo simples com as pessoas da zona. A única finalidade é ajudar a avivar a memória e fazer que os mais novos conheçam o seu passado e os seus antepassados.

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